Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Todo o poder aos estagiários

Todo jornalista é canalha. É sério. Sem exceção. No entanto, o segredo do bom jornalismo pode estar nas mãos dos estagiários de comunicação.

Escrevem com paixão sem ganhar muito em troca. Aliás, ganham pouco. O estagiário, se não for engolido pela falta de criatividade das empresas jornalísticas, tem a chance de inventar.

Sempre acreditei que o jornalismo possui uma relação íntima com a arte. Pena que nas empresas a técnica tenha ganho a queda-de-braço com o talento. Ela, a arte, quando bem misturada com o talento provoca impulsos transgressores, ousados, juvenis. Mas, a técnica, quando usada simplesmente com a intençãode produzir para preencher espaços, torna o jornalismo ainda mais banal do que é.

O que o jornalismo e os jornalistas precisam entender é que não falta espaço nem tempo para escrever nem apurar um tema. Falta coragem. O medo de errar é muito grande. E é ai que entra o estagiário. Os aprendizes de jornalismo são indícios de passos mais largos, resultados de muitos tropeços.

Para os estagiários, errar é aprender. Não falo de erros de gramática. Isso é técnica. Nem erros na produção informativa da matéria. Isso é ética. O tema defendido aqui é o texto jornalístico.

Balanço das palavras

Experimentar o experimental deve ser uma regra. Não estou falando de dadaísmo. Até poderia ser, mas daí estaria pedindo demais. Falo da inclusão do autor, do reconhecimento da opinião no texto, declarada, cortando o véu da objetividade e da imparcialidade. A troca da hierarquia dos personagens na matéria. A relação editorial entre o tema, os personagens, o jornal e o autor.

Para começar poderíamos voltar no tempo, incluindo em uma foto entrevistado e entrevistador. Não é ego. Não é o desejo de aparecer na foto. É saber que quando um texto foi feito, o mesmo foi feito por um ser humano, não por uma máquina de impressão. Se já somos canalhas de nascença, para quer esconder as outras canalhices?

O jornalismo perdeu o deboche no texto, o balanço das palavras. Tudo é: o deputado disse, não sei quem concluiu, informou, retrucou. É preciso ânimo. E isso, nós, estagiários, temos. Além de não termos vínculos empregatícios, não temos boa remuneração (daí podemos escrachar mesmo), não temos um nome de carreira para defender, tudo é lucro.

O problema é quando desde aqui, no estágio, temos medo de sair da caverna. Aí, nem Sócrates nem Platão. Fiquem com os canalhas.

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Estudante de Jornalismo e Ciências Sociais, Salvador (BA)