Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Comunique-se

ELEIÇÕES 2006
Tiago Cordeiro

Cobertura das eleições em pauta, 23/10/06

‘O jornalista Paulo Henrique Amorim publicou em seu blog um texto contestando a afirmação de Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da TV Globo. Kamel afirma que a cobertura do escândalo do dossiê tornou-se prioritária porque a emissora não teria como confirmar as informações da queda do avião Boeing da Gol que caiu no mesmo dia e dominou o noticiário nacional. Em conversa com o editor-chefe do Jornal da Band, Ricardo Boechat, Amorim revelou que a Band conseguiu informar sobre o acidente, mesmo terminando quinze minutos antes do Jornal Nacional.

‘Graças aos seus profissionais, a Band, com razoável antecipação, conseguiu antes inclusive de veículos da internet, confirmar várias informações como a quantidade de passageiros a bordo, a altitude irregular, enfim todas essas informações que balizaram a cobertura do acidente’, declarou Boechat ao Comunique-se. Além disso, o primeiro boletim da Band sobre o acidente teria ocorrido durante o principal telejornal da Globo.

‘O Jornal da Band, deu em sua última nota, às 20h14: ‘Um avião da Gol caiu numa fazenda em Mato Grosso’. E acrescentou que novas informações seriam dadas no decorrer da programação. Diferentemente do que está no seu site, o Jornal da Band não leu a nota antes de o JN começar, mas quando ele já estava no ar havia 14 minutos. O JN começou naquele dia às 20:00h. A raiz da confusão pode ser o horário do JN fora de período eleitorais: 20h15’, afirma Kamel. Amorim contesta informando que o horário eleitoral teria acabado um dia antes.

O diretor-executivo de jornalismo da emissora insiste em afirmar que a Globo não informou sobre o acidente por não ter como confirmar o número do vôo e da rota. Porém segundo Boechat, ‘às 20h49 o Jornal da Band deu um primeiro boletim extraordinário em que informou que o Avião da Gol com 150 pessoas à bordo estava desaparecido havia mais de três horas e o último contato foi na Serra cachimbo’. Anteriormente, segundo o próprio editor-chefe, às 20h29, o jornal informava que ‘um avião da Gol caiu numa fazenda no Mato Grosso’.

Veículos enfrentam críticas na web

A polêmica não passou despercebida por outros jornalistas. Na matéria da Carta Capital desta semana que acusa novamente a TV Globo de tentar manipular o resultado das eleições, a internet é descrita como o último ambiente livre. Verdade ou não, foi na web que os veículos envolvidos na negociação com o delegado Edmílson Pereira Bruno foram mais criticados. O blogueiro Luis Nassif afirmou que as fotos não atingiram nenhum dos lados envolvidos. ‘Os atingidos pela cobertura não foram Lula, nem os ‘aloprados’, nem mesmo o primeiro turno das eleições: foi o exercício do jornalismo, pelas mãos de algumas pessoas que, pelo cargo que ocupam, deveriam ser os maiores guardiões desses princípios’.

Opinião semelhante foi a de Luiz Weis, colunista do Observatório da Imprensa. Ele afirmou que a mídia acertou em todos os momentos, exceto ao compactuar com a mentira do delegado. ‘A mídia se acumpliciou com um trapaça’.

A crítica mais firme, entretanto, partiu de um profissional de um dos veículos envolvidos. Em sua crítica, Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, lamentou que o jornal não afirmasse simplesmente que coletara as fotos com uma fonte que não poderia aparecer, ao invés de participar da mentira. Incisivo, o jornalista não critica apenas o jornal, mas toda a mídia que teria sido conivente em uma grande farsa.

‘A imprensa deixou claro nesta eleição que, apesar do amadurecimento experimentado nas últimas duas décadas, continua preferindo uma fofoca, um bate-boca, um jogo de cena, uma pesquisa, uma pauta subordinada aos caprichos dos marqueteiros, ao trabalho estafante de pensar, refletir, analisar e investigar. Nesse sentido, ela sem dúvida também contribuiu para o clima deteriorado neste fim de campanha eleitoral.’’

Comunique-se

Geraldo Alckmin, Roda Viva e a cobertura da imprensa, 23/10/06

‘Na tarde do domingo (22/10), a TV Cultura começou a receber os jornalistas que realizariam a cobertura da participação de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) no programa Roda Viva, apresentado por Paulo Markun. Na recepção, uma TV exibia as últimas voltas do Grande Prêmio Brasil de Fórmula I e os profissionais presentes acompanhavam atentos, torcendo por Schumacher e reconhecendo que ‘se o Alckmin chegar agora, ninguém pega uma imagem’. Cerca de 30 repórteres, cinegrafistas e técnicos estavam ali.

Às 16h, horário marcado para começar a gravação e logo após o final da corrida, todas as câmeras se dirigiram para o portão por onde entraria o candidato. Políticos do PSDB circulavam pelos jardins da Cultura e uma câmera estava em posição para filmar a entrada de Alckmin para seu horário eleitoral. Os repórteres foram convidados a se dirigir para a sala de imprensa, de onde acompanhariam a realização da entrevista.

Talvez ‘entrevista’ não seja um bom termo para definir o Roda Viva, melhor lhe serviria ‘sabatina’. Com o entrevistado ao centro, um primeiro círculo de jornalistas lhe dirige todas as perguntas. Além de Markun, Tereza Cruvinel de O Globo; Alexandre Machado, da TV Cultura; Lourival Sant’Anna, do O Estado de S.Paulo; Cristiano Romero, do Valor Econômico; Denise Rothenburg, do Correio Braziliense e Kennedy Alencar, da Folha de S. Paulo, dirigiram perguntas ao candidato. Um círculo mais externo abrigou convidados de Alckmin, que não podiam se manifestar durante o programa.

Os entrevistadores fizeram seu papel de forma satisfatória e nenhum teve uma performance espetacular. Lourival Sant´Anna talvez tenha sido o mais incisivo, colocando Alckmin mais de uma vez contra a parede, sobretudo quanto à questão da segurança pública. Após cerca de uma hora de gravação, a entrevista terminou. Sete câmeras, algumas máquinas fotográficas, outro tanto igual de gravadores e dezenas de bloquinhos e canetas esperavam a saída de Alckmin para uma rápida coletiva.

O ex-governador de São Paulo conversou por cerca de dez minutos com os jornalistas. Novamente, nada que ainda não havia sido dito. A primeira pergunta dirigida a ele não foi uma pergunta, mas sim uma colocação. Em busca de uma aspas, um repórter apenas repetiu uma declaração que Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) havia feito ao longo da semana, possibilitando ao entrevistado se colocar e criticar livremente seu adversário, o que de fato o fez. Cinco perguntas depois, Alckmin se despediu e o circo midiático foi desfeito.

Enquanto isso, na sala de imprensa

Ao total, aproximadamente 40 profissionais de mídia circularam pela sala de imprensa da Cultura durante a gravação do programa. Repórteres de rádio, impressos, TV, Internet, cinegrafistas e técnicos diversos comeram os salgados e sanduíches e tomaram suco e refrigerante enquanto acompanhavam o Roda Viva numa sala de imprensa que continha também computadores a disposição dos profissionais e quadros exaltando a emissora da Fundação Padre Anchieta.

Antes do programa, Alckmin entrou ali, cumprimentou alguns presentes, fez sua parada na mesa do buffet e posou para as câmeras. Não ficou muito tempo e na saída ainda chegou a fazer uma piada com um grupo de repórteres, que responderam com risadas e sorrisos amarelos ao gracejo do candidato. Retirou-se e foi para o estúdio. Alguns minutos depois, sua imagem surgiu na televisão ali presente e, após algumas passagens de som, o programa começou.

