Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O papel morre, o jornal e o jornalismo, não

Há um clima de euforia no quinto andar do prédio onde funciona a sede da agência de publicidade AlmapBBDO, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Os sócio-diretores José Luiz Madeira (Planejamento e Serviços a Clientes) e Marcello Serpa (Criação) acabam de voltar do Festival Internacional de Publicidade de Cannes com o cobiçado título de Agência do Ano, graças a 15 prêmios que ela amealhou, entre Leões de Ouro, Prata, Bronze (12 ao todo) e Grande Prêmio para Mídia Impressa.


O Brasil bateu seu recorde no festival, com 57 leões. O entusiasmo tem razão de ser. Pois se 2009 foi considerado ruim por causa da crise econômica, o que esperar de 2010, um ano de recuperação? Com clientes como AmBev, Embratel, Gol, Bradesco Seguros, Volkswagen, Pepsi e Bayer, as perspectivas da AlmapBBDO — a segunda maior agência do país em faturamento, segundo o ranking da revista Meio & Mensagem, com R$ 690 milhões — são as melhores. Para os sócios, todas as mídias devem crescer na euforia do desenvolvimento brasileiro. E o jornalismo se manterá firme e forte, não mais sobre papel, mas em plataformas como o iPad.


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Apesar do desempenho brasileiro em Cannes, muita gente afirma que, das 173 agências que inscreveram trabalhos, só 18, ou 10%, ganharam algo. Além disso, a atuação em novas mídias foi decepcionante. O que vocês acham?


MARCELLO SERPA: O número geral do Brasil foi espetacular. Afinal, 57 Leões são uma performance absurda de boa. Mas a gente confunde um pouco esse conceito de mídias. É bom lembrar que em Cannes se premia a ideia. A plataforma pode ser qualquer uma. Em outdoor, por exemplo, nós levamos o caso de um outdoor interativo, com uma câmera que filmava você e transformava sua imagem em outra, digitalizada, de seus músicos prediletos. Então é outdoor, mas não tem nada de mídia tradicional. E só ganhou porque é isso: um outdoor moderno, não tradicional. Os números são capciosos se você olha só as estatísticas, não as peças.


E por que não nos destacamos mais em internet?


SERPA: Temos uma defasagem muito grande com outros países em termos de investimento e execução em internet. As verbas e a produção são menores e não temos Hollywood ou Vale do Silício. Uma agência é medida pela qualidade de suas ideias, mas muitas ideias não são executadas por falta de verba. A sede da Nike nos EUA faz uma campanha mundial e investe num site US$ 15 milhões. Aqui a verba de todo o ano da empresa deve ser isso.


E quando o Brasil ganha?


SERPA: Quando temos ideias que se sobrepõem à execução. Muitas vezes são ideias brasileiras, simples e frescas, que ganham os prêmios.


Entre as 50 maiores agências, as principais estão vinculadas a grupos multinacionais. Ainda dá para falar de identidade brasileira na publicidade?


JOSÉ LUIZ MADEIRA: Temos a reputação de ser um país que produz comunicação criativa e de grande qualidade. Afinal, salvar uma ideia com milhões de dólares de produção em tecnologia e investimento é bem mais tranquilo que gerar uma ideia criativa e diferenciada sem essa base. Os brasileiros são disputados. A gente exporta muito mais publicitários que importa.


SERPA: As agências internacionais vieram para o Brasil mais pelo tamanho do mercado do que para ensinar a gente como fazer propaganda. Tem muita gente querendo vir, mas é difícil. Tem que falar e escrever português. A gente tem um mercado genuinamente brasileiro, não tem jeito.


Qual é a ideia que se tem da publicidade brasileira lá fora?


MADEIRA: Que é muito criativa, leve, alegre. Por exemplo, as campanhas da Havaianas, uma marca global genuinamente brasileira, são feitas aqui, com a cara do Brasil, para outros países. A campanha da marca, vitoriosa este ano em Cannes, foi feita aqui para o mercado americano.


SERPA: Há 20, 30 anos, as agências internacionais estavam aqui para pegar um filme de fora, traduzir e colocar no mercado brasileiro. E havia as agências brasileiras que defendiam a qualidade da propaganda brasileira com produtos brasileiros. Das marcas daquela época, 80% eram brasileiras, porque o mercado era fechado. Isso mudou, e hoje temos multinacionais brasileiras. Vejo publicitários saudosistas do passado porque era muito fácil. Para sobreviver no mercado de 2010, não dá para ficar brincando. Não há uma agência aqui, mesmo as estrangeiras, que não tenha brasileiros no comando.


Qual a previsão de crescimento do mercado e da AlmapBBDO este ano?


