Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Folha de S. Paulo

O BISPO
Marcelo Beraba

Depois do ´chute na santa´, Universal muda a imagem

‘Igreja ganha com apoio a Lula, disputa com Globo e menos ataques a outras religiões

Reação rápida a escândalos tem ajudado a mudar a imagem, como ocorreu no mensalão, em que os envolvidos foram afastados

Em 12 de outubro de 1995, feriado consagrado à Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus desceu aos infernos. Os chutes e socos desferidos pelo bispo Sérgio von Helder na imagem da santa durante programa da TV Record empurrou a igreja, que já vinha acossada por denúncias de mercantilismo da fé, intolerância religiosa e sonegação de impostos, ao fundo do poço.

Passados 12 anos, a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado do bispo primaz Edir Macedo na inauguração da Record News, em 27 de setembro, foi uma indicação segura de que a igreja conseguiu mudar a imagem e deu a volta por cima. Lula, que nas eleições de 1989 e 1994 fora combatido pela Universal como reencarnação de satanás, também prestigiava o aliado político. Os discursos agora estavam afinados e tinham o mesmo alvo, o monopólio nas comunicações.

Em 1995, a reação ao ato iconoclasta do bispo von Helder foi fortíssima. Vários templos foram atacados pelos católicos e muitos parlamentares pediram a cassação da concessão da TV Record, , que foi adquirida pela Igreja Universal em 1990.

Na biografia autorizada que acaba de lançar (´O Bispo´, de Douglas Tavolaro, Editora Larousse), Edir Macedo revela que quando tomou conhecimento do episódio, soube imediatamente que foi um erro. Na época, foi para a TV pedir desculpas e julgou o ato insensato. Agora, no livro, o define como ´nosso maior erro´.

No artigo sobre a história da Universal no Brasil para o livro ´A Igreja Universal do Reino de Deus – Os novos conquistadores da fé` (Editora Paulinas), o sociólogo Ricardo Mariano constata que a partir do final da década de 1990 a Iurd ´promoveu um verdadeiro processo de consolidação institucional` e ´tem conseguido granjear maior legitimidade´. Para isso contribuíram vários fatores.

Em primeiro lugar, a igreja diminuiu o ímpeto contra os católicos e mesmo contra as religiões afro-brasileiras.

O prestígio que Lula emprestou à inauguração da Record News revela dois outros fatores que contribuem para diminuir a rejeição à Igreja Universal. Desde o segundo turno da eleição presidencial de 2002 os parlamentares eleitos pelos fiéis da igreja apóiam o governo Lula. Essa foi uma mudança importante na estratégia política dos evangélicos que, salvas as exceções, sempre hostilizaram os partidos de esquerda e de centro-esquerda.

E a guerra contra a hegemonia da Globo atrai a simpatia de setores que, embora torçam o nariz para os métodos da Universal, consideram necessário o surgimento de atores fortes na comunicação.

Há, ainda, outros fatores que ajudam a formatar a nova imagem da igreja. É muito rápida e incisiva a ação da cúpula religiosa nos casos de escândalos públicos. Foi assim com vários deputados envolvidos nas denúncias do mensalão e dos sanguessugas, punidos pela igreja antes do fim dos processos.

Em questões de moral e comportamento, não é possível afirmar que a Igreja Universal tenha orientações liberais, mas é fora de dúvida que vem se diferenciando das posições conservadores de outras igrejas evangélicas e, principalmente, da Igreja Católica.

Em primeiro lugar, não faz campanha contra o aborto e o divórcio. Admite os dois nos casos previstos em lei por considerar que são questões de foro íntimo. Em relação ao aborto, parlamentares ligados à igreja defendem que seja estendido aos casos de comprovação de anencefalia do feto. Diferentemente da Igreja Católica, os bispos da Universal são favoráveis ao planejamento familiar e os métodos de contracepção.

Deve-se reconhecer que a Igreja Universal mudou sua estratégia, mas, como frisa Mariano, seus principais objetivos continuam os mesmos: sobrepujar a Rede Globo e a Igreja Católica.’