Repórteres de O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Agência Estado utilizaram os computadores disponíveis para transcrever as falas de Alckmin e adiantar assim seu trabalho futuro de redação. Com um prazo ‘apertado, mas não impossível’, Ana Paula Scinocca, repórter do Estado ia dividindo as falas do candidato nos tópicos que usaria em sua matéria. Como já tinha estrutura de seu texto definida, ia realizando parte do trabalho durante a gravação. Escreveu visando o 1º fechamento de seu veículo, que seria às 20h30 e produziria uma edição destinada a outras praças que não a capital de São Paulo e o Distrito Federal.

As emissoras de televisão presentes apenas acompanhavam a trajetória do candidato para compor a agenda de Alckmin daquele dia, em que já havia passado a manhã em compromissos políticos no Rio de Janeiro. Se aqueles repórteres conseguissem gravar uma frase de efeito do candidato, melhor, senão, sem problemas.

Aliás, frases de efeito era o que todos buscavam. Sempre que o entrevistado começava uma frase com potencial perceptível, uma onda de atividade podia ser identificada na sala. Redigindo em um teclado ou em um bloco de papel, todos escreviam rapidamente para não perder alguma palavra de uma possível e preciosas aspas para suas matérias. Difícil fazer uma matéria sobre uma entrevista de um político sem fugir do declaratório.

Uma exceção à essa regra é o repórter especial de O Globo Chico Otávio, que irá acompanhar Alckmin até o dia da votação e escrever uma matéria de duas páginas para a edição dominical de seu jornal sobre o dia-a-dia do candidato na semana anterior ao pleito. Questionado sobre como lida com suas posições políticas ao escrever uma pauta fria e extensa como essa, Otávio declarou que ‘não sou movido por paixões políticas, posso garantir. Minha paixão é a reportagem’. José Casado, do mesmo jornal, vai fazer o acompanhamento da semana de Lula.

Salvo Chico Otávio e os repórteres de TV, o objetivo da maioria dos jornalistas ali presentes era realizar um resumo de tudo que Alckmin havia dito e que por ventura valesse a pena o registro. Repórteres de rádio e Internet atuavam ainda com a possibilidade do tempo real em mente. Claúdia Pires, da Reuters, e Tereza Navarro, da Agência Estado, enviaram material para suas redações antes mesmo do debate terminar.

Por sua vez, Chico Prado, da Rádio Bandeirantes, e Douglas Ritter, da CBN, não julgaram necessária uma intervenção ao vivo, em decorrência da falta de ineditismo no discurso de Alckmin. O repórter da CBN afirmou ele realizaria uma matéria ainda naquele dia e que seu editor seria o responsável por fazer um resumo do programa, quando este fosse ao ar. Com a audiência rotativa do rádio, a inserção de Ritter sobre o Roda Viva ainda seria repetida em diversos programas da emissora, uma vez que quem escuta rádio domingo à noite não é a mesma pessoa que o faz na segunda pela manhã.

Escaldados, os jornalistas ali presentes são alguns dos responsáveis por cobrir política nacional de muitos dos mais importantes veículos do país. Nesta reta final da campanha, são capazes até de completar algumas frases de efeito repetidas pelos candidatos. ‘Não podemos perder…’ começa Alckmin ‘…a capacidade de nos indignarmos’, completam alguns repórteres antes mesmo do político. O difícil mesmo é fazer um trabalho que se destaque dos demais, em meio a tanto marketing político, ataques pessoais e declarações repetidas.

Em virtude de um debate entre Lula e Alckmin marcado para esta segunda-feira 23/10 na Record, no horário padrão do Roda Viva, o programa foi exibido excepcionalmente na noite do domingo 22/10.’

Eleno Mendonça

Debates previsíveis para números imprevisíveis, 23/10/06

‘Esqueça tudo o que você aprendeu sobre economia ao longo da vida. Os números podem sim demonstrar qualquer coisa, até que a economia a 2% é um bom indicativo. Quem está acompanhando com atenção os debates e as entrevistas dos candidatos nessa reta final já deve ter percebido que os números permitem inúmeras interpretações de como anda a economia. Afinal de contas, o que é muito ou o que é pouco? Em meio às argumentações, emprego formal vira informal, os dois se somam e no final tudo parece grande ou pequeno, tudo depende apenas do interlocutor.

Para piorar a cena, vem o economês que permite todo tipo de explicação. Quando Yoshiaki Nakano falou de cortar gastos públicos e pregou algum tipo de controle sobre a entrada de capitais voláteis, aqueles que entram e saem das bolsas, deu munição para mais de metro para a situação. A discussão sobre privatização acontece no mesmo tom. É tanto verdade que o PSDB vendeu à beça e o dinheiro evaporou quanto é verdade que muitos setores, como a telefonia, se ainda fosse estatal teríamos um telefone custando uns R$ 15 mil.

Por isso, escolher um candidato a partir das bravatas ditas nesses memoráveis encontros é tarefa praticamente impossível. Aliás, o que está chato esse debate é uma brincadeira. Depois então de todo mundo concordar que bater não é a melhor política, que o povo prefere o polido discurso das comparações e das propostas, a coisa piorou. Os encontros, que poderiam suscitar alguma adrenalina, algum xingamento de parte a parte perderam esse poder de surpreender.

Não sei se essa política define ou não quem vai ganhar, se essa prática de ser educado e sorridente convence ou não. Mas tenho pra mim que é bem mais interessante um debate que aflora um pouco das coisas do fígado. O racionalismo dos números, como já disse, permitem bates e rebates a favor e contra qualquer coisa. Seria pelo menos mais divertido. Do contrário, as pessoas assistem ao primeiro bloco, insistem no segundo e mudam de canal no terceiro, tamanha a previsibilidade das idéias.

(*) Também assina uma coluna no site MegaBrasil, é diretor de Comunicação da DPZ e âncora da Rádio Bandnews. Ele passou pelo Estado de S. Paulo, onde ocupou cargos como o de chefe de Reportagem e editor da Economia, secretário de Redação, editor-executivo e editor-chefe, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil.’

Milton Coelho da Graça

‘Chega de roubo. Ditadura já’, 18/10/06

‘É isso mesmo, companheiros. É isso que está escrito em letras corpo 250 (uns 9cm de altura) no pára-brisa traseiro do carro, velho e conduzindo dois homens aparentemente humildes, chapa LAC-6806. E me deu um baita susto nesta manhã de quarta-feira (18/10), na cidade do Rio de Janeiro.

Os profissionais de comunicação têm a responsabilidade de jogar água na fervura crescente de um duelo idiota de acusações mútuas entre os principais responsáveis pelas duas candidaturas presidenciais, que já vai provocando manifestações antidemocráticas desse (e de outros) tipos. Na marola, surge a eterna culpa da mídia, invocada desde a abdicação de D. Pedro I por todos que se sentem enfraquecidos no debate.

Elio Gaspari, com a blindagem obtida em 40 anos de isenção profissional inatacável e também pelo artigo de domingo (0810) em que pedira desculpas públicas a Freud Godoy (vide link), do dossiê, critica o ministro Márcio Thomaz Bastos como incendiário de plantão (a qualificação jornalística é minha, não do Elio) ao falar em ‘clima de Galeão’. E lembra – aos esquecidos e aos que ainda não liam jornais em 1954 – que esse ‘clima’ foi causado pelo destempero de governo e oposição mas, também e principalmente, porque o comando da polícia civil (na época não havia PF) fez corpo mole na investigação do assassinato do major Rubem Vaz.

