Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O golpe-relâmpago no Paraguai

 

Os grandes jornais brasileiros dão manchetes para a inesperada iniciativa da Câmara dos Deputados do Paraguai, que abriu em rito sumário um processo para destituir o presidente daquele país, Fernando Lugo. A rapidez e objetividade da iniciativa denunciam intenções golpistas que envolvem até mesmo antigos aliados do governo, segundo destaca a imprensa.

A reprovação é unânime, apesar de Lugo não ser figura simpática à maioria dos jornais brasileiros. Não apenas por seu perfil ideológico, de sacerdote católico ligado a comunidades de tendência esquerdista, mas também pela série de escândalos que patrocinou, literalmente, ao serem revelados os casos amorosos em que se envolveu, dos quais resultaram quatro processos por reconhecimento de paternidade.

A votação dos deputados paraguaios pelo impeachment de Fernando Lugo tem mesmo todos os sinais de um golpe de Estado, velha prática latino-americana modernizada por um simulacro de decisão democrática. Ainda que os militares não pareçam estar envolvidos, a iniciativa faz lembrar a antiga rotina das rupturas institucionais que até o final do século passado mantinha a América do Sul entre as regiões institucionalmente mais atrasadas do mundo.

Disponibilidade comprovada

Os jornais brasileiros parecem não aceitar mais esse tipo de solução, por mais que lhes possa custar a defesa do presidente paraguaio.

Fernando Lugo é acusado de haver negligenciado, ou estimulado, ações violentas de movimentos sociais que reivindicam a redistribuição das terras agriculturáveis no Paraguai. Como consequência de sua política de reforma agrária, dizem seus acusadores, ele teria promovido a organização de grupos armados como o que entrou em confronto com policiais na sexta-feira (15/6).

Os policiais haviam sido deslocados para fazer cumprir um mandado de reintegração de posse em uma fazenda pertencente a um ex-senador da oposição, foram cercados por camponeses armados e do tiroteio resultaram 17 mortes.

Ao aceitar a renúncia de seu ministro do Interior e do chefe de polícia, segundo a imprensa, o presidente paraguaio teria passado à sociedade a impressão de que estaria apoiando os sem-terra armados.

As origens e a natureza das mobilizações que resultaram nesse conflito não podem ser analisadas superficialmente, e o resultado será sempre influenciado pelos pendores ideológicos de cada cabeça.

Interessante, neste espaço de observação, é registrar que a primeira reação da imprensa brasileira, diante do fato repentino e inesperado, foi de condenar o aspecto golpista do movimento da oposição paraguaia. Os jornais falam em “golpe branco”, silogismo que define ações de força de aparência legal.

Aqui e ali, analistas afirmam que Fernando Lugo vinha se isolando e perdendo apoio no Congresso por conta dos muitos escândalos em que se envolveu desde a posse, principalmente relacionados a suas aventuras sexuais.

Na condição de ex-sacerdote, a revelação de sua comprovada disponibilidade para relações com mulheres, das quais resultaram pelo menos quatro filhos – dois dos quais já reconhecidos e outros dois em processo de comprovação da paternidade – acabaram por minar sua popularidade poucos meses depois da posse.

Risco de violência

Isolado politicamente por conta de seus próprios erros e também em função da estrutura oligárquica do sistema partidário paraguaio, Lugo se voltou para os movimentos sociais em busca de apoio.

Num cenário que envolve grandes contingentes de trabalhadores rurais sem terra, com frações significativas de áreas rurais em poder de grandes proprietários, os conflitos se multiplicam, envolvendo até mesmo produtores brasileiros instalados no lado paraguaio que faz fronteira com Mato Grosso do Sul.

O processo iniciado na Câmara dos Deputados em Assunção gerou desconfianças sobre o andamento de um golpe planejado pela oposição, pela rapidez com que o pedido de impeachment foi aprovado e enviado ao Senado.

Fernando Lugo teria apenas duas horas para se defender, numa sessão marcada para esta sexta-feira (22/6). A pressa seria parte de uma estratégia para afastá-lo do poder e do acesso aos meios de comunicação, com rapidez suficiente para criar o fato consumado antes da mobilização dos grupos que o apoiam e que se localizam principalmente no interior do país.

Segundo a imprensa, ainda há o risco de deflagração da violência política. Pelo que se lê nos jornais, os bombeiros já estão a caminho.