MADEIRA: O mercado como um todo cresceu a o redor dos 25% até maio, por conta de Copa e eleições. Se a economia vai crescer 7%, é uma alta de setor publicitário muito maior, tradicionalmente o dobro. Nós vamos crescer, mas não tanto, porque estamos focados mais nos clientes que já temos que em buscar novos. Quando você acredita mais nisso que em ficar rodando bolsinha lá fora, tem a desvantagem de crescer menos. Mas tem a vantagem de crescer de maneira sólida e sustentável. E olha que nós não temos clientes de governo, que puxam os investimentos este ano de eleições, como Petrobras e Banco do Brasil.


SERPA: Por princípio, não trabalhamos com governo.


Por quê?


MADEIRA: A gente acha, por observação, que corre um risco maior de deixar de trabalhar com aquela empresa quando mudam os governos.


A crise econômica para o mercado publicitário acabou?


SERPA: Houve uma crise, mas foi menor do que lá fora e os consumidores perceberam isso. Este ano, em Cannes, a admiração pelo Brasil aumentou. Nós sempre fomos, e ainda somos, considerados um país alegre e até exótico. Mas agora somos também um país de economia robusta.


Qual o humor dos anunciantes neste ano eleitoral?


MADEIRA: Ganhe quem ganhar, já temos o lastro bem consolidado de um país que vem dando certo. E há um compromisso dos candidatos de continuar com os projetos que vêm dando certo.


SERPA: Acabou aquele mito de que, a cada eleição, a gente tinha que escolher entre o fim do mundo e o futuro. O Brasil vem ficando maior do que a pessoa que pretende assumir o poder.


Quais os setores que acenam com as melhores oportunidades de crescimento?


MADEIRA: O setor de varejo, automobilístico, higiene e beleza, telefonia, energia. Tudo indica que vão continuar a crescer a taxas extraordinárias.


SERPA: No caso das mídias, eu acho que todas elas vão crescer. A classe D está entrando direto na internet, mas também na TV aberta. Quando a TV a cabo for mais acessível, vamos ter uma explosão. Todo mundo está aprendendo a lidar com a internet e as mídias sociais. Mas há um dado surpreendente aí. Quase 80% de todos os assuntos comentados no Twitter são relativos à mídia de massa. Ou seja, o Twitter, apenas, não gera conteúdo. Ele repercute conteúdos gerado nas mídias de massa. O fenômeno ‘Cala Boca Galvão’ só existiu no Twitter para repercutir um fato gerado na TV aberta. Muito anunciante pensa em sair da mídia tradicional e se dedicar às mídias sociais, o que é errado. Se pensar somente em internet, hoje, ninguém vai te ver.


Entre os anunciantes, há menos interesse por mídias tradicionais?


SERPA: Quando a crise começou nos EUA, o que a gente percebeu foi o contrário. Que os clientes ficaram avessos aos experimentalismos e buscaram concentrar seus investimentos de marketing onde eles já sabem que têm retorno, como as mídias tradicionais. Onde tem audiência? Então é aqui que eu vou colocar o meu dinheiro.


Como foi o impacto na publicidade do crescimento das classes C e D?


SERPA: Há 20 anos, você falava com o público urbano, classe média, e deixava de lado o resto, que não tinha como consumir. Era uma mensagem supersofisticada para um público restrito. Isso mudou completamente com a massificação. A linguagem precisa ser mais simples, objetiva e direta. A publicidade tem de ser mais popular. Isso não significa que ela tenha de ser ruim. Pode ser de bom gosto, divertida, só que é outra linguagem.


A consolidação no setor publicitário acabou no Brasil?


SERPA: Acredito que os grandes movimentos já aconteceram, mas há empresas de internet que se preparam para chegar no Brasil. Então outras operações de fusão e aquisição ainda podem ocorrer. O mercado brasileiro é muito atraente e tem muita gente querendo vir para cá, especialmente porque EUA e Europa estão em situação muito complicada.


E o jornal, morre ou não?


SERPA: Eu acho que o papel morre, mas o jornal e o jornalismo, não. Você pega um iPad, dá um download na Der Spiegel (revista de informação semanal alemã) e todo o conteúdo da versão impressa com adicionais, como filmes e gráficos. Na hora que ela sai lá, eu tenho a revista aqui por 4,50 euros. Eu continuo consumindo o conteúdo e pagando por ele. Isso chegará ao auge quando o iPad custar uma ninharia e todo mundo tiver.


MADEIRA: Eu acho que o papel diminui de importância no contexto do consumo de jornal, mas não é muito legal você estar ali tomando café da manhã com um jornalzinho do seu lado?


SERPA: Eu já estou me acostumando a ler jornal no iPad. Este matou o Kindle porque a experiência é muito boa, melhor que ler jornal impresso.


A nova plataforma do iPad, como defendem alguns, está mais próxima do jornal que os laptops e a internet?


SERPA: Concordo totalmente. Até porque no iPad você será obrigado a comprar o conteúdo diferenciado, o que na internet não acontece. A internet não garante a sobrevivência de ninguém porque é gratuita.


MADEIRA: Mas assistir a um jogo da Copa num iPad não dá! Por ora, tem lugar para todo mundo: para um Marcello Serpa e para um José Madeira.