Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quem vai dar armas para os rebeldes?

A imprensa noticia fatos semelhantes de maneira bem distinta. Por exemplo: a repressão da Síria aos rebeldes é considerada execrável. Já a repressão inglesa aos amotinados nos últimos dias foi considerado necessária.

A rebelião líbia também tem sido apoiada cá e além-mar. Não vi nenhum jornalista criticar seriamente o envio de armas aos opositores de Kadafi. E não vi ninguém sugerir que os rebeldes ingleses deveriam receber armas para fazer na Inglaterra o mesmo que tem sido feito na Líbia. A rebelião inglesa não é diferente da rebelião síria. À luz do Direito de cada país, ambas as rebeliões são consideradas ilegais. À luz do Direito Internacional, nenhum país deve exagerar na repressão aos seus rebeldes (o direito à vida é garantido a todos, inclusive aos rebeldes). E, para o Direito Natural, a rebelião é e sempre será considerada um direito dos povos ou das minorias ameaçadas ou agredidas.

Quem vai dar armas para os rebeldes ingleses? Índia, Paquistão, Sudão, Argentina, Rússia? Esta pergunta não foi feita nos jornais, nos telejornais e nas revistas brasileiras. Para os jornalistas brasileiros parece absolutamente óbvio que ela é impertinente. É mesmo?

Mais atenção à história

Todos sabem ou deveriam saber que História é uma coisa longa, muito longa. Alguns norte-americanos e ingleses acreditam que a História acabou. Porém, a esmagadora maioria dos historiadores e cientistas sociais não concorda com as bobagens que Francis Fukuyama escreveu e uma parte da mídia ecoou. Pelo menos para os brasileiros, a dona História não só não acabou como vai bem, obrigado. Há prova oficial disto. Quando foi presidente do Brasil, José Sarney fez questão de visitar a Igreja onde está enterrado Lord Thomas Cochrane. Sarney pisoteou o túmulo do tal e proferiu ofensas verbais contra ele. É que José Sarney nasceu em São Luís do Maranhão, cidade que foi pilhada por Cochrane durante a guerra de independência do Brasil.

Algumas coisas nunca são esquecidas. É fato. Os ingleses fizeram coisas ruins em muitos lugares (ainda estão fazendo, na verdade). Os povos podem engolir uma ofensa hoje, mas às vezes eles regurgitam a retribuição apenas algumas décadas depois. Talvez os jovens alemães que leram o livro de Jörg Friedrich (escritor que relatou como ingleses e norte-americanos incendiaram cruel e desnecessariamente dezenas de cidades históricas alemãs matando milhares de civis durante a II Guerra Mundial) estejam felizes as ver as cidades dos ingleses queimarem neste momento. Eles podem se sentir tentados a dar uma mãozinha.

A imprensa é fonte da história. Não pode simplesmente deixá-la de lado quando cobre eventos como os que estão a ocorrer na Inglaterra. Por fim, devo esclarecer que minha intenção aqui não é incentivar a violência, defender Kadafi ou legitimar o brutal regime da Síria. O que eu pretendo é apenas alertar os jornalistas que eles podem ser menos superficiais, mais atentos à história e, sobretudo, devem parar de fazer propaganda da governança branca de olhos azuis. Se a Inglaterra fosse um paraíso, os ingleses não jogariam bombas em países pobres e desarmados, nem teriam que lidar com rebeliões populares.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]