Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sobre o futuro dos jornais

O articulista Clóvis Rossi, em artigo publicado domingo (26/11) na Folha de S.Paulo (‘Férias, as últimas?’, pág. A2), alerta seu leitor que está saindo em férias e que teme serem essas as últimas. Aproveita para declarar-se uma espécie em extinção e alardeia o fim do jornalismo impresso. Muito sombrio para um domingo…

A crise no jornalismo impresso deve-se a alguns fatos apontados no artigo. Mas há outros motivos. Podemos destacar um simples e relevante: a partir do final da década de 1980, os departamentos comercial e de marketing das empresas passaram a ter ingerência excessiva nas redações dos grandes jornais brasileiros. E os editores e seus repórteres começaram a perder poder e autonomia.

De uma certa forma, ao priorizarem seus objetivos de lucro em detrimento de um jornalismo ético, substancial, isento e de conteúdo, as empresas jornalísticas foram descaracterizando seus objetivos fundamentais – papel que vem sendo desempenhado atualmente por uma imprensa alternativa guerreira e audaciosa, muitas vezes quixotesca, tanto impressa como a eletrônica, mais democrática e independente.

Para compreender os temores de Rossi, basta analisar as contradições existentes na edição do carro-chefe de sua empresa empregadora, evidenciadas na edição da Folha desse mesmo domingo (26). Começando pela manchete explosiva de primeira página [‘Para PF, Berzoini mandou comprar dossiê’], a Folha, ultimamente bastante tendenciosa, resolve julgar antecipadamente o deputado Ricardo Berzoini antes da elaboração do relatório conclusivo da PF e do Ministério Público, acusando-o de ‘mandar comprar o dossiê contra tucanos’, enquanto na página A3 do primeiro caderno reserva espaço nobre para Paulo Maluf, suspeito de desvio de mais de 200 milhões de dólares, escrever um professoral artigo sobre a crise no Incor [‘Em defesa do Incor’]. Era só o nobre deputado eleito devolver o dinheiro suspeito de ter sido desviado e resolveria imediatamente o problema do Incor e de outras importantes instituições de saúde.

Pausa para reflexão

À leitura de outro caderno, a ‘Ilustrada’, constata-se que a maioria de seus frouxos e imaturos textos estão pautados pela nossa surrada TV. Nenhum editor de jornal sério e importante do mundo aprovaria boa parte dessas pautas , que mais parecem extraídas de imprensa setorizada, juvenil e provinciana. O caderno ‘Mundo’, com dez páginas, mais da metade é dedicada a gigantescos anúncios imobiliários, o que torna difícil sua leitura. E a Revista da Folha está simplesmente impossível de ler, pois só traz anúncios que acabam nos remetendo ao antigo jornal Shopping News. Pelo menos este era gratuito.

Há, sem dúvida, exceções à regra, como os artigos de Juca Kfouri e Tostão no diminuto caderno ‘Esportes’, além do texto de Marco Aurélio Canonico sobre a Europa e os imigrantes, e a longa entrevista de Walter Salles e Wim Wenders no excelente suplemento ‘Mais!’. Resta, então, a pergunta: com todos os argutos argumentos apresentados por Clóvis Rossi em seu artigo, o futuro de jornais como a Folha é mesmo sombrio como prevê o texto redigido por um dos integrantes de seu Conselho Editorial?

Prefiro pensar que esse oportuno período sabático do colunista possa ser um bom momento para que a direção desse prestigioso – e outrora primoroso – jornal reflita sobre os caminhos que pretende tomar no futuro. Como leitor, torço por decisões maduras, generosas e inteligentes. Ao contrário de Rossi, acredito no futuro do jornalismo impresso – que, assim como um bom livro, é para sempre.

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