A instantaneidade, a efemeridade e a velocidade conferida ao sistema de produção jornalística das mídias eletrônicas mais tradicionais (rádio e TV) não raramente surgem como subterfúgio para abordagens rasas, superficiais, genéricas e repetitivas em pautas na área de economia. A ausência de tempo para se dedicar a uma análise estatística que subsidie determinada reportagem, uma seleção mais criteriosa de fontes adequadas a determinado tema, bem como a velocidade para cumprir prazos e atender os formatos rígidos das programações/jornais, não raramente “justificam” produções pobres em conteúdo, simplistas, repetidoras de discursos oficiais e viciados ou, ainda pior, equivocadas e determinantes para construir sensos comuns sobre assuntos pouco ou nada dominados por boa parte da população (pelas mais diversas razões).
Essa lógica é mais perceptível em pautas palpáveis (aumento do preço do pão francês, combustível), mas altamente subjetiva em temas macroeconômicos, como abordagens sobre o desenvolvimento da indústria, indicadores sociais, pesquisas e levantamentos de organizações, composição do PIB e inflação. Na média, a limitação de tempo (para não mencionar os parâmetros editoriais), tanto para a construção da informação quanto para a transmissão da mesma, restringem a busca por fontes, uma discussão mínima sobre a compreensão e o conceito de interesse público, e acabam comprometendo diretamente a qualidade do jornalismo econômico produzido em televisão e em rádio no Brasil.
Mas nem de longe é o tempo o principal problema. O cerne da questão está na ausência de capacitação em boa parte dos jornalistas responsáveis por produzir as pautas, entrevistar e editar as reportagens, notas, textos, sonoras e imagens. Ainda que se trate de uma dificuldade recorrente em diferentes segmentos, assuntos, plataformas e períodos, na economia estes pontos são ainda mais visíveis.
Sem subsídios, informações ou formação
Como boa parte dos jornalistas, entre os quais, aliás, me incluo, não contaram com formação específica para este propósito em âmbito de graduação (e muito menos na educação básica), a compra da parte pelo todo na construção de informação sobre esse assunto é algo frequente. Não dificilmente, a manchete sobre PIB de um portal ou uma rede de TV/rádio reverbera em outras dúzias de frequências e, por conseguinte, chega a dezenas de milhares de pessoas. Assim mesmo, de forma padronizada, quase mecânica, sem o mínimo questionamento.
É desta forma que indicadores de inflação são divulgados em escala semi-industrial semanalmente/mensalmente, e também é assim que mitos e/ou tabus como a desindustrialização da economia, a estagnação sobre o desenvolvimento educacional no país e a existência ou iminência de bolha imobiliária e/ou de crédito se proliferam em larga escala, sem ao menos que uma parte dos condutores desse fio possa explicar as razões para a formatação engessada dessas mensagens.
Voltemos à educação. É notório que a falta de capacitação técnica, de conhecimentos específicos sobre economia acabam sendo determinantes para este cenário, já que, sem subsídios, informações e formação, o jornalista fica, invariavelmente, refém da análise de economistas e analistas, sem saber, sequer, qual o viés dessa análise ou onde estão os gaps de cada comentário ou resposta, que por sua vez, poderiam gerar uma discussão menos circular e mais construtiva. A falta de domínio obriga parte dos profissionais a aplicarem a lógica de captar e retransmitir como principal destaque a informação que, em um primeiro momento, ele considerará mais simples ou de mais fácil compreensão e, recorrentemente, não é esta a verdadeira notícia, ou não esta aí o maior impacto em curto e médio prazo na vida da população.
Formar melhor e informar melhor
Curiosamente, ainda que as fontes sejam determinantes para essa realidade – já que muitas vezes as aspas/sonoras são exatamente o que ditará a manchete, teaser ou destaque – há um consenso de que o jornalismo econômico médio, sobretudo o de mídia eletrônica tradicional, é ruim, fraco e limitado. Por que? Primeiramente porque, assim como advogados, políticos, treinadores de futebol e pesquisadores – ou seres humanos, enfim –, cada um tem uma convicção, formatada por uma linha de ideologia, pesquisa, pensamento, prática e histórica, e percebe nesse processo uma “compra” de verdades, muitas vezes sem um filtro prévio. Outras vezes por perceberem, facilmente, que o destaque dado a determinada abordagem é distorcido, errôneo ou frágil, o que, mais uma vez, está intrinsecamente conectado com a falta de domínio técnico sobre a pauta, e que acaba permitindo a aquisição de meias verdades como regras absolutas.
Não também por acaso as editorias de economia são esferas de menor atenção por parte do público. Ao contrário das pautas de cidades/geral, esportes e até mesmo política, onde a ação se reverte diretamente no cotidiano da população, a abordagem subjetiva da crise grega, só para mencionar um fato em específico, não desperta no ouvinte/telespectador a intenção de dedicar minutos da respectiva atenção. Sobretudo, porque a abordagem ainda é distante, isolada e rasa. Sem a menção de particularidades, relações, vínculos e, ainda, sem humanizar a dimensão da crise a perda de atenção, e, obviamente de compreensão é quase uma regra.
Como disse o jornalista Aylê Salassié Filgueiras Quintão, em sua obra O Jornalismo Econômico no Brasil depois de 1964, “o uso repetido de indicadores de preços, de custos, de produção […] atua no sentido de confundir o texto da notícia”. A sucessão de indicadores, números, tantas vezes desconectados de comparativos, ou pior, com comparativos absolutamente irregulares, descontextualizados ou não cabíveis.
O desafio é, portanto, formar melhor (o jornalista) e informar melhor (o cidadão). Com limitações notórias de tempo, recursos e espaço, a informação digital pode ser um caminho para minimizar esse problema. O acesso democrático a inúmeros estudos, pesquisas e dados deve ser capitalizado e transmitido pela universidade na formação dos profissionais, muitas vezes, ainda desenvolvidos dentro de uma lógica tradicional e conservadora do jornalismo.
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[Tércio Saccol é jornalista, pós-graduado em Gestão de MKT e pós-graduando em Economia Brasileira e Globalização, São Paulo, SP]