Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Pautas adiante do dia a dia

O julgamento do mensalão tomou espaço e atenção de grandes assuntos econômicos na primeira semana de agosto. A maior parte das boas histórias – Venezuela no Mercosul, crise industrial e prejuízo da Petrobras, por exemplo ­­– foi posta de lado rapidamente em quase todos os jornais. As pautas logo mudaram e novos temas foram destacados. O Estado de S. Paulo foi uma exceção. Sua manchete de domingo (5/8) foi uma entrevista com o presidente do Paraguai, Federico Franco, sobre a suspensão de seu país e a ampliação do bloco regional – uma decisão, segundo ele, “ilegal e ilegítima”.

Na mesma edição, o caderno de Economia publicou duas matérias sobre refinarias no Nordeste, uma em construção, outra nem iniciada, apesar do lançamento oficial de suas obras em 2010. Os dois textos compuseram uma boa sequência para o noticiário sobre o prejuízo de R$ 1,3 bilhão da Petrobras no segundo trimestre, o primeiro resultado negativo desde 1999.

Raramente as pautas, no dia a dia, vão além dos fatos mais evidentes e previsíveis. São pautas quase sempre reativas e dependentes de agendas fixadas por autoridades, entidades empresariais, agentes do mercado financeiro e assim por diante. Perguntas simples e menos óbvias podem render histórias muito mais interessantes. Por exemplo: como o governo cumprirá a promessas de mais desonerações fiscais para a indústria?

Reportagem bem-feita

O pessoal do Valor tentou responder a essa questão, uma das mais importantes numa fase de estagnação industrial. O material publicado na sexta-feira (3/8) destacou duas informações: 1) a presidente Dilma Rousseff deverá propor, depois das eleições municipais, duas reformas fatiadas, uma da Previdência, outra da legislação trabalhista; 2) os técnicos da Fazenda estão quebrando a cabeça para conciliar os planos de alívio tributário e de redução dos encargos da conta de eletricidade com os estreitos limites do orçamento federal. A exposição do assunto enriquece a discussão sobre as políticas de combate à crise e de fortalecimento da produção nacional.

Um dia depois, a Folha de S.Paulo saiu com uma história menos animadora: o governo poderá abandonar a ideia de uma desoneração mais ampla da folha de salários – até agora concedida a alguns setores – e concentrar-se num esforço para aumentar o investimento federal. A matéria mencionou as dificuldades da equipe econômica para concretizar as medidas de alívio fiscal prometidas nos últimos meses pela presidente e por seus auxiliares. Mas a troca é muito menos simples do que pode parecer, por causa das conhecidas dificuldades do governo para projetar e executar obras. Os jornais têm mostrado essas dificuldades em reportagens frequentes.

Outro exemplo de pergunta relevante e fora dos padrões habituais das pautas: o Brasil está preparado para escoar uma boa safra e aproveitar as oportunidades comerciais criadas pela quebra da produção americana?

Jornais e tevês têm noticiado as perdas causadas pela seca nos Estados Unidos e os efeitos nos preços internacionais. Têm apontado, também, as perspectivas de ganhos extras para quem tiver produtos para abastecer o mercado. Mas o aproveitamento dessa oportunidade, no Brasil, envolve problemas complicados. O Estadão explorou o assunto com uma bela reportagem da Agência Estado sobreo risco de um apagão logístico, por falta de transportes internos, deficiências dos portos e escassez de espaço nos armazéns.

Informação e análise

Matérias desse tipo saem do padrão rotineiro, são muito mais interessantes que a maior parte da cobertura e ajudam o leitor a formar uma ideia mais clara de como funciona o país.

Tem havido muito debate sobre o futuro do jornal de papel e sobre a sua função num ambiente dominado pelos meios de comunicação eletrônicos. Não há resposta simples para as questões envolvidas nesse debate. Mas a produção de matérias fora da mera pauta noticiosa do dia a dia é com certeza parte dessa resposta.

Apenas com uma ressalva: matérias como aquelas citadas como exemplos também são noticiosas, mas de uma forma diferente e mais rica.

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[Rolf Kuntz é jornalista]