A matéria de Márcio Aith, Policarpo Jr. e Camila Pereira, publicada pela edição de VEJA ainda nas bancas, cumpre estritamente o dever do jornalismo: correr atrás da verdade. Os repórteres afirmam ter ouvido todos os lados envolvidos na revelação de que Freud Godoy teria visitado ilegalmente Gedimar Passos, que estava sob custódia da Polícia Federal. E essa revelação teria sido feita por fontes da própria PF, necessariamente não identificadas por razões óbvias.

Se os repórteres mentiram, o ministro não tem de recordar o ‘clima de Galeão’, mas, sim, incentivar a polícia – sob seu comando direto e responsabilidade – a verificar, através das imagens de câmeras e outros instrumentos de investigação, e, se for o caso, convocar a imprensa e dizer: ‘Eis a verdade, VEJA mentiu’.

O presidente Lula muito provavelmente será reeleito e não é de seu interesse estimular qualquer recordação da ‘república do Galeão’ – recriada 20 anos depois pela ditadura militar – para assassinar Stuart e Sônia Angel, entre muitos outros patriotas. Entre as muitas atribuições presidenciais, a defesa da democracia, a preservação da Justiça e o cumprimento da Lei são as mais essenciais.

Nunca antes em nossa História – para usar uma expressão tão do agrado de Lula – o Brasil elegeu pelo menos 22 governadores (inclusive quatro do PT), de partidos e idéias diferentes, mas com biografias de honestidade e competência. Certamente também não estarão interessados em começar seu trabalho pisando em um lamaçal de dúvidas institucionais.

O trecho-chave da matéria de VEJA é este: ‘Segundo um relato rescrito por três delegados da Polícia Federal e encaminhado a VEJA, Espinoza’ (a quem Ricardo Kotscho, ex-secretário de Imprensa da Presidência até 2004, se refere como o ‘faz-tudo de Lula’ em seu livro Do Golpe ao Planalto – Uma Vida de Repórter) e Freud, acompanhados de dois homens não identificados, fizeram uma visita a Gedimar na noite de 18 de setembro, quando ele ainda estava preso na carceragem da PF em São Paulo. A visita ocorreu fora do horário regular e sem um memorando interno e autorizando. Um encontro com um preso nessas condições é ilegal. (…) De acordo com o relato dos policiais, o encontro foi facilitado por Severino Alexandre, diretor executivo da PF paulista. (…) Severino teria acomodado os petistas em seu gabinete e determinado a Jorge Luiz Herculano, chefe do núcleo de custódia da PF, que retirasse Gedimar de sua Cela. Herculano resistiu, pretextando corretamente que o preso estava sob sua guarda e que não havia um memorando de retirada.’

Ministro, não deve ser difícil descobrir se o trio de jornalistas está mentindo ou não. E quanto mais o sr. demorar a descobrir, mais o sr. estará insuflando um novo ‘clima de Galeão’ e a multiplicação de carros com o mesmo slogan do LAC-6806 no Rio. Minha pergunta nada tem a ver com aquele dinheirão: os jornalistas mentiram?

(*) Milton Coelho da Graça, 75, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.’



INTERNET
Bruno Rodrigues

‘Second life’, seu próximo local de trabalho, 19/10/06

‘Estamos vivendo um momento que, muitos acreditavam, não se repetiria. Afinal, os áureos tempos da web pré-’estouro da bolha’ não voltariam mais. Ledo engano. O Google mostrou ao mundo que ainda há muito que explorar – e ganhar dinheiro – com a internet.

Porém, vários casos de sucesso deste novo momento ainda não resultaram em dinheiro, quanto menos em lucro. Ao contrário do Google, que encontrou na publicidade segmentada o seu modelo de negócio, o YouTube ainda vive seus momentos de glória de supervalorização, mas de horzonte incerto pela falta de rumo.

Por isso, quando o Google adquiriu o YouTube, há poucos dias, não apenas seus donos comemoraram, mas também uma comunidade inteira que torce pelo novo momento da web respirou aliviada, ao ver que o site de vídeos agora faz parte de uma marca que já encontrou o caminho das pedras do dinheiro, e que irá procurar uma fórmula, também, para o novo membro da ‘família’.

O mercado, ainda bem, aprende com os erros, e por isso o sucesso do momento nesta ‘nova era web’, o site Second Life, já abriu as portas com um plano traçado, rumo ao lucro.

Para entender o Second Life, é preciso resgatar na memória uma época em que os primeiros teóricos da comunicação online sinalizavam que a relação constante entre as pessoas seria feita, dentre em pouco, através de avatares, representações virtuais de cada um de nós.

O palco deste ‘novo relacionamento’ seriam as ‘comunidades virtuais’. Estas, de fato, surgiram logo depois, mas também naufragaram muito rápido, já que era muito cedo para que os usuários da nova mídia entendessem e abraçassem a idéia…

Mas agora é diferente. Com comunidades online comuns, como o Orkut, o MySpace e o Facebook para sedimentar entre os internautas a idéia de como se relacionar e se divertir socialmente nestes ambientes, foi um pulo para que as comunidades virtuais retornassem, agora com nova roupagem e nome novo, virtual-world game.

Como diz o nome, um virtual-world game é um cidade, um país ou até mesmo um planeta em que os usuários, via avatar, fazem de tudo: passeiam, conversam e até fazem sexo.

Esta é a grande diferença das primeiras comunidades virtuais e as de hoje: enquanto as pioneiras – e até mesmo algumas de nova geração – focam seus esforços nos adolescentes, ‘mundos virtuais’ como o Second Life, partiram com tudo para conquistar os adultos.

O Second Life tem moeda própria, o Linem dollar, que não é de brincadeira. Gasta-se para adquirir novas roupas para os avatares, jogar e comprar terrenos, só para dar alguns exemplos. Há muito, muito mais o que fazer no Second Life – inclusive ganhar dinheiro, como a empresa que o criou, a Linden Lab.

Só este mês, o Second Life prevê a chegada de cerca de 200.000 novos ‘moradores’ ao mundo virtual. Eles vão se juntar aos mais de 1 milhão que já se acostumaram a vida ‘do outro lado do espelho’, e que já chegaram a gastar, no total, $ 400.000 em um só dia simplesmente vivendo na ‘cidade’.

Não demorou muito para que as grandes marcas começassem a se interessar por algo antes visto como ‘bobagem’ – Toyota, Sun e Adidas já anunciam pesado em outdoors virtuais do Second Life, só para citar uma das formas de promover produtos neste ambiente. Os investimentos de publicidade em virtual-world games como o Second Life devem chegar a 1 bilhão de dólares – americanos, não linden dollars 😉 – em 2010, segundo o Yankee Group.

E que tal trabalhar imerso em um destes ambientes? Isso mesmo: acordar, tomar café, ligar o computador e caminhar, literalmente (ou virtualmente) rumo à redação?

Para alguns empregados de empresas jornalísticas como a Wired, que esta semana inaugurou sua sede no Second Life com direito a auditório para 50 pessoas (sentadas, há lugares de pé), este cenário é a pura realidade.

A CNET saiu antes: no final de setembro inaugurou um prédio de cinco andares, todinho de vidro e tijolos virtuais, réplica da sede da empresa no mundo real. Acha pouco? Pois a gigante Reuters afastou qualquer dúvida de que os virtual-world games vieram para ficar: seu quartel-general fica em uma bela ilha, só dela. A BBC também está pertinho, em um prédio construído pela Rivers Run Red, vista como a empresa de design e engenharia do momento no Second Life…

O que os moradores podem fazer nas sedes virtuais da Wired, CNET, Reuters e BBC? Assistir a palestras e seminários, por exemplo. E nem é preciso dizer, as coletivas de imprensa são feitas nestes auditórios. O da CNET, que promove eventos todo mês, é maior que o da Wired: tem 60 lugares (sentados).

