Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Só para esclarecer

Os jornais destacam o pacote de decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal que claramente favorecem o banqueiro Daniel Dantas, objeto de investigações na operação que a Polícia Federal batizou de Satiagraha.


Numa delas, o ministro Joaquim Barbosa, herói da imprensa no escândalo chamado de ‘mensalão’, concedeu habeas-corpus a Dantas, permitindo que ele se faça acompanhar de um advogado durante o depoimento na CPI dos Grampos, e que possa permanecer em silêncio diante de perguntas que impliquem sua incriminação.


A decisão era esperada pelos parlamentares que compõem a CPI, uma vez que tradicionalmente o Judiciário leva em conta o direito dos acusados de se negar a fazer declarações que os prejudiquem. Mas, com toda a fundamentação jurídica, não há como evitar no leitor certa sensação de que o controvertido banqueiro está vencendo a luta contra a Polícia Federal no território da Suprema Corte.


Em outra demanda de interesse do controlador do Banco Opportunity, o ministro Eros Grau mandou libertar o executivo Humberto Braz, ex-presidente da Brasil Telecom, preso por tentativa de subornar um delegado federal para manter Dantas fora do inquérito.


O ministro argumentou que Braz é tecnicamente primário, e embora tenha se envolvido pessoalmente na conversa sobre pagamento de propina ao delegado, tem direito a responder ao processo em liberdade. O ministro se baseou no sagrado princípio da presunção de inocência, que deve proteger os cidadãos de decisões precipitadas da Justiça.


Interpretações maliciosas


Mas a falta de maiores explicações nos jornais pode deixar nos cidadãos comuns – aqueles que não podem pagar um bom advogado – a suspeita de que a presunção de inocência não é para todos. Especialmente quando os jornais informam que, antes de ser levado ao Supremo Tribunal Federal, o pedido de Humberto Braz havia sido negado pelo Tribunal Regional Federal de São Paulo, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo próprio presidente do STF, ministro Gilmar Mendes.


O ministro que concedeu o habeas-corpus ao parceiro de Daniel Dantas certamente está coberto de boas razões jurídicas, e a imprensa deve deixá-las muito claras. Se Dantas é autor de metade dos crimes que lhe imputam a Polícia Federal e o Ministério Público, conforme foi amplamente noticiado, e se Humberto Braz foi encarregado de subornar um delegado para mantê-lo fora das investigações, fica difícil explicar ao cidadão comum a decisão de colocá-lo em liberdade.


Talvez os jornais devessem contar melhor essa história, até mesmo para evitar interpretações maliciosas sobre o funcionamento da Justiça no Brasil.