Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O curto prazo domina a cobertura

A economia brasileira deve ganhar impulso até o fim do ano e expandir-se 4%, ou pouco mais, em 2013. Não há muita dúvida sobre isso. Mas quanto poderá crescer nos anos seguintes? Até quando poderá avançar sem grande estrago nas contas externas? Essas perguntas são cada vez mais importantes para quem pretende enxergar além do dia a dia dos mercados. A imprensa tende a ignorá-las ou a deixá-las em segundo plano, dando mais espaço e destaque aos assuntos de curto prazo.

Em 20 de julho, uma sexta-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) criou uma boa oportunidade para os jornais saírem desse ramerrão. Foi divulgado nesse dia o relatório das consultas anuais com autoridades, empresários e economistas de alto nível sobre as perspectivas do Brasil – um documento de 105 páginas com muita informação e muita análise prospectiva.

Como de costume, os autores do trabalho coletaram os dados de curto prazo e montaram um cenário para o resto de 2012 e para todo o próximo ano, sem apontar problemas muito graves. Mas as seções mais interessantes foram dedicadas a uma avaliação das condições da indústria e das possibilidades de crescimento no médio prazo. Essa avaliação foi acompanhada de advertências e recomendações importantes, já formuladas, em grande parte, por analistas brasileiros.

Cenário imediato

No mesmo dia 20/7, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reuniu em São Paulo representantes de 44 segmentos empresariais para um balanço das políticas de estímulo adotadas pelo governo federal desde o ano passado. Discutiram-se os resultados dessas medidas, enfeixadas no Plano Brasil Maior, e foram formuladas sugestões. O documento oficial divulgado depois do encontro pela CNI foi morno e pouco ambicioso. As recomendações foram pouco além da ampliação dos benefícios setoriais concedidos até agora.

Partiu do empresário Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib) o comentário mais ousado: as “políticas imediatistas e pontuais” são insuficientes para eliminar o “clima de incerteza”. Faltam, segundo ele, mudanças estruturais. “Troco um crescimento menor agora por crescimento mais constante no futuro.”

O Globo citou esse comentário e, além disso, juntou na mesma página, a capa do caderno de Economia, o resumo do relatório do FMI, o noticiário sobre a reunião dos industriais e a revisão das contas fiscais e das perspectivas de curto prazo divulgada a cada dois meses pelo Ministério do Planejamento. Eram três assuntos obviamente interligados. Além disso, o jornal destacou a análise de médio prazo e as recomendações de maior alcance formuladas pelo pessoal do FMI: mais ênfase na poupança interna, no investimento e no estímulo à exportação para garantir o crescimento sustentado.

O Estado de S.Paulo deu destaque ao material do FMI e também à revisão bimestral da política orçamentária e das previsões oficiais de curto prazo, mas deu prioridade à análise do cenário imediato. O pessoal do Fundo avaliou favoravelmente a maior parte das ações adotadas a partir do ano passado, incluída a redução dos juros. Advertiu, no entanto, para algum risco associado à rápida expansão do crédito, mas sem muita ênfase.

Altos funcionários federais preferiram discutir esses aspectos do relatório e boa parte do noticiário divulgado pelas agências, na sexta-feira (20) à tarde, foi limitada a essa discussão do cenário imediato. Alguns analistas consultados pela imprensa fizeram comentários pobres, aparentemente sem ter lido o documento.

Perda de mercado

A Folha de S.Paulo deu pouca importância a todo esse noticiário. Apresentou num pé de página um pequeno texto sobre o relatório do FMI, mas destacou no título a recomendação da política de médio prazo – mais investimentos para uma expansão segura. Um texto ainda menor foi dedicado à revisão bimestral do orçamento.

Nenhum desses jornais mencionou as projeções do Fundo para o balanço de pagamentos, com perspectiva de expansão do déficit em conta corrente, nem a referência ao aumento, nos últimos anos, da parcela de bens importados no total das vendas industriais no mercado brasileiro. Esses dados, no entanto, são componentes importantes da análise. Pelo menos um deles, aquele relativo à perda de mercado das empresas brasileiras, foi discutido em estudo recente da CNI.

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[Rolf Kuntz é jornalista]