E você, já se imaginou trabalhando em um lugar assim?

(*) É autor do primeiro livro em português e terceiro no mundo sobre conteúdo online, ‘Webwriting – Pensando o texto para mídia digital’. Ministra treinamentos e presta consultoria em Webwriting e Arquitetura da Informação no Brasil e no exterior. Em seis anos, seus cursos formaram 1.200 alunos. Desde 1997, é coordenador da equipe de informação do website Petrobras, um dos maiores da internet brasileira, com 4.000 páginas em português e versões em inglês e espanhol e é citado no verbete ‘Webwriting’ do ‘Dicionário de Comunicação’ (Editora Objetiva, 2001), há três décadas uma das principais referências na área de Comunicação Social no Brasil.’



JORNALISMO ESPORTIVO
Marcelo Russio

A culpa é da imprensa, 18/10/06

‘Olá, amigos. No último domingo o técnico Emerson Leão deu uma amostra do quanto se culpa a imprensa por problemas alheios a esta, principalmente quando se trata de esporte. Após a derrota do Corinthians para o Flamengo por 3 a 0, o treinador, em entrevista coletiva, ao ser perguntado pelo repórter Luis Carlos Quartarolo, da Rádio Jovem Pan, ‘se achava que algum jogador estaria de sacanagem em campo’, o treinador respondeu o seguinte:

– Eu vou falar para eles no vestiário que você, Luis Carlos Quartarolo, da Jovem Pan, disse que eles estão de sacanagem. Aí, depois, eu chamo você ao vestiário e te deixo entrevistá-los.

Diante do aceite do jornalista, Leão debochou:

– Você não é tão macho assim. Você não é esse macho todo que eu sei…

As declarações acima dão uma excelente idéia do quanto os jornalistas esportivos são desrespeitados por alguns jogadores, técnicos e dirigentes esportivos. Segundo eles, a imprensa tem sempre uma parcela de culpa por seus problemas, sejam eles de ordem técnica, financeira ou criminal. O desvio de foco tem se tornado uma tática constante por parte de personagens que buscam evitar que seus erros sejam expostos.

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O programa ‘Bola da Vez’ com o goleiro Rogério Ceni foi, como de costume, muito bom. Tanto entrevistadores quanto entrevistado fizeram bem os seus papéis e tornaram o bate papo interessante e informativo para os telespectadores. O único deslize foi o encerramento, quando Ceni deu uma mostra dos seus dotes de violonista e cantor. Honestamente, não precisava.

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Na última segunda-feira, durante a entrevista coletiva dos jogadores do Palmeiras, o assessor de imprensa José Isaías prestou um desserviço à profissão. No papel de assessor do clube, e não da imprensa, impediu que o atacante Neto Baiano respondesse as perguntas dos repórteres sobre atrasos de salários.

Atropelando o entrevistado, o assessor impediu que perguntas fossem feitas sobre o assunto e, diante da insistência dos jornalistas que cobriam o clube, retirou o atleta da sala de imprensa, impedindo que o assunto fosse abordado. Resumindo: atuou para instituir a censura na cobertura jornalística do clube.

Ao prestar-se a este papel, de impedir que um atleta responda perguntas sobre qualquer assunto, o assessor de imprensa do Palmeiras cria uma mancha na sua vida profissional, pois colabora para atrapalhar o trabalho de seus próprios colegas de profissão, e, pior que isso, faz com que um dos pilares da sua profissão, que é a liberdade de fazer perguntas, seja estremecido dentro do Palmeiras.

Já é hora de alguns clubes e alguns assessores de imprensa entenderem que a imagem de um clube passa pelo que a imprensa mostra a torcedores e investidores. Um clube que prega a censura para não se abordar as suas falhas, certamente não é sério. Bem como os jornalistas que se prestam ao papel de assessorá-los junto à imprensa com o mesmo tipo de atitude.

(*) Jornalista esportivo, trabalha com internet desde 1995, quando participou da fundação de alguns dos primeiros sites esportivos do Brasil, criando a cobertura ao vivo online de jogos de futebol. Foi fundador e chegou a editor-chefe do Lancenet e editor-assistente de esportes da Globo.com.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

Relíquia inútil, 19/10/06

‘(…)que pra coisas de putaria

pros serviços sem valia

não precisa sabedoria

(Talis Andrade in Sertões de Dentro e de Fora)

Relíquia inútil

O considerado José Truda Júnior, temente a Deus e honorável cidadão de Santa Tereza, encontrou a seguinte oferta no site Mercado Livre:

VENDO OSSOS DE JESUS CRISTO, BÍBLIA, CRUCIFIXO E EVANGÉLIO

Estes ossos foram encontrados no ano 224 depois de Cristo por um ancestral da minha família em Jerusalém em um baú onde havia escrito em aramaíco ‘ossos de Jesus Cristo, filho de Maria e José’.E foram passados de geração em geração. Relíquia de valor inestimável, vendo, com muita dor, por estar em dificuldades financeiras. Aceito troca por imóveis mais diferença em dinheiro.

Janistraquis adorou, ó Truda, principalmente o evangélio e o aramaíco. E só não postou oferta no leilão do Mercado Livre por um motivo deverasmente sesquipedal:

‘Considerado, se o elemento mantém em casa os ossos do Lá de Cima e é obrigado a vendê-los porque está falido, eu gostaria de saber qual a serventia de tal relíquia.’

É bem pensado.

Para reflexão

Os eleitores que hoje empurram Lula à reeleição devem ser os mesmos que votaram no Collor em 1989. Só que desta vez sabem o que estão fazendo…

Do cabide

O considerado Carlos Heitor Cony escreveu em sua excelente coluna da Folha de S. Paulo:

Não era exatamente um folião. Mas, de cara cheia, topava um baile ou outro, principalmente os da pesada. (…) Mas insistimos e, com algumas caipirinhas antes do almoço, lá foi ele ao baile que se chamava, não me lembro mais por que, de Baile do Cabide.

Cony se refere, certamente, a um pré-carnavalesco da Associação dos Empregados do Comércio, na Av. Rio Branco, ao lado do prédio do Jornal do Brasil. À entrada do enorme salão havia uma parede-cabide coberta de ganchos, nos quais os foliões penduravam as roupas e caíam na safadeza, em meio à chuva de confetes, serpentinas e muito porre de lança-perfume. Um amigo de Janistraquis não perdia o então apelidado ‘grito de Carnaval’. O colunista jamais passou na porta daquele antro de perdição!

Leia no Blogstraquis o evocativo texto de Cony.

Ecos eleitorais

O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Belo Horizonte, contumaz colecionador das excentricidades deste país, e o não menos considerado Fausto Osoegawa, japonês/paulistano que mantém os olhos arregalados para as extravagâncias da nação, pois Camilo e Fausto enviam lista com os Oito melhores slogans da campanha eleitoral. Para se ter uma idéia da criatividade dos candidatos, o último lugar é de um certo Guilherme Bouças, que mandou este recado às multidões: Chega de malas, vote em Bouças.

Visite o Blogstraquis e conheça os outros sete colocados.

Uma vergonha!

Em rigoroso silêncio, Janistraquis e eu assistimos a um desfigurado Roda Viva na TV Cultura/Educativa, segunda-feira passada, cujo convidado era justamente o anfitrião, pois o programa teve como cenário a biblioteca do Palácio da Alvorada.

O candidato-presidente suava diante de jornalistas que se dispunham a extrair de Sua Excelência alguma informação verdadeira, rigorosamente em vão, diga-se, quando meu secretário pigarreou:

‘Considerado, o Lula, que está vivendo o lado coca-cola da vida, se o amigo me entende, mostra-se disposto a passar a perna nos entrevistadores e, conseqüentemente, nos telespectadores. Isso é um absurdo, né não?’

