Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que pretende o Sportv?

O programa era o Tá na Área, do canal de esportes Sportv, e analisava a jornada futebolística de domingo (20/1). O apresentador, Marcelo Barreto, brincou com a insistência de um telespectador que pedia para ver os melhores momentos da partida entre Atlético e Coritiba, também chamado de ‘Atletiba’, o grande clássico do futebol paranaense. Marcelo avisou ao telespectador que ficasse tranqüilo, pois logo mais veria os gols do jogo, e fez um ar debochado ao falar isso, no que foi acompanhado por seus três convidados, todos comentaristas da emissora. Ficou a impressão de que o programa faria um favor ao trazer lances da partida do Paraná.


Ora, se o Sportv se propõe ser um canal nacional de transmissão esportiva, então o telespectador do Paraná estava em seu pleno direito de exigir os melhores momentos de um jogo que é o mais tradicional e reúne as duas maiores torcidas do seu estado. Estranho é o programa Tá na Área destinar um espaço incomensurável ao jogo Vasco e Madureira e praticamente ignorar o clássico paranaense, do qual só mostrou os dois gols da vitória atleticana.


Na verdade, mesmo o clássico Santos e Palmeiras, um dos mais relevantes da história do futebol brasileiro, que tinha o atrativo especial de colocar frente a frente os técnicos Vanderlei Luxemburgo e Emerson Leão, não conseguiu mais tempo no programa do que o jogo em que um Vasco decadente foi batido em seu estádio pelo eternamente desconhecido Madureira. 


O fato de o programa ser realizado no Rio de Janeiro e contar com jornalistas todos intimamente ligados aos times cariocas – por profissão, paixão ou pelas duas coisas –, explica a preferência pelo futebol de lá. Explica, mas não justifica.


Espaço exagerado


Se o Sportv pretende ser o canal esportivo do Brasil, se o seu departamento de marketing pretende atrair assinantes e patrocinadores de todas as praças, então não deveria ignorar as leis de mercado. Ao mesmo tempo em que o mundo se globaliza, há uma tendência à regionalização da cultura, como diz John Naisbitt em Megatrends.


E futebol é cultura. O paranaense quer saber do seu campeonato regional, assim como o gaúcho quer notícias do seu, o pernambucano, o baiano… O que acontecia nos anos 1940, quando poderosas emissoras de rádio espalhavam o modo de ser carioca para o Brasil, agora é impraticável (se bem que o resquício desse colonialismo cultural ainda possa ser encontrado no significativo número de torcedores que Flamengo e Vasco mantêm nas regiões Norte e Nordeste do País).


Em regiões de maior poder econômico e nível educacional, com uma imprensa regional independente, menos sujeita às redes de comunicação comandadas por São Paulo e Rio, os times de futebol locais atraem multidões de fiéis, mais numerosos e de maior poder aquisitivo do que decantadas equipes do eixo-Rio São Paulo.


Tanto os gaúchos Grêmio e Internacional, como os mineiros Atlético e Cruzeiro têm mais torcedores do que Fluminense e Botafogo, por exemplo. O espaço desmedido oferecido a estes clubes cariocas nos programas do Sportv só se justificaria pelo interesse explícito do canal de colocar-se à disposição da divulgação do futebol carioca, ou pela vontade pessoal dos profissionais que tocam a programação da emissora.


ESPN pode ser a solução?


Se o Sportv pretende atender à grande massa de torcedores, então teria de priorizar as grandes equipes de São Paulo, pois os quatro grandes paulistas estão entre os sete times de maior torcida no país. E se pretende ser mesmo um canal nacional, então, além de Rio e São Paulo, tem de dar um espaço mais generoso a estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais Paraná, Bahia, Pernambuco e Ceará.


E essa regionalização é possível, já que durante o Campeonato Brasileiro o Sportv fala de todos esses estados. Portanto, tem links e profissionais capazes de fazer esse trabalho em cada uma dessas cidades. Resta saber se há a chamada vontade política para isso.


Já li muitos e-mails, em sites esportivos, criticando a escolha dos jogos transmitidos pelo Sportv para os centros menos desenvolvidos do país. Segundo esses assinantes do canal, no mínimo 70% das partidas reprisadas envolvem clubes cariocas, mesmo quando estes não estão entre os primeiros do campeonato.


Não creio que haja uma tentativa deliberada do Sportv de manter uma parte do país acreditando que o futebol do Rio ainda é tão relevante como há 20 anos. Provavelmente, baseados em velhas pesquisas, os programadores do canal imaginem que nessas regiões o número de simpatizantes de times cariocas seja maior do que o número de torcedores de equipes locais, o que não é verdade.


De qualquer forma, ou muda sua filosofia, ou o Sportv corre o risco de ser ultrapassado por outro canal atuante na mesma área. Falo da ESPN, que tem ótimos profissionais, um senso ético elogiável e só precisa de maior poder de penetração para, quem sabe, se tornar o canal esportivo que realmente contemplará torcedores de todos os sotaques.

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Jornalista, autor de sete livros sobre esportes