 

Leandro Beguoci

Para ex-homem forte de Macedo, igreja enfrentará problemas para crescer

‘Quem ajudou a transformar a Igreja Universal em um império religioso e midiático vê limites para a sua contínua ascensão.

Segundo Ronaldo Didini, 49, ex-coordenador político da Universal e ex-porta-voz do bispo no 25ª Hora, na TV Record, outras igrejas estão assumindo entre os fiéis o papel que a igreja liderada por Edir Macedo possuía no começo dos anos 90.

Ele destaca especialmente a Igreja Mundial do Poder de Deus, em São Paulo, liderada por um dissidente da Universal, o apóstolo Valdemiro Santiago. ´Ela é o maior avivamento que tem hoje, lembra a Universal dos primórdios, tem um número impressionante de milagres.´

Além disso, ele destaca que as igrejas evangélicas não vão continuar crescendo em ritmo acelerado por muito tempo. ´As pessoas vão ser mais exigentes, a geração de evangélicos já vai querer algo mais do que uma cura, do que um bem material.´

Ele era o responsável pelas negociações entre a Universal e os políticos, mas hoje acha um erro lançar a candidatura de bispos e pastores. ´É trazer a sujeira da política para dentro da igreja´, diz ele, que ainda discorda do apoio de Macedo ao aborto.

Didini saiu da Universal em 1997, após se desentender com Macedo, e hoje mora em Portugal, onde está à frente da sua instituição, a Igreja do Caminho. Ele diz não guardar rancor do bispo. ´Queira ou não, ele é um vencedor.’’

 

Daniel Castro

Corrupção é perdoável com arrependimento, diz bispo

‘Para Edir Macedo, só a ´blasfêmia contra o Espírito Santo` não é passível de perdão

Líder da Universal e dono da Rede Record é favorável à legalização do aborto, pois isso ´diminuiria em muito a violência` que há no Brasil

Líder da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e dono da Rede Record, o bispo Edir Macedo Bezerra, 62, que tinha uma postura defensiva em relação à imprensa, concedeu entrevista à Folha por e-mail. Sua atitude ´silenciosa` teve início em 1995, quando a Globo exibiu ´Decadência` -minissérie que retratava um pastor corrupto, um ataque ao mais barulhento dos evangélicos.

Neste ano, para lembrar os 15 anos de sua prisão, sob a acusação de charlatanismo, curandeirismo e estelionato, Macedo resolveu dar as caras. Autorizou uma biografia e um documentário, a ser exibido amanhã pela Record. Há duas semanas, apareceu ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva, na inauguração da Record News, o primeiro canal de notícias aberto (e gratuito) do país.

A biografia começa a chegar na segunda-feira às livrarias.

´O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo` (editora Larousse) foi escrita por Douglas Tavolaro, diretor de jornalismo da Record, e por Christina Lemos, repórter da emissora. Em formato de reportagem, o livro sai com uma tiragem recorde de 700 mil exemplares (o dobro do mais novo ´Harry Potter´, por exemplo). Com 286 páginas, custa R$ 39,90.

O primeiro capítulo reconstitui a prisão em 1992. Para tanto, Macedo se dispôs a voltar ao distrito policial em que ficou detido durante 11 dias. No livro, ele explica porque ´comemora` a prisão: os dias de cadeia representaram sofrimento mas também uma guinada de sua igreja. ´Eu sabia que a prisão me traria enormes benefícios. Sabe por quê? Porque eu era a vítima, e a vítima sempre ganha. Nunca o algoz.`

Macedo concordou em dar entrevista a um veículo que não fosse de seu conglomerado de comunicação (além da Record, seu grupo detém dezenas de emissoras de TV, rádio e jornais) sem restrições a assuntos.

A entrevista, porém, foi feita por e-mail, intermediada por executivos da Record e membros da igreja. De acordo com seus assessores, Macedo estava fora do país.