Verdade. O candidato-presidente é o pior entrevistado que um programa de tevê ou rádio pode ter nestes tempos de campanha eleitoral. Ele mente o tempo inteiro, tergiversa, negaceia, dissimula, escarnece, troça e zombeteia.

Mestre Talis

Leia no Blogstraquis a íntegra do poema intitulado A Emancipação, cujo excerto já encimou e volta a encimar esta coluna.

Guerra suja

Leia no Blogstraquis o esclarecedor artigo do historiador Boris Fausto, intitulado Guerra Suja, publicado na Folha de S. Paulo. A partir do ‘olho’ o leitor pressente o drama: ‘A manipulação do medo, na história do Brasil, foi sempre marca registrada da direita. Agora, curiosamente, mudou de origem’.

Picharam no muro

‘O que Lula merece mesmo é um segundo torno!’

Tira-roupa

O considerado Luiz Lima, que não revelou o clube do seu coração, escutava no rádio o emocionante clássico paranaense, Paraná X Rio Branco, e narra os acontecimentos:

Um lance de ataque do Paraná e uma cabeçada potente de Maicosuel (é assim mesmo o nome dele), defendida pelo goleiro Vilson. Aí, o narrador da Rádio Banda B chama o repórter Paulo Sérgio, que não tem dúvida:

‘Realmente, Marcelo Ortiz, foi uma grande defesa de Vilson para a cabeçada à tira-roupa de Maicosuel’.

Janistraquis achou ‘do cacete’, ó Luiz Lima; afinal, se a gente pensar bem, o que queima a roupa também pode tirar a roupa, né mesmo?

No banheiro do boteco

Escândalo no Brasil é igual a caixa de lenço de papel; você puxa um e vêm logo dois, três…

Sinopse de novela

O considerado Rafael Torres Neto, que mora no bairro de Barão Geraldo, em Campinas, envia este curioso ‘Erramos’ do Correio Popular, tradicional diário da cidade:

Por um erro de edição, no resumo das novelas publicado hoje, na página 4 do Caderno C, a sinopse atribuída ao folhetim Cobras & Lagartos (Globo) é, na realidade, de Cristal (SBT); os resumos de Bicho do Mato (Record) são de Cobras & Lagartos; e, os de Cristal, de Bicho do Mato.

Janistraquis, que acompanha Páginas da Vida, ficou apreensivo.

Circula mundo afora:

A eleição de Clodovil só serviu pra mostrar uma coisa: nem todo político tem o rabo preso…

De programas

O saudoso Hélio Beltrão, um dos mais inteligentes e dignos homens públicos do Brasil, disse certa vez:

‘Programa de governo qualquer um pode encomendar; o que interessa é quem vai se responsabilizar pelo programa’.

Pura verdade, mas isso foi no tempo em que o Brasil era maior do que a crise, para recordar outra fase do Hélio.

Bomba atômica

Janistraquis aproveitou o malote semanal de críticas e conselhos que Lula manda pra Bush e contrabandeou o seguinte bilhete ao presidente americano:

‘Informo ao considerado que estou com a Coréia do Norte e não abro. Por que somente você e seus cupinchas podem ter bombas atômicas e os coreanos são chamados de irresponsáveis por querer o mesmo?!?! Ora, vá pra…’

Embora esteja apavorado com a milagrosa hipótese de que, se eleito, Geraldo Alckmin possa privatizar uma improvável bomba brasileira, apóio inteiramente a posição de Janistraquis. Ora, que política é essa que criminaliza o desejo legítimo de uma nação independente e vê na invasão do Iraque uma ação em defesa da democracia?’

Fosso e poço

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo varandão debruçado sobre a triste realidade avista-se o buraco no qual enterram o Brasil, pois Roldão procurava consolo nas páginas do Correio Braziliense quando deparou com esta impropriedade:

HOMEM MORRE APÓS CAIR EM FOSSO DE ELEVADOR, gritava a chamada na primeira página da edição de 14 de outubro.

Nosso diretor, que perdeu a paciência mas ainda terça pela verdade com disposição juvenil, escreveu ao jornal:

‘Fosso é uma vala horizontal como uma trincheira, em geral cheia de água, como nos castelos medievais. Poço é uma escavação em coluna vertical, em geral para recolher água subterrânea ou petróleo. Por extensão e semelhança, designa o vão nas construções destinado ao percurso das cabines dos elevadores. Portanto, a vítima do acidente caiu no poço do elevador.’

Nota dez

O considerado Ferreira Gullar, jornalista e poeta que não tem medo de crase nem de cara feia, escreveu na Folha de S. Paulo:

(…) E como se não bastasse, veio o escândalo do dossiê, para espanto geral. E o que são agora os boatos de que Alckmin iria privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, senão a mesma guerra suja? Muita gente se pergunta: eles são aloprados? Não, não são aloprados; são corruptos, são viciados em corrupção.

Leia no Blogstraquis a íntegra desse memorável artigo.

Errei, sim!

‘SAÚDE FRÁGIL – Textinho discretamente insepulto na Folha de S. Paulo: ‘O ator escocês Gordon Jackson morreu sábado, aos 66 anos, em Londres, vítima de um pequeno problema de saúde’. Janistraquis ficou preocupadíssimo. ‘Considerado, como é que vai ser?’, ganiu ele; ‘me apareceu aqui uma unha encravada. Será que é grave?’. Mandei-o escrever ao ombudsman da Folha, Caio Túlio Costa, com cópia para o correspondente internacional Paulo Francis.’ (março de 1990)

Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP) ou moacir.japiassu@bol.com.br).

(*) Paraibano, 64 anos de idade e 44 de profissão, é jornalista, escritor e torcedor do Vasco. Trabalhou no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo. Também escreveu oito livros, dos quais três romances.’



MERCADO EDITORIAL
Eduardo Ribeiro

Vem aí Brasileiros, nova revista de reportagem, 18/10/06

‘Nos próximos dias deve ir para o prelo a edição número zero de Brasileiros, nova revista mensal de reportagem que a dupla Hélio Campos Mello e Nirlando Beirão, dois consagrados jornalistas do País, está gestando e que deve ser lançada ainda este ano. Dupla que aliás poderá virar trio, com a provável adesão de Ricardo Kotscho ao projeto, como ele próprio sinalizou.

O novo título terá a proposta de contar boas histórias de brasileiros de todas as regiões do País, anônimos e famosos, ricos e pobres, brancos e pretos, com textos e fotos de elevado padrão editorial, o que pode ser vislumbrado não só pela presença dos nomes já citados, mas também pela participação na Arte de Hélio de Almeida, designer reconhecido internacionalmente.

Nada a ver com a receita da revista Piauí, lançada recentemente por João Moreira Salles e Luiz Schwarcz em parceria com a Editora Abril, sob a direção de Mário Sérgio Conti (ex-diretor de Redação de Veja). ‘A possível semelhança com Piauí – diz Campos Mello – está apenas na proposta de resgatar a reportagem e as boas histórias no jornalismo brasileiro. Mas teremos conteúdo e caminhos muito diferentes, conforme os leitores poderão constatar’.

A equipe, conforme ele revela, terá também um grupo de jovens talentos, permitindo que se mescle experiência com juventude. Já há nomes inclusive acertados, que ele prefere não revelar, porque continuam atuando em outros projetos.

A empresa fundada por ele e Beirão chama-se Brasileiros Editora Ltda e está localizada na Vila Madalena. Nas próximas semanas, paralelamente ao fechamento editorial da edição zero, eles definirão outros aspectos do projeto, como tiragem, distribuição, plano de comercialização etc.

