Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Sérgio Cabral: Excelência excomungada!

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Amigo de Martinho da Vila, parceiro de Rildo Hora, junto a Jaguar e Tarso de Castro criou o Pasquim. Jornalista, crítico de música e arte, conhecido boêmio dos bons tempos do Rio de Janeiro, frequentador do tradicional bar Petisco da Vila, um dos berços do samba e das noites cariocas, personagem graduada de Cascadura à Zona Sul, Sérgio de Oliveira Cabral Santos, ou Sérgio Cabral, é um autêntico representante do espírito carioca.

Pesquisador, escreveu diversos livros como Pixinguinha, vida e obra; No tempo do Almirante; A Música Popular Brasileira na Era do Rádio; Antônio Carlos Jobim, uma biografia; Mangueira, Nação Verde e Rosa; Biografias de Nara Leão, Grande Otelo, Ataulfo Alves, Elizeth Cardoso e milhares de artigos sobre a cultura carioca.

Apaixonado por futebol, torcedor ilustre do Clube de Regatas Vasco da Gama, participou de mesas redondas na TV ao lado de Armando Nogueira, Luís Mendes, João Saldanha, Rui Porto, Sandro Moreira, Sérgio Noronha e tantos outros comentaristas que fizeram do futebol algo além dos noventa minutos.

Apesar da enorme bagagem no currículo e da grande colaboração prestada à cultura, Sérgio Cabral levou seu prestígio para a política e foi vereador da cidade do Rio de Janeiro por três legislaturas, de 1983 a 1993.

Quando a política entrou na vida do jornalista, os deuses da música popular brasileira, da imprensa, do cinema, do teatro, da literatura, do rádio, se reuniram no Feitiço da Vila e decidiram riscar o velho boêmio da lista célebre dos imortais, porque sabiam o que estaria por vir.
Como um ‘mortal’, Sérgio Cabral encaminhou seu filho Sérgio Cabral, com vinte anos de idade, para o front de sua campanha a vereador.

Nossa Senhora da Vitória, padroeira do Gigante da Colina, que não participara da plêiade, chancelou a decisão da reunião no Feitiço e fez um pedido para que toda a família fosse excomungada.

Penso, como mortal que sou, como seria a vida de Serginho, que seguiu os passos do pai e se formou em jornalismo, se tivesse ouvido mais Noel Rosa, Cartola, Chico Buarque; Se tivesse virado noites bebendo com Jaguar, Vinícius de Moraes, Aldir Blanc; Se participasse de programas esportivos nas rádios com Washington Rodrigues, Doalcei Camargo, Jorge Curi; Se estudasse sobre as raízes do negro no futebol, na música, na construção do nosso país. Como seria?

Cabral Filho nunca quis saber das reuniões intelectuais que rolavam debaixo de seu nariz, não leu nada sobre Assis Chateaubriand, Carlos Machado, Dolores Duran. Foi deputado estadual aos 28 anos, aos 40 foi eleito senador, aos 44 governador e aos 53 foi preso com uma pena que ultrapassa 294 anos.

Duzentos e noventa e quatro anos são quase três séculos. D. Pedro I montou o espetáculo da Independência há cento e noventa e oito anos, o segundo reinado terminou há cento e oitenta, Princesa Isabel interpretou a assinatura da abolição há cento e trinta e dois, o Marechal Deodoro saiu da sua casa de pijamas, atravessou a rua e proclamou a república há cento e trinta e um anos.

Tendo uma vida pela frente, vinte e cinco anos foram suficientes para que Sérgio Cabral fizesse da política seu trampolim e seu ego, sua babilônia, berço particular da sua evolução patrimonial. Pedalou em Paris, participou da ‘farra dos guardanapos’ com empresários, suas esposas exibiram calçados Louboutin e foram, ironicamente, parar nas capas dos jornais vendidos nas estações de trem por R$ 0,50.
Sergio Cabral Filho imaginava que a política era o caminho da sabedoria e da esperteza, por isso preteriu a essência fazendo questão de ser O Amigo da onça, não foi malandro de perceber que a malandragem carioca é um conceito, um modo de vida suave, resiliente, solidário e honesto.

Sérgio Cabral está com 83 anos e sofre do Mal de Alzheimer, diz que seu ‘menino morreu quando ainda era criança’. Essa frase diz tudo sobre a trajetória de um menino como aquele da Mangueira* que recebeu um pandeiro e uma cuíca, que tinha tudo para ser um profissional correto, que fosse um político temporário engajado nas causas sociais e culturais, teve base para isso, porém o Visgo de Jaca* não o segurou.

*Os meninos da Mangueira – Canção de Sérgio Cabral e Rildo Hora
*Visgo de Jaca – Canção de Sérgio Cabral e Rildo Hora

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Ricardo Mezavila é cientista político, com atuação nos movimentos sociais do Rio de Janeiro.