Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sem medo de errar

As profundas mudanças no Correio da Bahia – ou apenas Correio – foram, a meu ver, o case mais emblemático das muitas experiências em torno do produto jornal apresentadas no II Congresso da Associação dos Diários do Interior (ADI), realizado nos dias 13 e 14 de maio, em Brasília.

Não menos importantes também foram o relato do Grupo Sinos, de Novo Hamburgo (RS), com seu carro-chefe, o jornal NH, e suas apostas na diversificação de produtos, mantendo a informação local como essência e cultivando uma mentalidade global – “o leitor evoluiu, é globalizado”; o relato do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP), sobre mudanças na gestão da empresa e a estratégia de expansão; e as experiências em torno de novos modelos de negócios de O Vale, de São José dos Campos (SP) e da Folha de Londrina, no Paraná.

E por que o caso do Correio é emblemático nesta época de profundas transformações no universo da comunicação? Primeiro pelo arrojo de seus mentores de criar um produto diferenciado, que mistura novo conceito de jornalismo com novas ferramentas de promoção de negócios. Segundo, pelo fato de a experiência estar dando certo. Em pouco tempo, a partir de 2008, a tiragem saltou de menos de 7 mil exemplares diários para 122.510 exemplares no último dia 13 de maio, quando uma manchete em duas linhas anunciava que o técnico Ney Franco estava trocando o Vitória pelo Flamengo.

Foram mudanças e iniciativas consideradas extraordinárias, baseadas em três pilares –profissionalismo, credibilidade e inovação –, levando em conta a realidade de Salvador e adequando o preço do produto ao poder aquisitivo dos soteropolitanos. O novo projeto gráfico redesenhou a distribuição da informação, fugindo ao padrão de divisão em editorias. São cerca de 40 páginas diárias com numeração corrida e distribuição flexível do noticiário. O conteúdo editorial é determinado com base na constante preocupação de identificar oportunidades e problemas, como nas recentes manchetes de 15/5 (“Compre um imóvel e ganhe um carro zero”) e 19/5 (“Que fase, Leão!”), em referência à derrota do Vitória para o Palmeiras e com foto de página inteira retratando a tristeza de um jogador.

Caminho da sustentabilidade

É comum o Correio circular com duas capas, uma para os assinantes, outra para venda em banca, esta com mais apelo visual. Toda a estratégia de circulação, entre outras iniciativas, é baseada em pesquisas e relatórios diários sobre o desempenho de cada ponto de venda.

Muitas de suas soluções podem ser úteis a jornais de outras cidades e regiões do país, assim como podem ser aproveitadas as experiências do Grupo Sinos, do Diário da Região, de O Vale, da Folha de Londrina etc. A ADI promete disponibilizar em breve em seu site (www.adibr.com.br) o conteúdo de todas as palestras e apresentações.

Outro destaque do Congresso e que poderia ser levado a debate no Observatório da Imprensa é a estratégia de relacionamento dos governos com a mídia, em especial com os veículos do interior, tomando como exemplo o que está ocorrendo em Santa Catarina e no Paraná. Um tratamento diferenciado para os veículos locais e regionais é uma das demandas também levadas ao Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, durante os contatos para a execução do projeto Grande Pequena Imprensa (GPI), de apoio técnico gratuito a pequenos e médios jornais do interior.

A distribuição justa e imparcial das verbas publicitárias, definida por critérios técnicos, está na base da relação de confiança e transparência com a imprensa construída pelos governos dos dois estados sulistas, representados no Congresso da ADI pelos secretários de Comunicação Nelson Santiago (SC) e Marcelo Cattani (PR). Tanto em Santa Catarina como no Paraná, os maiores jornais são regionais, superando os veículos das capitais. A publicidade oficial chega a todos os veículos, independentemente de serem ou não auditados pelo IVC, mas com vantagens adicionais aos que são auditados. Nos dois estados, o projeto de comunicação estimula a transparência e a independência. As críticas ao governo são recebidas com naturalidade. Como salientou Jedaias Belga, presidente da ADI-PR, a mídia do interior “tem vez e tem voz”.

O encontro em Brasília, acima de tudo e além dos cases, reforçou a convicção de que a histórica concentração da mídia nas capitais do país está ficando no passado. O interior mudou, há uma nova dimensão socioeconômica e cultural que força os jornais a mudarem, a estarem mais do que nunca envolvidos com a comunidade, a buscarem modelos de negócios sustentáveis, seja mantendo-se como impressos ou operando no meio digital. E o caminho para a sustentabilidade é o conhecimento, a união de forças e a adoção de estratégias conjuntas, capazes de reduzir custos de produção, impressão e distribuição.

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Celestino Vivian é jornalista e filósofo, coordenador no projeto Grande Pequena Imprensa (GPI), implementado pelo Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo