Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A lei, a mídia e o caso Suzane

Na Folha de S.Paulo, 9. No Estado de S.Paulo, 7. Tantas assim foram as entrevistas pingue-pongue publicadas domingo (4/7) nestes jornais. O Globo se limitou a duas. A contagem não inclui matérias baseadas exclusivamente numa só fonte, o que é uma forma de entrevista.


Este leitor já ouviu um colega maldoso dizer que entrevista é jornalismo preguiçoso: em vez de sair atrás de fatos, o repórter vai à caça de palavras de quem não vê a hora de dá-las (o que não é sinônimo de ter o que dizer, mas essa é outra história).


A entrevista pingue-pongue, quando não cansa, desce bem no leitor menos exigente, embora lida não tenha o mesmo sabor de quando ouvida, ou, melhor ainda, ouvida e vista.


Da rodada dominical, além da entrevista com Tasso Jereissati, citada na nota ‘Papéis trocados: revistas apuram, jornais pensam’, chamaram a atenção duas, uma breve, outra extensa, ambas sobre um assunto que mexeu com as pessoas – a libertação, com base em um habeas-corpus, da estudante Suzane Louise von Richthofen, que confessou haver planejado a execução de seus pais, em 2002, a golpes de barra de ferro.


O pingue-pongue mais rápido (8 perguntas e respostas), com o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, saiu na Folha. O mais demorado (14 raquetadas), com o ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, saiu no Estado.


Os dois entrevistados têm absoluta convicção de que a soltura de Suzane foi acertada: o caso deveria ter sido julgado em 6 meses, ela estava presa há 3 anos e não há data prevista para o seu júri.


‘Não dá para manter o sujeito preso sem uma sentença condenatória, por maiores que sejam os indícios, até mesmo com a confissão’, argumentou Marco Aurélio.


‘Não é a gravidade do crime por si só que justifica a prisão preventiva, que é uma prisão sem juízo de mérito e sem processo’, argumentou Reale Júnior.


‘Quando veio a notícia’, contou o ministro ao repórter Fábio Takahashi, ‘a minha mulher, que foi presidente do Tribunal do Júri, disse: ‘Como? Ainda não julgaram?’’


‘Houve desrespeito [às regras processuais] porque se excedeu o prazo [da prisão preventiva]’, atestou Reale ao repórter Ivan Finotti. ‘A população não pode confundir essa liberdade com absolvição.’


Desinformação e sensacionalismo


É a partir daí que este pingue-pongue ganha do outro. Pois entrevistador e entrevistado encaram dois grandes problemas correlatos do caso.


Um, nas palavras do ex-ministro, é como explicar essa soltura para uma pessoa da população que não tem formação jurídica? ‘Como passar a importância do respeito pelos princípios jurídicos’, ele se pergunta, para admitir que não tem a solução.


O segundo – e evidentemente maior – problema é o papel da imprensa em circunstâncias como essa. A mídia de massa soltou os cachorros contra o direito concedido à ré confessa de mandar matar pai e mãe de esperar o julgamento em liberdade.


O rádio e a TV açularam as emoções do público. Passaram a idéia de que rico fica impune, pobre paga em dobro. Claro que os pés-de-chinelo quase não têm acesso a advogados que os tirem da cadeia pelos motivos que o patrono da moça de classe média alta invocou. Mas isso não suprime os direitos dela.


Os comunicadores preferidos pelo povão, se não sabem disso, deviam ter ouvido aqueles que poderiam esclarecê-los, para dar a informação correta em alto e bom som – e conduzir a notícia para o que interessa: a lentidão inaceitável da Justiça no Brasil. Mas aí não daria para fazer sensacionalismo raso, não é mesmo?


Reale Júnior chamou a atenção, apropriadamente, para o comportamento irresponsável da apresentadora Hebe Camargo, que de direito (como de tantas outras coisas) pouco ou nada entende, mas – para sair bem na foto – desceu a lenha numa decisão legal e legítima.


E o repórter que entrevistou o jurista terminou chamando a atenção, dele e do leitor, para o outro lado da moeda: os criminosos confessos como Suzane – ele citou o caso do jornalista Antonio Pimenta Neves, que permanece em liberdade – à espera de julgamentos que parecem marcados para o Dia de São Nunca.


Pimenta matou a jornalista Sandra Gomide há cinco anos. É tão absurdo ele ainda não ter sido sentenciado como Suzane Richthofen ter ficado presa 3 anos esperando a data do seu júri.


[Texto fechado às 17h27 de 4/7]