Tanto Campos Mello como Beirão entraram nessa parceria sem prejuízo das demais atividades que continuam mantendo. ‘O lado bom dessa iniciativa – diz Campos Mello, que dirigiu por vários anos a redação da revista IstoÉ – é que Brasileiros será uma revista (assim esperamos) gostosa de ler e mais gostosa ainda de fazer’.

Brasileiros que fazem bonito lá fora

A propósito do tema – Brasileiros – merece a atenção deste Jornalistas&Cia a saga vitoriosa de alguns jornalistas tupiniquins no Exterior, embora nem sempre deles muito se saiba no Brasil. Um desses casos de sucesso é Cristina Aby Azar, ex-Gazeta Mercantil e que está há anos no Wall Street Journal, em Nova York, os últimos como editora-chefe do Wall Street Journal Americas, que circula em toda a América Latina e países de língua portuguesa. Trabalhar num cargo relevante num dos maiores jornais do mundo não é efetivamente para qualquer um.

Outro bom exemplo é o da dupla Lúcio Mesquita e Américo Martins na BBC, em Londres. Há anos na organização, eles hoje ocupam respectivamente os cargos de diretor e editor-executivo da BBC para as Américas, cargos que lhes conferem a responsabilidade de cuidar do jornalismo da emissora em todos os países do continente. O que, convenhamos, não é pouco em se tratando de uma das mais respeitadas organizações de mídia do mundo.

Temos também uma outra brasileira que tem feito bonito lá fora. É Gisele Regatão que está completando um ano como produtora-chefe (senior producer) do Soundcheck, um programa diário de entrevistas na área musical na WNYC, afiliada da NPR (National Public Radio), que tem sede em Nova York.

Gisele trabalhou na Gazeta Mercantil e na América Economia e depois mudou para NY com o marido, Eduardo Porter (mexicano), que foi repórter do Wall Street Journal e agora está no NY Times. No Soundchek, ela responde por todo o conteúdo editorial do canal Shows e coordena o trabalho de dois produtores, mais estagiários, na definição das pautas, agendamento das entrevistas, textos dos roteiros, escolha dos clips musicais etc. O programa cobre discussões e idéias da indústria de música e entrevista músicos de todos os gêneros, sendo que quase todos que ali comparecem tocam ao vivo.

Diz ela, em relação ao ecletismo do programa: ‘Ontem, falamos sobre um CD que promete curar a insonia. Outro dia falamos sobre música para dor de cotovelo. Em outro ainda, discutimos se subsídio público ajuda ou atrapalha a produção de arte e música. Entre os nossos entrevistados estão músicos como Robert Plant, do Led Zeppelin, o compositor minimanista Steve Reich, a banda de rock Franz Ferdinand e Gilberto Gil, entre outros. No próximo dia 31/10, a conversa será com Marisa Monte’. Quem quiser conhecer o trabalho que ela faz pode conferi-lo no endereço www.wnyc.org (canal Shows).

Também na área de assessoria de imprensa, temos lá nossos exemplos de profissionais bem sucedidos. Há dois anos, Nélson Silveira, que ocupava uma das Gerências de Comunicação da General Motors do Brasil, em São Caetano do Sul, foi nomeado para atuar na Comunicação da filial portuguesa da montadora e desde então está por lá, garantindo uma presença brasileira na área de Comunicação Corporativa, em plena Europa.

O feito mais recente vem da agência Linhas&Laudas, dirigida pelo casal Fernanda Bulhões e Ederaldo Kosa, que desde junho passou a atender a finlandesa Sulake ali mesmo em Portugal, dando continuidade a um trabalho iniciado em fevereiro, quando promoveu o lançamento da companhia no Brasil. A Linhas&Laudas enviou para Lisboa, esta semana, Laís Kerry e Vanessa Vascouto para reuniões com executivos da empresa finlandesa em veículos e agências. O trabalho em Portugal é coordenado por Patrícia Jota. Reforçando a ação internacional da marca, Saulo Bordon, coordenador de núcleo da agência, retornou de Moscou semana passada. Ele viajou para conhecer o trabalho desenvolvido pela Associação Latino-Americana Russa de Estudos Superiores, responsável por levar estudantes brasileiros para estudo de graduação ou pós nas principais universidades daquele país.

Brasileiros fazendo sucesso é sempre um tema gostoso de abordar, ainda mais que agora teremos uma revista para contar esses belos ‘causos’. Quanto mais, melhor. Para o bem de todos e felicidade geral da nação.

(*) É jornalista profissional formado pela Fundação Armando Álvares Penteado e co-autor de inúmeros projetos editoriais focados no jornalismo e na comunicação corporativa, entre eles o livro-guia ‘Fontes de Informação’ e o livro ‘Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia’. Integra o Conselho Fiscal da Abracom – Associação Brasileira das Agências de Comunicação e é também colunista do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, além de dirigir e editar o informativo Jornalistas&Cia, da M&A Editora. É também diretor da Mega Brasil Comunicação, empresa responsável pela organização do Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.’



VÔO 1907
José Paulo Lanyi

Vôo 1907: dúvidas, verdades e mentiras, 17/10/06

‘Trechos de uma notícia reveladora:

‘Legacy fez contato com controle

Aeronáutica admite que diálogo pode ter induzido americano a erro; operadores devem depor

Vannildo Mendes, Tânia Monteiro, BRASÍLIA

Ao contrário do que afirmaram por meio do seu advogado, José Carlos Dias, os pilotos do Legacy que colidiu com o Boeing da Gol, no dia 29, conseguiram se comunicar com os controladores de vôo do Cindacta-1 (Brasília) quatro minutos antes do ponto em que deveriam mudar de altitude. No diálogo, o comandante do Legacy, Joe Lepore, pergunta à torre, em inglês:

– Confirme se posso descer ou se mantenho a altitude.

Como restavam 30 milhas (55 quilômetros) até o ponto em que o Legacy deveria, obrigatoriamente, baixar de 37 mil para 36 mil pés, a resposta do controlador de vôo foi:

– Ok. Mantenha.

(…)

Peritos da Aeronáutica já admitem a hipótese de ter havido mal-entendido na comunicação com o americano, mas não consideram esse o fator crucial para explicar a colisão. ‘Ele (Lepore) pode até ter entendido isso como uma autorização para voar a 37 mil pés em todo o trajeto, mas não é o que constava no plano de vôo’, disse um oficial da Força Aérea Brasileira (FAB). ‘Podemos dizer que 98% da culpa é do jato e 2%, do controle de tráfego aéreo.’

O mesmo oficial esclareceu que, numa situação normal, a mudança de mil pés (300 metros) do nível de altitude é feita em 30 segundos. ‘Naquele instante, não havia motivo para o controlador falar em mudança de altitude, pois é padrão que ela ocorra apenas sobre Brasília’, disse o militar.

(…)

‘HISTERIA’

O blog do jornalista americano Joe Sharkey, passageiro do Legacy, voltou ao ar ontem. Sharkey disse que suspendeu o acesso ao blog por dois dias para não ‘alimentar a histeria política no Brasil’ sobre o acidente. Disse ainda que, ‘finalmente, perguntas duras estão sendo feitas no Brasil sobre controle de tráfego, colocadas por mim desde o primeiro dia’’.

A reportagem acima, assinada pela dupla de repórteres do portal do Estadão, com colaboração de Laura Diniz, vale por mil achismos. O problema é que, de acordo com o Globo Online, nem a Aeronáutica nem a Polícia Federal confirmam a existência da gravação.

