Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Um grupo terrorista e pronto

A grande imprensa brasileira tomou partido bem claro na questão Israel-Palestina, em especial, nos ataques que as forças armadas de Israel estão fazendo ao Líbano a pretexto de se defender de ataques do grupo armado Hezbollah. Para a mídia patropi, o Hezbollah é um grupo terrorista e pronto. Nada a declarar. E é por isso que está sendo atacado por soldados israelenses, não importando quem sejam as vítimas desta barbárie. Essa postura da mídia brasileira é vergonhosa, pois reflete o padrão da mídia norte-americana e mundial que é quase toda pró-Israel. Não adianta nada outras fontes jornalísticas informarem que a coisa não é bem assim, que não é um ato terrorista dos árabes, que o buraco é mais embaixo etc.

Não, a posição já foi assumida e para a grande mídia, brasileira, inclusive, quem luta de maneira não-convencional contra as forças do ‘bem’ – americanos no Afeganistão e Iraque, israelenses na Palestina e Líbano etc. – é terrorista. Não são eles que atacam civis, matando inocentes nas ruas, destruindo prédios, escolas, hospitais etc.? Mas, não é mesma coisa que as forças armadas americanas, inglesas, israelenses fazem em suas ações militares? Os ataques das forças armadas de Israel no Líbano, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia matam civis, destroem escolas, hospitais, centrais elétricas, aeroportos, e no entanto não são classificados como terroristas. Por quê?

Hezbollah, Hamas, Fatha são, para a grande mídia mundial e brasileira, grupos terroristas fundamentalistas radicais. Não são forças armadas regulares de um Estado-Nação como Israel, EUA, Inglaterra, França. Não têm o mesmo status que os exércitos nacionais e nem o mesmo direito de lutar por qualquer causa, muito menos contra uma ocupação militar como a que Israel faz na Palestina há mais de meio século. Na verdade, o que está implícito nesta postura é o seguinte. Terrorismo de Estado tudo bem, é passível de se aceitar, dá para ‘maquiar’ as operações militares, especialmente se os alvos forem muçulmanos islâmicos, os mesmos que têm a audácia de se colocarem contra o avanço dos EUA, Israel e aliados europeus rumo ao que resta de petróleo farto e fácil no Oriente Médio. Como essa gente não é nada confiável, se possível é melhor acabar com eles em definitivo.

Acabar com ‘essa raça’ tem sido a meta. Por pior que possa parecer, essa posição racista é a que prevalece. Só que não de maneira explícita, mas disfarçada, por outros meios, com uma linguagem mais amena, menos drástica, mais hipócrita. E é aí que entra a grande mídia. Tem sido este o papel nojento e repugnante dos veículos da grande imprensa internacional e brasileira. Muçulmanos, islâmicos, palestinos já foram julgados por ela. São terroristas por princípio porque lutam contra as ocupações militares de seus territórios, pela defesa da sua cultura e valores, por suas famílias e negócios, por serem islâmicos e diferentes, em última medida. A grande imprensa mundial e brasileira vergonhosamente manipula as informações, cria mentiras sobre o que acontece, faz propaganda em nome do jornalismo, dando suporte político-ideológico a atrocidades e genocídios praticados pelos EUA, Inglaterra, Israel, Austrália nas aventuras militares, nas ocupações e violências contra civis.

Israel, com todo o seu poderio militar, destrói campos de refugiados palestinos em Gaza ou na Cisjordânia a título de matar líderes do Hamas, invade o Líbano que não tem condições de se defender em pé de igualdade porque o grupo Hezbollah tem suas bases no território libanês, mas não tem coragem de fazer a mesma coisa com Síria ou Irã. A resposta militar seria violenta e Israel não teria condições de enfrentar os dois países, mesmo com ajuda americana. E isso também não é veiculado pela mídia. Para a grande imprensa, o que Israel está fazendo é apenas se defender de ataques terroristas. E o que o Estado de Israel tem feito nos últimos 60 anos na região não é terrorismo. É apenas defesa do território, da sua gente, dos seus valores. De nada adiantam reportagens, estudos acadêmicos, textos os mais variados, livros, filmes, documentários mostrarem o outro lado da moeda. A mídia não se interessa por estas informações, a escolha já foi feita. O que é veiculado é apenas uma versão. No caso da Palestina, a de Israel. É a mesma atitude covarde que a imprensa norte-americana tomou quando bancou as mentiras do governo Bush para invadir e ocupar Afeganistão e Iraque. E a mídia mundial e brasileira ainda reclama da falta de credibilidade.

O músico de jazz israelense Gilad Atzmon, no texto ‘Nunca más‘ (Nunca mais), publicado pelo sítio Rebelión, que se coloca como ex-judeu que luta pela libertação do povo palestino, escreveu o seguinte:

‘Es fundamental que tengamos en cuenta que nuestra imagen colectiva de Hamas y Hezbolá como asesinos de masas y locos sanguinarios no es más que una proyección construida por quienes son activos participantes en rituales sangrientos. En términos lacanianos, ‘el inconsciente es el discurso del outro’. En la práctica israelí, la inclinación asesina de los sionistas al referirse a Irán, Siria, Hezbolá y Hamas es simplemente leal reflejo especular de las tendencias asesinas sionistas, que no están reprimidas en absoluto.

