Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

A prisão do dono do ‘Novo Jornal’

No dia 17 deste janeiro, uma sexta-feira, a juíza substituta da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Maria Isabel Fleck, decretou a prisão preventiva do proprietário do Novo Jornal, Marco Aurélio Flores Carone, em atendimento a pedido do Ministério Público. Em nenhum momento, nas 11 páginas da sentença, cogitou a juíza da questão do direito à liberdade de expressão. Ela teve o cuidado de sublinhar, em negrito, que o mandado de prisão deveria ser remetido “com urgência” ao setor policial encarregado de seu cumprimento. E assim se fez, com uma rapidez pouco característica. Na segunda-feira (20/1), ao chegar à sede do seu jornal virtual, Carone foi preso. Quando há empenho, justiça e polícia podem ser muito eficientes.

A denúncia foi apresentada no dia 12 de novembro de2013 pela Promotoria de Combate ao Crime Organizado e Investigações Criminais. Na edição de 13/12/2013, a revista IstoÉ publicou reportagem a respeito. Nos dias seguintes, diários mineiros deram a notícia. A prisão de Carone foi noticiada com destaque pelos jornais, rádios e televisões. Tal qual a juíza Maria Isabel Fleck, nenhum veículo se preocupou, nesse caso, com a questão da liberdade de imprensa.

Apesar de ter sido dono de diários impressos no passado, antes de fundar o jornal virtual, Marco Aurélio nunca teve acesso ao limitado clube dos donos de jornais mineiros. Ele vem de uma família de políticos. Um avô, Jorge Carone, foi prefeito da cidade mineira de Visconde do Rio Branco. O pai, Jorge Carone Filho, elegeu-se prefeito de Belo Horizonte em 1962, mas foi cassado em janeiro de 1965. Lançou então a candidatura da mulher, Nísia, para deputada federal, pelo então MDB. Eleita, foi cassada pelo AI-5, em 1969. Um irmão do dono do Novo Jornal foi deputado estadual, outro vereador da capital, pelo PMDB.

Achincalhando e ofendendo

A prisão de Marco Aurélio não mereceu dos colegas empresários na imprensa qualquer movimento de solidariedade. O Novo Jornal não a noticiou. Apesar de algumas notícias de que ele seria fechado, jornal continuava na web na quinta-feira (23/1), quando este artigo foi redigido. Com uma discreta tarja, em letras vermelhas e fundo negro: “Estamos censurados”. E sem noticiar em nenhum momento a prisão do dono.

Não se sabe quantos jornalistas Marco Aurélio emprega, mas não seriam muitos. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais divulgou na terça-feira (21), em seu site, nota de repúdio à ameaça que pesa sobre os que trabalham no único jornal mineiro, virtual ou não, que faz oposição aberta ao governo estadual – um grande anunciante que não anuncia no Novo Jornal. Diz a nota que “tanto a prisão quanto a ordem de retirar do ar o site configuram ataques ao direito e à liberdade de expressão” e que o Sindicato “vem a público reafirmar sua posição intransigente na defesa da Democracia, da Justiça e das Liberdades Civis e Individuais”.

Só há um equívoco nessa manifestação: na sentença da juíza, não existe ordem de retirar o site do ar, embora tenha sido pedido pelo Ministério Público. Nisso, ela preferiu se omitir.

Na opinião do Ministério Público, que desde 2008 tenta fechar a publicação (ver remissões abaixo), não se trata propriamente de um jornal, mas de um balcão de negócios cujo dono deve ser preso. E foi o que a juíza substituta decretou, “tendo em vista a necessidade de garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para garantia da ordem econômica”. Afirma Maria Isabel Fleck, em sua decisão: “Ao verificar o site do ‘novojornal’, fica patente que o mesmo é utilizado para lançar ofensas à honra de autoridades públicas, achincalhando e ofendendo a todos que se posicionam contra os interesses do grupo, imputando verdades àqueles que cumprem seus deveres funcionais.” Entre os quais, diz a juíza, desembargadores, juízes de Direito, membros do Ministério Público e delegados de polícia.

Quem manda

Para respaldar sua decisão, a juíza relaciona 16 ações penais contra Marco Aurélio, nenhuma julgada em última instância. A maioria por calúnia, injúria ou difamação contra autoridades, nenhuma delas tidas como adversárias do senador Aécio Neves. Mas há dois acórdãos do Tribunal de Justiça para impedir “a veiculação de notícias pelo ‘novojornal’ em relação ao deputado federal Alexandre Silveira de Oliveira” e ao desembargador mineiro José do Carmo Veiga. Nenhuma relação, por suposto, com a proibição judicial de notícias sobre um empresário maranhense ligado à política que ainda vigora para o Estado de S.Paulo e que tanta indignação suscitou, nos últimos anos, na grande imprensa.

Se está havendo censura judicial ao Novo Jornal, a imprensa mineira não percebeu. Ao contrário do bloco parlamentar Minas Sem Censura, que reúne deputados estaduais do PT, PMDB e PRB, partidos de oposição ao governo estadual. Um de seus integrantes, o deputado petista Rogério Correia, raciocina: “Ora, se você estabelece a prisão preventiva para evitar a publicação de material jornalístico, está oficializada a censura prévia”. E acrescenta:

“Quando do surgimento da Lista de Furnas, encaminhei o relatório à Polícia Federal e, por isso, o vice-presidente nacional do PSDB tentou a cassação do meu mandato. É a mesma situação. A censura tem agentes no Ministério Público e no Judiciário, mas, quando é com a imprensa, quem organiza a perseguição é a própria irmã do senador, Andréa Neves.”

Extorsão de políticos e empresários

Blogs contrários à candidatura de Aécio Neves à presidência da República aproveitam esse movimento do Ministério Público e do Judiciário mineiro para criticar o senador, apontado como o mais forte concorrente de Dilma Rousseff nas eleições de outubro. Mas há blogs que divulgam a notícia da prisão sem tecer comentários, sobretudo em Minas, ou que até mesmo aplaudem.

Se alguns imaginaram que a prisão do dono do Novo Jornal iria intimidar os blogueiros mineiros, eles devem estar felizes. É possível que os jornalistas mineiros permaneçam abaixados em suas trincheiras, intimidados por alguns juízes atentos à defesa das autoridades contra ataques oposicionistas. A menos que o réu Marco Aurélio Fores Carone, vulgo “Marco Florzinha” – como se lê na sentença da juíza Maria Isabel Fleck e na peça acusatória do Ministério Público, mesmo que poucos o conheçam por esse apelido – consiga provar que não faz parte de uma organização criminosa dedicada a extorquir dinheiro de políticos e empresários. E que seu jornal, como todos os outros, encontra amplo amparo na Constituição de 1988, que formalizou o fim da ditadura no Brasil.

Leia também

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Jornalismo ou achaque? – José Luiz Ferreira Fernandes [26/08/2008]

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José de Souza Castro é jornalista (Belo Horizonte, MG)