Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Apps e internet geram revolução social entre jovens sauditas

Para muitos jovens sauditas, a vida é um ecossistema composto de aplicativos.

Sem acesso à liberdade de expressão, eles debatem no Twitter. Como não podem paquerar no shopping, eles o fazem pelo WhatsApp e o Snapchat. Mulheres jovens que não conseguem emprego vendem comida ou bijuterias por meio do Instagram. Como elas são proibidas de dirigir veículos, deslocam-se em carros de serviços como Uber e Careem.

Além disso, em um país onde as lojas fecham para as cinco orações diárias dos muçulmanos, há aplicativos que lançam o chamado à oração por meio do telefone e calculam se você terá tempo para chegar ao próximo Dunkin’ Donuts, por exemplo, antes de ele fechar as portas.

Confrontados com uma versão austera do islã e com códigos sociais rígidos que impõem restrições severas à vida pública, os jovens sauditas vêm recorrendo cada vez mais às mídias sociais para se expressar, se divertir, ganhar dinheiro e encontrar amigos e potenciais parceiros.

Essa dependência da tecnologia, usada para passar ao largo da polícia religiosa e dos olhares inquiridores de familiares e vizinhos, vem se intensificando desde seu início, na década de 1990, com a expansão da televisão por satélite. Os sauditas na casa dos 30 anos ou mais velhos se recordam dos tempos em que se trocavam mensagens românticas não autorizadas com a ajuda do BlackBerry Messenger.

Mas a escala do boom atual das mídias sociais é estarrecedora.

Muitos dos 18 milhões de cidadãos sauditas possuem smartphone e passam horas on-line todos os dias. A comunicação digital não tomou o lugar das interações cara a cara, mas abriu a porta a comunicações muito mais diretas e sólidas, especialmente em uma sociedade que pratica a segregação aguda entre homens e mulheres que não sejam da mesma família.

A expansão da tecnologia móvel está gerando nada menos que uma revolução social na vida dos jovens sauditas. Em um país que não permite cinemas, os vídeos do YouTube proporcionam uma fuga dos censores e uma janela para o mundo externo. Um jovem juiz do direito sharia confidenciou que tinha assistido às cinco temporadas do seriado “Breaking Bad”. “Fiquei viciado”, explicou.

O país possui condições perfeitas para um boom das mídias sociais: internet veloz, receita disponível e uma população jovem com poucas opções sociais. Diferentemente da China ou do Irã, a Arábia Saudita não bloqueou sites como Facebook e Twitter, embora ocasionalmente processe quem considera que tenha insultado figuras públicas ou o islã.

A monarquia saudita parece ter decidido que os benefícios das mídias sociais, como válvula de escape para os jovens, pesam mais que o risco de elas serem usadas para mobilizar oposição política.

Também existem benefícios econômicos. “Muitas pessoas vivem grudadas ao telefone -e entediadas”, comentou Ali Kalthami, diretor de conteúdo da Telfaz11, que produz vídeos cômicos para o YouTube.

A empresa hoje emprega mais de 30 pessoas e diversificou suas atividades para incluir a produção de comerciais e games e o gerenciamento de seus atores, frequentemente cercados na rua por jovens sauditas querendo tirar selfies com eles.

O site ironiza a lei que proíbe mulheres de dirigir carros e a estereotipagem de sauditas no exterior, mas seus membros conhecem os limites que precisam respeitar. “Os tabus habituais: sexo, política e religião”, enumerou Alaa Yoosef, diretor gerente da C3 Films, a empresa-mãe da Telfaz11.

Os conservadores religiosos são hábeis no uso das mídias sociais, e muitos jovens sentem orgulho de sua cultura. Mesmo os que querem mudá-la dizem que as transformações precisam ser graduais.

Muitos vêm usando as novas tecnologias de maneiras sauditas. Apresentando-se nas vestes tradicionais negras, com véu cobrindo o rosto inteiro, Amy Roko acumula quase meio milhão de seguidores no Instagram graças aos vídeos em que imita a diva colombiana Shakira, usando golpes de caratê contra um pretendente indesejado e andando de skateboard, já que não pode conduzir um carro.

A conservadora Raqad Alabdali, 22, que vive em um subúrbio de Riad, iniciou um romance com um homem que não conhecia após ele responder a seus posts melancólicos no Twitter com uma mensagem particular. Em pouco tempo, eles estavam trocando mensagens constantes. Eles trocaram seus números de telefone, e ela acabou mandando ao pretendente uma foto em que estava sem véu, de vestido branco com os ombros de fora e com os olhos maquiados.

“Não tenho a menor dúvida de que ele vai se casar comigo ou que tem intenções sérias comigo.”

A que se deve essa certeza? Seu irmão mais velho e a mulher dele se conheceram no Facebook.

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Ben Hubbard, do New York Times