Na entrevista a seguir, Macedo explica porque defende o aborto, bandeira que levantou durante a visita do papa ao Brasil, em maio. Diz que aceitaria um filho homossexual e que é a favor do uso de embriões pela medicina. Fala pouco de suas atividades políticas e muito da crença de que um dia sua Record vencerá a Globo.

FOLHA – O número de evangélicos vem crescendo ano a ano no Brasil, já são 15% da população. A que o sr. atribui esse fenômeno?

EDIR MACEDO – O número de evangélicos cresce porque o Evangelho oferece muito além de religião. Oferece qualidade de vida e vida em abundância.

FOLHA – O sr. tem planos de ajudar a eleger um evangélico à Presidência já nos próximos pleitos? O senador Crivella será candidato à Presidência em 2010 ou 2014? O sr. nunca pensou em ser candidato?

MACEDO – Depende do evangélico. Não sei [sobre Crivella candidato]. Não [pensou em ser candidato].

FOLHA – Há 20 anos, o sr. imaginava que um dia faria aliança política com o PT, como ocorreu em 2006, em torno da reeleição de Lula?

MACEDO – Nunca fiz aliança política com alguém. Apenas apoiei as pessoas em que eu acreditei.

FOLHA – De zero a dez, que nota dá ao governo Lula?

MACEDO – Quem sou eu para julgar o presidente da República?

FOLHA – Alguns políticos então da base da Igreja Universal, como o bispo Rodrigues, foram atingidos em cheio pelos escândalos do primeiro mandato de Lula. A corrupção não é um pecado imperdoável?

MACEDO – Jesus ensina que o único pecado imperdoável é a blasfêmia contra o Espírito Santo. Para os demais, há perdão, se houver arrependimento.

FOLHA – Para o papa Bento 16, o problema fundamental do mundo contemporâneo é uma crise de valores, onde o homem tenta ocupar o lugar de Deus. O sr. concorda com essa afirmação? Por quê?

MACEDO – Em alguns casos, acredito que ele tenha razão. Porque alguns mortais têm pensado que estão acima do bem e do mal. Mas, depois de mortos, o máximo que lhes resta é uma placa na praça onde os cães fazem xixi.

FOLHA – Em sua biografia, o sr. defende o aborto. Atualmente, a Record e a Record News exibem campanha pelo aborto. Por quê?

MACEDO – Sou favorável à descriminalização do aborto por muitas razões. Porém, aí vão algumas das mais importantes:

1) Muitas mulheres têm perdido a vida em clínicas de fundo de quintal. Se o aborto fosse legalizado, elas não correriam risco de morte;

2) O que é menos doloroso: aborto ou ter crianças vivendo como camundongos nos lixões de nossas cidades, sem infância, sem saúde, sem escola, sem alimentação e sem qualquer perspectiva de um futuro melhor? E o que dizer das comissionadas pelos traficantes de drogas?

3) A quem interessa uma multidão de crianças sem pais, sem amor e sem ninguém?

4) O que os que são contra o aborto têm feito pelas crianças abandonadas?

5) Por que a resistência ao planejamento familiar? Acredito, sim, que o aborto diminuiria em muito a violência no Brasil, haja vista não haver uma política séria voltada para a criançada.

FOLHA – ´Deus deu a vida e só Ele pode tirá-la´, segundo a Bíblia. Não é contraditório um líder cristão defender o aborto?

MACEDO – A criança não vem pela vontade de Deus. A criança gerada de um estupro seria de Deus? Não do meu Deus! Ela simplesmente é gerada pela relação sexual e nada mais além disso. Deus deu a vida ao primeiro homem e à primeira mulher. Os demais foram gerados por estes.

O que a Bíblia ensina é que se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele (Eclesiastes 6.3). Não acredito que algo, ainda informe, seja uma vida.

FOLHA – Qual seria sua reação se descobrisse que tem um filho homossexual?

MACEDO – Decepcionado. Mas não o rejeitaria de forma alguma. Tentaria ajudá-lo da melhor forma possível. Porque, se Deus respeita a livre opção de vida da criatura humana, por que não o faria eu?