‘El párrafo anterior no es un argumento lógico o analítico. Es simplemente una sugerencia desesperada hecha por un hombre que creció allí, en Sión, entre gángsteres narcisistas y sanguijuélicos rabinos circuncisores. Es un llamamiento hecho por un hombre que durante muchos años ha estado intentando llegar al fondo de la noción de odio. Es un llamamiento hecho por un hombre que soñaba con dar un concierto en el Líbano, un país que visitó hace 22 años como soldado; un país que fue reducido a polvo, pero que ha pasado las últimas dos décadas resurgiendo de sus cenizas, un país que tenía un sueño, un país que nuevamente está siendo aniquilado por su vecino.’

Gilad faz uma profunda autocrítica, enquanto judeu, dos princípios que nortearam e formaram o Estado de Israel, para explicar a extrema violência que os israelense tem para com árabes desde a criação do país em 1948.

A professora de Lingüística Tanya Reinhart, das universidades de Tel Aviv e Utrecht, autora do livro Destruir a Palestina – A segunda metade da guerra de 1948, Editorial Caminho, 2004, que teve seu texto ‘O ataque dos Hezbollah? Foi o único ato de solidariedade com Gaza’ publicado pelo sítio Resistir.info, afirma:

Foi a ofensiva israelense contra Gaza que desencadeou a nova guerra ao Líbano. Desde que Israel se havia retirado do Líbano, em 2000, os Hezbollah haviam evitado cuidadosamente afrontar o exército israelense no território de Israel (limitando-se a enfrentamentos na zona de Shebaa, no Líbano, que o Estado hebreu continua a ocupar). O momento escolhido pelos guerrilheiros xiitas para o primeiro ataque, e a retórica que se seguiu, indica que sua intenção era reduzir a pressão sobre os palestinos, abrindo uma nova frente. Sua ação pode portanto ser encarada como o primeiro ato militar no mundo árabe de solidariedade com os palestinos. Seja o que for que se pense do que fez o Hezbollah, é importante compreender a natureza da guerra de Israel contra os palestinos em Gaza.

A ofensiva das forças armadas israelenses na Faixa de Gaza não se refere ao soldado prisioneiro. O exército preparava um ataque desde há meses e fazia pressão para passar à ação, com o objetivo de destruir a infra-estrutura do Hamas e do seu governo. Foi por isso que elas desencadearam a escalada de 8 de Junho, quando assassinaram Abu Samhadana, membro do governo do Hamas, e intensificaram os bombardeamentos contra os civis na Faixa de Gaza. Desde 12 de Junho, o governo já havia autorizado uma ação ampla, adiada contudo por causa das reações internacionais suscitadas pelo assassinato de civis palestinos nos bombardeamentos aéreos do dia seguinte. A captura do soldados serviu para ‘remover a segurança’.

Tapa-se o nariz

O texto do jornalista John Pilger ‘Como a mídia cobre Israel’, também publicado no sítio Resistir.info, mostra o seguinte:

Se a sua fonte de notícias é apenas a televisão, você não terá nenhuma idéia das raízes do conflito do Médio Oriente, ou que os palestinos são vítimas de uma ocupação militar ilegal. Em Maio, o Glasgow University Media Group, notável pela sua análise pioneira dos media, publicou um estudo das reportagens do conflito israelense-palestino. Ele deveria ser uma leitura obrigatória nas salas de redação e nas escolas de comunicação. A investigação mostrou que a falta de entendimento do público em relação ao conflito e sua origens foi preparada pelos relatos noticiosos, especialmente da televisão. Aos espectadores, afirma o estudo, raramente lhes é dito que os palestinos são vítimas de uma ocupação militar ilegal. A expressão ‘territórios ocupados’ quase nunca é explicada. Na verdade, apenas 9 por cento dos jovens entrevistados sabiam que os israelenses eram os ocupantes, que os ‘colonizadores’ (settlers) eram israelenses. A utilização seletiva da linguagem é importante. O estudo descobriu que palavras tais como ‘assassínio’, ‘atrocidade’, ‘linchamento’ e ‘matança selvagem a sangue frio’ eram utilizadas apenas para descrever mortes israelenses. ‘A extensão com que algum jornalismo assume a perspectiva israelense’, escreveu o professor Greg Philo, ‘pode ser vista se as declarações forem ‘revertidas’ e apresentadas como ações palestinas. Não encontramos quaisquer relatos [noticiosos] a declarar que ‘Os ataques palestinos foram em retaliação pelo assassínio daqueles que resistem à ocupação israelense ilegal’’.

Só por este exemplos, sendo que dois deles são de autores judeus, percebe-se o quanto a grande mídia mundial, e por tabela a brasileira, manipula e mente sobre o que realmente acontece no Oriente Médio, em especial na Palestina. O preço por tudo isto tem sido muito alto em mortes de civis, principalmente de crianças. E mesmo assim, a grande imprensa continua defendendo os invasores americanos, ingleses, israelenses tentando justificar o injustificável. Uma verdadeira matança a granel, um genocídio com características de limpeza étnica para varrer de vez com palestinos e muçulmanos da região, custe o que custar. E com apoio quase total da grande imprensa.

Vergonhoso é muito pouco para definir essa atitude. Antigamente, limpava-se o chão de alguma sujeira com folhas de jornal. Hoje em dia, a imprensa ainda serve para limpar outros tipos de sujeira, muito piores, nem que seja empurrando para debaixo do tapete. E se feder muito, tudo bem. Tapa-se o nariz, finge que nada está acontecendo e segue-se em frente. Quando a imprensa mente, todos nós perdemos…

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Jornalista