Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pelo debate e tombamento da Casa do Jornalista

A diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG) convocou uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para o dia 5 de março próximo, na qual proporá a abertura de licitação para que empresas apresentem propostas para a construção da nova sede, em regime de permuta: a entidade entraria com o terrreno e o projeto e a construtora, com o capital. É importante dizer que esse debate sobre construção da nova Casa/demolição da atual sede se arrasta há 32 anos, no SJPMG.

Pela complexidade que envolve a pauta dessa AGE – questões políticas, históricas, éticas, afetivas, cartoriais, patrimoniais e financeiras –, não podemos tomar uma decisão em plebiscito sem antes exaurir todas as alternativas viáveis e os muitos questionamentos sobre o assunto (como, por exemplo, de que forma vai funcionar essa complicada configuração jurídica, o sistema de permuta/alienação; qual o nível de segurança para o SJPMG quanto ao prazo de entrega do imóvel; o que interessa para o SJPMG em relação ao nível de percentual da construção etc.), uma vez que a deliberação da categoria é de relevância pública, e não só corporativista.Afinal, trata-se de uma decisão que vai impactar o futuro da histórica sede do SJPMG diante da sociedade mineira. Por isso, urge um amplo e irrestrito debate aporético com todos os jornalistas e cidadãos, categoricamente.

Aqui, faz-se necessária uma breve contextualização do surgimento da nossa sede. O elegante imóvel, construído na década de 1950 ao estilo bangalô, está localizado no nobilíssimo bairro de Lourdes, à Avenida Álvares Cabral, 400, em Belo Horizonte. Seu proprietário teve dificuldades financeiras e o imóvel foi penhorado, passando a pertencer ao estado. Em 1965, o então presidente do SJPMG, o jornalista Virgílio Horácio de Castro Veado, à época secretário particular do governador Magalhães Pinto, pediu ao governante que doasse o imóvel aos jornalistas mineiros.

Ponto de partida

Virgílio de Castro sugeriu um “arremedo” jurídico, criando a Casa do Jornalista: uma entidade civil, autônoma e independente, portanto de utilidade pública, para evitar intervenções no SJPMG durante o regime militar. O governador de Minas concordou e, cumprindo todos os trâmites legais, doou o imóvel à categoria, no qual nosso sindicato, criado há quase 68 anos, passou a habitar.Antes, a sede funcionava numa modesta sala alugada, no Edifício Mariana, no centro da capital mineira.

A defesa pelo tombamento e restauração da sede do SJPMG via lei de incentivo fiscal federal (o imóvel encontra-se depreciado por causa de mofo, goteiras, problemas de encanamento etc.), justifica-se pela preservação da memória histórica e afetiva de uma entidade que assumiu posição de vanguarda em vários movimentos sociais e políticos, em defesa das liberdades civis, em Minas e no Brasil.

Com efeito, a atuação do SJPMG, no final da década de 1960, foi fundamental para o resgate do movimento sindical brasileiro. Foi nessa mesma sede da Avenida Álvares Cabral que, em uma das salas da Casa do Jornalista, articulou-se a greve de 1968 do ABC paulista, demonstrando que nosso SJPMG foi o ponto de partida para o resgate do movimento dos trabalhadores no estado e depois no Brasil. E muita gente desconhece que foi também nesse endereço que, nos anos 1970 e 80, sindicalistas emblemáticos, como o então metalúrgico do ABC paulista Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Federação dos Bancários de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal Arlindo Ramos, e o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade/MG João Paulo Pires de Vasconcellos, encontravam-se para participar da criação do chamado “Novo Sindicalismo” com o ex-presidente do SJPMG, Dídimo Paiva.

“Todos os sindicatos do Brasil passaram a frequentar o nosso. Foi ali que nasceu o Novo Sindicalismo. É curioso, mas nenhum livro de história escrito por gente da esquerda e da direita reconhece essa verdade”, afirma nosso ex-dirigente sindical mineiro (1975/1978), redator do manifesto “Terror Cultural” (contra o golpe militar de 1964), coautor do primeiro Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros(1985), autor de mais de 15 mil textos impressos e considerado um bunker na imprensa mineira e brasileira. Aliás, Dídimo foi um dos primeiros sindicalistas a perceber as potencialidades políticas de Lula, que despontava como líder sindical no ABC paulista.

Princípio do contraditório

Há muitas outras histórias que ocorreram na sede da Álvares Cabral, 400, e que fazem parte da memória viva da imprensa mineira e brasileira. Por tudo isso, sustento a proposta de estudo de tombamento da Casa do Jornalista, pois precisamos resgatar a consciência histórico-política da categoria, a fim de que nossa ícone e combativa sede do SJPMG continue sendo fórum permanente de grandes debates em nome da cidadania e das liberdades civis.

O filósofo e político romano Cícero escreveu, há mais de dois mil anos: “Desconhecer a história é permanecer criança para sempre”. No que me permito fazer a seguinte contextualização: desconhecer a trajetória histórica do nosso SJPMG é permanecer sem identidade (ethos mineiro) diante da profissão que escolhemos exercer nas Minas Gerais e pelo Brasil. Enfim, defendo que, ao final de um amplo e irrestrito debate sobre o tema prevaleça, na AGE, a deliberação da categoria que melhor atender, concomitantemente, a jornalistas, a cidadãos e à história viva da nossa histórica sede do SJPMG.

Aqui, inspiro-me nas palavras do poeta cubano, Silvio Rodriguez: “Yo he preferido hablar de cosas imposibles porque de lo posible se sabe demasiado”. Entretanto, para que esse debate sobre o destino da sede do nosso SJPMG alcance a dimensão aporética perante a categoria, é importante que a diretoria inclua na pauta da próxima AGE essas duas propostas: a de licitação para as construtoras e a de abertura de estudo para o tombamento. Menos do que isso é negar a própria dialética do processo democrático no jornalismo, ou seja, o princípio do contraditório, em tema controverso.

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[Valéria Said Tótaro é professora de Ética e Deontologia do Jornalismo, articulista, pesquisadora cultural e ex-diretora do SJPMG, Belo Horizonte, MG]