Vários jornais já haviam publicado algumas informações relevantes para o entendimento dos fatos:

1) De acordo com a Aeronáutica, o plano de vôo do Legacy previa duas mudanças de altitude no decorrer do trajeto;

2) O piloto Joe Lepore disse ter seguido um plano de vôo que não previa mudança de altitude;

3) Autoridades da Aeronáutica apresentaram um plano de vôo que previa as duas mudanças de altitude;

4) Tanto no depoimento na base aérea amazônica, logo após o acidente, quanto em outros depoimentos, ou mesmo por meio do seu advogado, o piloto americano sempre negou ter havido contato entre o Legacy e o controle de vôo. Teríamos, com a reportagem de hoje, mais um dado importante. Como os demais, explicaria parte dos fatos e deixaria novas perguntas no ar (sic):

a) Qual teria sido a intenção do piloto ao entrar em contato com os controladores? Informar-se sobre a necessidade de mudança de altitude para o novo trecho que se avizinhava, respeitando a rota pré-estabelecida? Ou essa dúvida não dizia respeito ao seu plano de vôo? Ou, ainda, dizia respeito a um segundo plano de vôo – correto ou equivocado?;

b) Qual teria sido a intenção do controlador, ao responder ‘Ok. Mantenha’? Orientar o piloto a manter a altitude até a primeira mudança prevista, 30 milhas à frente? Ou, por uma distração ou algum outro motivo, autorizá-lo a voar o tempo todo naquela mesma altitude, supostamente contrariando o plano de vôo do Legacy?;

c) Ambos foram negligentes, resolvendo tudo em poucas palavras? Se não era hora de mudar de altitude, o controlador não teria o dever de ressaltar que a mudança teria de ser feita pouquíssimo tempo depois? E o piloto? Seu plano de vôo não previa as duas mudanças? Em caso afirmativo, por que não efetuou a primeira no momento certo, quatro minutos depois? Se, antes mesmo, aquele era o momento, por que, afinal, Lepore não questionou o controlador sobre a orientação que contrastava com o seu plano de vôo (que previa duas mudanças de altitude)?;

d) O piloto americano mentiu? Disse mesmo não ter tido nem uma única conversa com os controladores? Por que teria mentido?;

e) Por que Lepore solicitou informação sobre mudança de altitude naquele ponto? Ele o fez ciente das mudanças previstas em seu plano de vôo? Nesse caso, por que, em seus relatos, afirmou que o seu plano de vôo não previa mudança de altitude?

É bom ficar com o pé atrás. Os jornalistas terão um trabalho árduo pela frente, dificultado pela nebulosidade dos fatos, pela tentativa desesperada dos partícipes de livrar a própria pele e pela possível distorção dos dados por parte das fontes oficiais, comumente interessadas em ‘preservar’ as instituições de um eventual desgaste com a opinião pública.

Para encerrar: um amigo meu, jornalista, me perguntou hoje, com base nessa informação nova: ‘Mas então o Joe Sharkey tem razão’? ‘Não’, respondi. Porque Sharkey se limita a advogar para os pilotos e a criticar o controle aéreo brasileiro. Defende tese e omite os ângulos que lhe convêm omitir, provavelmente por patriotada ou apego emocional aos ‘soldados’ que foram deixados para trás em plena ‘selva do Vietnã’. Essas bobagens típicas da cultura americana…

Sugiro, aliás, que não só os americanos como todos nós por aqui voltemos o olhar para a ameaça do momento: uma meia-dúzia de lunáticos norte-coreanos decididos a fritar os civis das nações inimigas, a menos que lhes deixem em paz, ou seja, que lhes deixem sossegados, preparando-se para uma guerra atômica, em tom desafiador. Algo em que, diga-se, os Estados Unidos tem know-how de sobra.

Tristes trópicos, não, Lévi-Strauss. Triste planeta. Dorme-se mal, acorda-se sempre pior.

Daí o autor desta coluna defender a morte da ideologia política – a que dedica profunda e persistente aversão. Mas isso é conversa para um livro inteiro, a caminho, por sinal.

(*) Jornalista, escritor, dramaturgo, ator, é autor de quatro livros, um deles com o texto teatral ‘Quando Dorme o Vilarejo’ (Prêmio Vladimir Herzog). No jornalismo, tem exercido várias funções ao longo dos anos, na allTV, TV Globo, TV Bandeirantes, TV Manchete, CNT, CBN, Radiobrás e Revista Imprensa, entre outros. Tem no currículo vários prêmios em equipe, entre eles Esso e Ibest, e é membro da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes).’



VIDA DE JORNALISTA
Cassio Politi

Repórteres presos após reunião secreta, 16/10/06

‘A reunião era tão secreta que até os repórteres adotaram uma certa clandestinidade. As atividades aconteciam em alguma montanha da Colômbia. Ao redor da mesa, estavam os comandantes do principais grupos guerrilheiros daquele país.

Terminada a reunião, os cerca de 20 repórteres foram para a rodoviária de Medellín. Horas mais tarde, a imprensa colombiana se mobilizava para pedir a libertação de três integrantes do grupo, que na rodoviária haviam sido presos por militares. Os homens fardados os pressionavam para contassem onde, afinal, estavam escondidos os guerrilheiros.

* * * * *

Profissionais dos mais expressivos veículos de comunicação da Colômbia receberam, em 1987, um convite secreto. Nas montanhas do país aconteceria o encontro de comandantes dos grupos guerrilheiros, das mais variadas facções.

Eles discutiriam uma união de ações dos grupos, que tinha origens variadas: marxistas, maoístas, adeptos da independência cubana e muitos outros. Seria uma tentativa – que depois fracassou – de unir forças. A presença da imprensa era fundamental para que os guerrilheiros deixasse o governo ciente da idéia, e apavorado com ela.

Cadê você?

Eram 10 horas da manhã quando o grupo de jornalistas chegou à rodoviária de Medellín. Eles entrariam dali a instantes em um ônibus com destino a Bogotá.

Edelmiro Franco, atualmente na Notimex (Agência de Notícias do Estado Mexicano), era um desses repórteres. Uma colega de Edelmiro se levantou da mesa e avisou que precisava fazer um telefonema. Uns 10 minutos se passaram até que alguém da roda de jornalistas desse falta da amiga.

– Onde está a Glória?

– Foi telefonar.

– Mas já faz algum tempo que ela deixou a mesa. Vamos ver o que houve?

Edelmiro e um repórter da Rádio Caracol, chamado José Domingo,foram ver o que havia acontecido com a colega Glória. Ela estava presa.

Boi na linha

Edelmiro e José Domingo se aproximaram das cabines de telefone, onde foram presos também. Conduzidos até a 4ª Brigada de Medellín, eles descobriram que militares haviam escutado o texto que Glória ditava por telefone a alguém na redação da agência onde trabalhava. Prenderam-na para interrogatório.

Enquanto o trio era levado para a base militar, os outros jornalistas do grupo perceberam que havia algo estranho no ar. Trataram de não se identificar como jornalistas e entraram no ônibus com destino a Bogotá. Era preciso chegar até lá para pedir socorro para os colegas.

Onde é?

Glória, Edelmiro e José Domingo ficaram trancados em uma sala.

– Onde fica o sítio que recebeu esse encontro? – perguntou um militar, começando o interrogatório.

– Não sabemos.

– Como foi feito o contato com os guerrilheiros?

– Não posso contar.

– O que foi falado na reunião?

– Não posso contar.

Não houve violência, mas uma pressão psicológica intensa. ‘Por uma questão de ética na profissão, não podíamos contar os detalhes’, defende Edelmiro.

Liberte-os

O interrogatório se estendeu até as 7 horas da noite. Foram mais de oito horas de pressão. Enquanto o trio era bombardeado com perguntas, um movimento muito forte da imprensa começava em Bogotá. Os jornalistas que escaparam de ser presos garantiram que a informação da prisão dos colegas fosse veiculada em emissoras de rádio e TV. ‘Eles fizeram um escândalo em rede nacional’.