FOLHA – O sr. é a favor do uso de embriões humanos pela medicina?

MACEDO – Sou a favor, sim.

FOLHA – Quanto a Igreja Universal investe por ano na Record? A emissora sobreviveria sem o dinheiro da igreja?

MACEDO – A Iurd é tão-somente uma cliente da Record, assim como a Igreja Católica é da Globo, da Cultura e tantas outras. A diferença é que a Iurd paga à Record e esta paga seus impostos ao governo. Eu creio que a Record sobrevive sem a Iurd.

FOLHA – O sr. acha mesmo possível a Record bater a Globo fazendo programação semelhante à da Globo?

MACEDO – O ´Hoje Em Dia` copia o quê da Globo? E o ´Tudo a Ver´? As novelas não são criações da Globo. Ela os copiou das mais antigas emissoras de TV e rádio. A antiga Rádio Nacional, Mayrink Veiga e outras mais tinham novelas e programas humorísticos. Portanto, dizer que copiamos a Globo é, no mínimo, falta de conhecimento histórico.

Quanto à possibilidade de bater a concorrente, basta olhar o passado. Quando compramos a Record, ela estava à beira da falência. Naquela época, você perguntaria da possibilidade de batermos o SBT? Quem diria que a Gol compraria a Varig? Portanto, eu creio muito na nossa capacidade de vencê-los.

FOLHA – O que quis dizer com ´cutucar o fígado até ela cair´, referindo-se à Globo?

MACEDO – Na luta contra Golias, Davi usou uma pedrinha. Numa luta de boxe, a desvantagem do menor pode tornar-se em vantagem. Nesse caso, a opção é ir batendo no fígado do maior.

FOLHA – O sr. tem ódio da Globo? Como classifica a cobertura que ela fez de sua prisão, em 1992, e a exibição da minissérie ´Decadência´?

MACEDO – Eu não tenho ódio de ninguém, senão do diabo e seus espíritos. Há mais de três décadas que não assisto à Globo. Apenas recebo informações de terceiros do seu trabalho. Até porque não sou idiota, como julgou seu diretor de jornalismo William Bonner aos que o vêem.

FOLHA – Como um funcionário da Lotérica do Rio se tornou um milionário? O sr. seria rico como é se não fosse o líder da Igreja Universal?

MACEDO – Eu tinha dois anos na Lotérica do Rio quando tive um encontro com meu Senhor e Salvador Jesus Cristo. A partir de então, aprendi que a riqueza de um homem não consiste nos seus bens materiais. Nesse aspecto, chamar-me de milionário é, no mínimo, um insulto. Porque, como filho e parceiro do Deus Vivo, ninguém neste mundo pode se considerar mais rico do que eu. Pode até ser igual, mas não mais.

Quanto ao sucesso econômico a que você se refere, posso lhe garantir que até hoje ninguém contou meu dinheiro para me considerar assim. Mas, conforme o dito popular: fama de rico e valente não se desmente, sigo caminhando e colocando em prática a sabedoria, inspiração e coragem que vem do Alto e conquistando para a Sua exclusiva glória.

FOLHA – Como o sr. pagou a Record?

MACEDO – Tudo está devidamente declarado no Imposto de Renda.

FOLHA – O sr. recebe salário da igreja? Quanto?

MACEDO – Eu vivo de ajuda de custo da igreja e direitos autorais.

FOLHA – Por que o sr. não mora mais no Brasil?

MACEDO – Porque meu trabalho está além das fronteiras.’

 

Marcelo Beraba

Não queremos destruir a Globo, afirma Crivella

‘O senador Marcelo Crivella (PRB), sobrinho do bispo Edir Macedo, é hoje a maior liderança política da Universal. Na entrevista, reforçou os ataques de Macedo ao que chama de monopólio da Globo: ´Não se trata de destruir` a emissora, diz, mas de ´oferecer uma alternativa de qualidade´.

FOLHA – O senhor avalia que houve uma melhora na imagem da igreja nestes últimos anos?

