Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A máquina de moer carne

O tema é futebol. Mais precisamente, a máquina de moer carne em que se transformou o negócio do futebol no Brasil, com a alegre participação da imprensa.


Observe o leitor que, desde a volta do atacante Ronaldo aos campos, vestindo a camisa do Corinthians, a imprensa não falava de outra coisa. Celebrava-se, a cada movimento do jogador, sua enorme capacidade de superar dificuldades físicas, de se recuperar dos ferimentos de guerra que a profissão lhe impôs. Mas havia, por trás de todo o noticiário, a sensação de que a imprensa foi mais ou menos conduzida por interesses do chamado marketing do esporte.


Há dez dias, a imprensa futebolística ‘descobriu’ o menino Neymar, de 17 anos, que despontou nos campos da Baixada Santista e foi rapidamente transformado em nova promessa de gênio.


O menino tem talento, possui um corpo ainda leve de músculos e demonstra ter a inteligência para decisões rápidas, o que lhe confere atributos para brilhar entre os defensores fortes, mas lentos do futebol atual. Bastaram duas ou três partidas, porém, para que a imprensa, mais uma vez empurrada por interesses de empresários, o colocasse no pedestal dos heróis da nacionalidade. Sem ter ainda enfrentado um time dos chamados ‘grandes’, o menino Neymar já era comparado a Pelé.


Na trave


No domingo (22/3), o menino enfrentou um grande desafio. Tinha no outro lado do campo o Corinthians de Ronaldo. Como era de se esperar, se os jornais considerassem a natureza humana, o menino encolheu. Tentou uma ou duas jogadas, encontrou um sistema defensivo que o isolava, e se intimidou. Visto do alto da arquibancada, parecia frágil, inseguro e perdido dentro de uma camisa grande demais para ele. Neymar sabia que a tribuna da imprensa do Estádio do Pacaembu estava lotada de jornalistas estrangeiros que vieram conferir o seu valor.


De vez em quando, a imprensa se preocupa com a excessiva influência dos empresários esportivos na composição dos times de futebol. Eventualmente, uma ou outra reportagem tenta penetrar no universo mafioso que domina o esporte, mas nada parece capaz de furar a couraça desse poder. Sabe-se até mesmo de casos de abuso sexual contra meninos nas concentrações de alguns clubes. Mas basta aparecer um candidato a novo Pelé que o assunto fica esquecido.


Diante das imoralidades do futebol brasileiro, a imprensa se comporta como o atacante que só chuta na trave.