Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O visual, o verbal e o escrito

Os gêneros do discurso refletem o uso estável de enunciados observado num contexto social e histórico, o que faz com que muitos sejam os gêneros do discurso. Alerta Mikail Bakhtin para a enorme heterogeneidade dos gêneros do discurso, a partir das simples réplicas do diálogo cotidiano até as manifestações científicas e gêneros literários.

Têm-se os gêneros dos discursos num sentido funcional, ou seja, em razão de sua utilização no meio social se criam determinados gêneros dos discursos. Bem por isso, acabam sendo abstratos e vazios, o que os tornam difíceis de ser enquadrados em modelos rígidos. Repita-se, a variedade de gêneros decorre da variedade de enunciados, o que mostra a pouca riqueza em se tentar limitar a classificação dos gêneros a partir da literatura – aqui, no sentido de produção artística literária escrita.

Uma proposta classificatória é a de considerar os gêneros a partir da forma do enunciado – verbal ou escrito – e a partir de seu grau de complexidade – primários e complexos. Os gêneros dos discursos mais simples são chamados de primários, utilizados preferencialmente na produção de enunciados verbais, e os enunciados produzidos a partir de uma reflexão mais trabalhada e com marcas culturais de uma área do conhecimento científico – artístico, literário, jornalístico, por exemplo – acabam constituindo os gêneros dos discursos complexos. No interior dos gêneros dos discursos são encontrados os estilos, isto é, as marcas próprias do enunciador, embora nem todos os gêneros dos discursos possam receber marcas próprias e características de um enunciador. É o que se dá, nesse caso, com gêneros dos discursos padronizados (as ordens militares, os memorandos oficiais etc.).

Reprise da vida cotidiana

No plano da forma da enunciação, as modalidades verbal e escrita não são rígidas e excludentes. Elas se combinam e se integram, o que é próprio da concepção de sociedade de massa. A forma também se reveste da imagem que, como enunciado, muitas vezes diz mais do que o dito ou escrito e acaba se constituindo em gênero do discurso visual.

A televisão nos mostra o quanto o gênero visual se sobressai ao verbal e escrito. Mas a força do gênero visual amplia-se se o seu uso vem misturado com a fala e a escrita. Nas reportagens de televisão, ou nos jornais produzidos diariamente pelas cadeias de televisão, pode-se notar uma regra na formulação dos enunciados, um estilo jornalístico televisivo. E este vem variando ao longo dos tempos e, dado o aperfeiçoamento científico nas áreas da comunicação, vai se constituindo em gênero específico, complexo, pronto para atender os anseios dos espectadores.

Voltando no tempo, há trinta anos, os jornais televisivos poderiam ser designados como enunciados no gênero do discurso on-video, num estilo marcado por um padrão inerte do apresentador-enunciador. A notícia era falada e mostrada; o papel da imagem era meramente comprobatório, buscando dar a idéia de neutralidade, embora no seu uso se saiba de um conjunto de técnicas de mídia e jornalismo. E o gênero do discurso on-video agradou e penetrou nos lares, e a vida cotidiana passou a ser reprisada no Jornal Nacional – um exemplo marcante do gênero do discurso on-video num estilo jornalístico televisivo bem definido, padronizado.

Apresentador atua como personagem

A vida não é estática. A ciência caminha, proporciona novas descobertas e as mudanças nos gêneros dos discursos ocorrem: de gênero do discurso on-video chegou-se ao gênero do discurso on-line. A televisão virou real e menos passiva porque no gênero on-line o jornalista precisa participar como animador, criador de sensações instantâneas no seu telespectador. A título de exemplo, citem-se as matérias em que o repórter, com a câmera na mão, acompanha uma perseguição policial. Vamos chamar de gênero on-video-line. A reportagem é ‘real’ e acompanhada da sensação que o telespectador poderia ter se estivesse no Aqui e Agora, mas vivida na figura do destemido repórter. A participação deste é a de apenas acompanhar, com envolvimento alicerçado na noção de ‘neutralidade’. Esse gênero disseminou-se e foi marcado pelos estilos correspondentes daqueles repórteres que ficaram famosos.

Acreditem, isso não foi aproximadamente há mais de oito anos. É um gênero do discurso televisivo superado, velho mesmo, desgastado. O gênero do discurso se modifica cada vez mais rápido, mas não apenas pelos avanços tecnológicos. A degradação ética é um componente que se alia na construção de um novo gênero televisivo.

No novo gênero do discurso não basta a imagem em combinações com o verbal e o escrito. Nem as emoções do repórter do Aqui e Agora são bastante nesse novo gênero: ele mostra a imagem, a qualifica nas palavras do apresentador e de muitas outras pessoas ao redor do que é mostrado; participa efetivamente dos desfechos da notícia, do filme; agora a retrata de forma novelesca, com enredo de suspense, numa interação entre jornal televisivo e as personagens envolvidas no fato que se quer televisionar. No novo gênero do discurso, o apresentador de televisão atua e também participa como personagem, infiltra-se no cenário e ajuda, numa fita de crime, o seqüestrador. O novo gênero do discurso televisivo promete ser um sucesso. Daqui pra frente, vê-lo como on-vida.

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Promotor de Justiça, São Paulo, SP