MARCELO CRIVELLA – Creio que sim. Com erros e acertos, virtudes e defeitos, mas sobretudo com fé nos ensinamentos de Cristo, a igreja mostrou que é um dos maiores movimentos sociais do país.

FOLHA – O bispo Macedo reconheceu que o episódio dos chutes na imagem de Nª Sra. foi o maior erro da igreja. Ela mudou depois?

CRIVELLA – A Universal está mais transparente e madura. Talvez no passado os métodos de expressar a fé tenham excedido, por imaturidade, os limites da prudência que lhe fossem recomendados.

FOLHA – O sr. fala em transparência. Por que os dados sobre os recursos que arrecada com o dízimo não estão disponíveis?

CRIVELLA – De certa forma estão. Basta observar a quantidade de igrejas construídas e alugadas, os milhares de pastores e funcionários, as dezenas de programações no ar e o incansável trabalho social.’

 

NOVAS REGRAS
Folha de S. Paulo

TV por assinatura pagará em dobro cobrança errada

‘As empresas de televisão por assinatura terão de devolver em dobro e em dinheiro cobranças indevidas dos clientes. A regra está no Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes de Televisão por Assinatura, aprovado quinta pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

As empresas serão obrigadas a ter um telefone gratuito para reclamações e tem de dar informações ou resolver os problemas em cinco dias.

As regras valem a partir de abril de 2008 e rendem multas de até R$ 40 mil se não forem cumpridas.

Alterações no plano contratado têm que ser informadas aos clientes até 30 dias antes da mudança e o consumidor não é obrigado a continuar no plano. No contrato, devem constar ainda os índices e a periodicidade de reajustes.

Em caso de interrupção do sinal por mais de 30 minutos, será abatido o valor proporcional ao tempo em que o assinante ficou sem o serviço.

O usuário poderá pedir, uma vez por ano, a suspensão do serviço por até quatro meses sem pagar nada.’

 

DUAS CARAS
Laura Mattos

Audiência opõe Aguinaldo Silva e Ibope

‘´O problema não é com a novela, é com a televisão. As pessoas estão comprando TVs de plasma para deixarem desligadas ou para verem filmes. E ainda tem o Messenger e o Orkut.´

A justificativa de Aguinaldo Silva à baixa audiência inicial de ´Duas Caras´, publicada na Folha na semana passada, não tem base em números do Ibope dos últimos anos, segundo o instituto, único a realizar esse tipo de medição.

De acordo com o Ibope, as pesquisas não demonstram que a TV brasileira esteja perdendo audiência. ´Não temos indícios de que as pessoas estejam desligando os televisores e fazendo outras atividades´, afirmou à Folha, por e-mail, Antonio Ricardo Ferreira, diretor-executivo do Ibope Mídia.

Ele diz não haver evidências de queda significativa nem no números de televisores ligados nem no tempo médio que cada indivíduo assiste à TV por dia.

Em 2003, eram três horas e 45 minutos na Grande SP. No primeiro semestre deste ano, foram três horas e 49 minutos. Na medição nacional, o total de televisores ligados no dia todo era de 32,95%. Em setembro deste ano, foram 32,92%.

Sempre de acordo com o Ibope, também não houve oscilação representativa no horário nobre (das 18h às 23h), no qual a novela das oito se insere. No primeiro semestre deste ano, 65,4% das TVs estavam ligadas no horário. É menos do que em 2006 e 2005 (67,6 e 67,3), mas está no mesmo patamar de 2004 e 2003 (65,5 e 65,7).

No horário da novela das oito (entre 21h e 22h), este ano aponta que 67% das TVs estão ligadas. É menos do que em 2006 e 2005 (ambos com 70%), mas próximo ao resultado de 2004 (68%), conforme mostra a tabela ao lado.

O Ibope indica que a Globo teve uma queda de audiência e de participação no total de ligados no horário da novela. Isso aconteceu também com o SBT. Record, Band e Rede TV! ganharam telespectadores.