Os militares passaram a tarde negando publicamente que os jornalistas estivessem presos na 4ª Brigada de Medellín. ‘Mas a imprensa sabia que estávamos lá’. Às sete da noite, um coronel deu a ordem:

– Há muita pressão da mídia. Libere-os.

Solidariedade

O movimento em prol dos colegas foi determinante para que nada mais grave acontecesse. ‘O importante foi a solidariedade dos colegas’.

A idéia de união dos grupos não vingou. Quase 20 anos depois, as FARC e o Exército de Libertação Nacional (ELN) são as duas maiores forças guerrilheiras da Colômbia.

* * * * *

Edelmiro Franco é colombiano e atua como correspondente da Notimex em Bogotá. Ele esteve em São Paulo nesta semana para ministrar uma palestra a respeito da relação entre a imprensa, o governo colombiano e as FARC. A palestra aconteceu durante o Seminário Internacional de Jornalismo promovido pelo Comunique-se.

* * * * *

(*) Cassio Politi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou como videorrepórter de matérias de Cidades e Especiais no Uol News, comandado por Paulo Henrique Amorim até 2004. Trabalha com Internet desde 1997. Esteve em projetos pioneiros em jornalismo na Web, como sites da Zip.Net. Ministra cursos de extensão há cinco anos e deu aulas em 24 estados brasileiros para quase 2 mil jornalistas e estudantes de Jornalismo. Atualmente, tem suas atenções voltadas para a área de Marketing. Ocupa o cargo de Diretor da Escola de Comunicação, a unidade de cursos e seminários do Comunique-se.’



TELEVISÃO
Antonio Brasil

Boni critica a TV digital brasileira, 23/10/06

‘‘A TV digital é uma imposição da industria de TV. É inevitável. Mas a sua implantação não é tão simples. Sou a favor de uma discussão do modelo de negócio. Os empresários brasileiros do setor deveriam ter sido consultados sobre o modelo de negócios para a TV digital brasileira. Serão investido mais de 2 bilhões de dólares com nenhuma vantagem para as TVs brasileiras e para o público. A televisão brasileira ficou engessada. Melhora o padrão da TV Globo. Estamos melhorando as condições da TV Globo. A Globo analógica será a mesma da TV Globo digital’.

O velho Boni continua o mesmo. Com mais de 70 anos, ainda é a pessoa que mais conhece televisão no Brasil. Essa semana tive o privilégio de ouvi-lo no teatro lotado da UniverCidade aqui no Rio de Janeiro. Em uma noite chuvosa, valeu a pena ter esperado por mais de uma hora para o início da palestra. Foi uma verdadeira aula de TV. Na platéia gente que se interessa pelo futuro da nossa TV como grande diretor de TV Fernando Barbosa Lima e o apresentador de TV Roberto D’Avilla.

Você pode concordar ou discordar das opiniões, visões e previsões sobre a TV digital no Brasil do ex todo poderoso diretor da Globo. Mas Boni tem todas as credenciais para ser ouvido sobre o futuro da TV e da propaganda no Brasil. E pelo jeito, deixaram de consultá-lo sobre a implantação ‘apressada’ da TV digital em nosso país.

Ironias e interatividade

Em sua palestra, Boni desmentiu algumas das previsões do ministro Hélio Costa: ‘Celular nunca vai pegar TV. O sistema digital adotado pelo Brasil anda não está concluído. Estamos criando um modelo híbrido com o MPEG-4 e o sistema digital japonês. É algo semelhante com o sistema a cores Pal M que criamos no passado. Um sistema digital brasileiro’.

Mas apesar das expectativas, Boni faz questão de dizer que no Brasil, o impacto da tv digital será muito menor do que foi a implantação da tv a cores: ‘O futuro não é digital. O futuro está no interior, na flexibilização das ações e na proximidade do público’.

‘Ninguém vai operar computador na TV e ninguém vai assistir TV no celular. TV é um ato coletivo. Computador é uma atitude solitária. TV no computador é só consulta. Interatividade pra quê? Há mais ficção do que realidade. Em vez de interatividade continuaremos tendo intervenção. O controle remoto é um instrumento de intervenção. Não há interatividade sem um meio de pagamento’.

E o futuro?

Em defesa do futuro da TV, Boni foi categórico e apresentou dados de pesquisas recentes nos EUA: ‘Sincronia é TV. A web é assincronia. Mas os veículos não ficarão simplesmente isolados. Os meios de comunicação continuarão tendo as suas próprias identidades.

Mas a variação das verbas publicitárias entre a TV e as novas mídias nos próximos anos ainda é favorável à TV.’

TVs por assinatura

Boni sempre foi um homem sério. Nunca seguiu os passos e os excessos do seu colega de Globo, Walter Clark. Boni trabalhava muito enquanto Walter Clark aproveitava a vida e ficava cada vez mais famoso. Aos 70 e tantos anos, Boni ainda está por aqui, é sócio de uma rede de TV no interior de São Paulo, a TV Vanguarda.

Durante a sua palestra, em um raro e precioso momento de revisão histórica, Boni assumiu parte da culpa pelo fracasso das TVs por assinatura no Brasil: ‘Eu coloquei quatro canais por assinatura no ar sem ter nenhum assinante. Eu também declarei logo no início das TVs por assinatura que elas não deveriam ter departamentos comerciais porque elas simplesmente teriam comerciais’. Risadas gerais no auditório. ‘Eu errei. A TV a cabo no Brasil está saturada de comerciais. Mas elas não deveriam ter comerciais’.

‘O futuro da TV está na produção de conteúdos. Há dois modelos: segmentação versus formatos globalizados. Mas é preciso uma revisão urgente na idéia de segmentação na TV. A segmentação tende a ser reduzida. Deveria ser por faixa etária, sexo e poder aquisitivo’.

Sempre seguro e polemico, Boni diz que não é pessimista em relação ao futuro da TV e das novas mídias. Mas não perdeu a oportunidade para criticar o modelo atual. Ele apresentou uma seleção de ótimos vídeos que ironizam a convergência de mídias. E o mais engraçado é que os vídeos apresentados pelo ex diretor da Globo foram selecionados no atual grande ‘inimigo’ da TV: o YouTube. Boni está antenado no futuro.

Mas ele também faz questão de nos alertar sobre os riscos: ‘Vamos ter que conviver com idéias mais sérias. É difícil botar dinheiro numa mídia [Internet] que não conhece o seu target. Precisamos de avaliações mais precisas para garantir esses investimentos’.

Boa viagem!

E sobre a relação dos jovens de hoje com as novas mídias e a TV, Boni não poderia ser mais o velho Boni dos tempos da Globo: ‘Só temos uma certeza: um dia os jovens ficarão velhos’!

E para concluir, fez mais previsões sobre o futuro: ‘Vamos viver em um mundo de contradições e tensões onde o dinheiro não é jogado no lixo. Embarcamos em um veículo. Mas não sabemos para onde ele vai. Ninguém sabe onde fica o futuro. De qualquer maneira, desejo a todos uma boa viagem’.

(*) É jornalista, professor de jornalismo da UERJ e professor visitante da Rutgers, The State University of New Jersey. Fez mestrado em Antropologia pela London School of Economics, doutorado em Ciência da Informação pela UFRJ e pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University. Trabalhou no escritório da TV Globo em Londres e foi correspondente na América Latina para as agências internacionais de notícias para TV, UPITN e WTN. Autor de diversos livros, a destacar ‘Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica’ e ‘O Poder das Imagens’. É torcedor do Flamengo e não tem vergonha de dizer que adora televisão.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Veja

No Mínimo

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