Ao ser informado pela Folha sobre o levantamento do Ibope, Aguinaldo Silva respondeu: ´O Ibope vai sempre dizer o contrário, mas a conta deles é complicada demais, e a nossa pode ser simples assim: nos tempos de ´Senhora do Destino` [novela anterior de Silva, de 2004/05, recordista de audiência], a percentagem de aparelhos ligados só baixava de 70 aos sábados e chegava a 80 nos dias normais. Agora, nos dias normais, como segunda e terça passadas, não passou de 65. E no sábado baixou de 60 -deu 58. Me diz, então: de lá para cá, baixou ou não baixou?´.

Silva foi contundente: ´Não estou implorando para que os que não estão vendo nenhum dos canais convencionais ou a TV a cabo corram para ver minha novela. O que eu quero é que alguém me diga o que é que elas estão vendo… Meu interesse é puramente sociológico´.

Ferreira, do Ibope, apesar de não comentar diretamente o desempenho de um programa, afirmou: ´Em alguns dias da semana passada, houve uma queda do total de ligados, durante algumas horas do horário nobre, quando comparados a semanas anteriores recentes. Mas, com as pesquisas que produzimos, não é possível afirmar que seja um fenômeno permanente, muito menos que esteja relacionado a uma mudança de hábito do indivíduo´.

Ele afirma que mudanças de hábitos precisam estar sustentadas ´por períodos de análises longos (…) como audiência menores de início de novelas´.

O desempenho da novela das oito da Globo piorou à época de ´Páginas da Vida` (2006/ 07). Na seqüência, vieram ´Paraíso Tropical` (2007) e ´Duas Caras` (estréia em 1º/10).

Manoel Carlos, autor de ´Páginas´, afirmou à Folha, por e-mail: ´Não tenho nenhuma informação segura sobre a diminuição significativa de audiência nas novelas, mas o Aguinaldo, sempre antenado, certamente dispõe de dados confiáveis para fazer essa afirmação´.

´Duas Caras` começou mal no Ibope, chegou a baixar para 33 pontos e está com 37 de média (40 seria um nível razoável). Mas está subindo. Na última quarta (nono capítulo) marcou 41 pontos de média e foi sintonizada por 61% das TVs ligadas na Grande SP.

Nova pesquisa

O Ibope mede a audiência da TV paga, além de constatar quando o televisor está ligado em DVD ou videogame. Mas o tempo dedicado a outros aparelhos e canais fechados ainda é baixo diante da TV aberta.

O instituto está elaborando pesquisa sobre hábito do público, para saber, por exemplo, se quem está com a TV ligada realmente vê a programação ou se usa o computador no horário. Há uma discussão mundial sobre a tendência de a TV convencional perder espaço para outras mídias, e isso já é constatado em pesquisas nos EUA.’

 

PAULO AUTRAN
Folha de S. Paulo

Morre o grande ator brasileiro

‘O ATOR Paulo Paquet Autran, 85, morreu ontem, às 16h10, no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, vítima de câncer e enfisema pulmonar. O velório teve início na noite de ontem na Assembléia Legislativa, e o corpo do ator será cremado hoje, às 11h, na Vila Alpina. Segundo sua mulher, Karin Rodrigues, ele pediu que fosse divulgado que o cigarro causou sua morte. ´Paulo fumava dois maços por dia e tentava parar, mas não conseguia´, disse a atriz, casada com Autran desde 1999. ´Ele não tinha medo de morrer. Há quase um mês, desejava a morte e dizia: ´a vida está ruim, e não consigo respirar´, acrescentou Rodrigues.

A doença fez com que, em junho último, Autran interrompesse a temporada de ´O Avarento´, sua 90ª e última produção em 58 anos de carreira profissional. Desde 2003, ele já havia passado por várias internações devido a problemas respiratórios e do coração.

Aliando talento e técnica às funções de diretor e produtor, em linha histórica que vai do TBComédia à cena contemporânea, Autran foi a grande referência do moderno teatro brasileiro. A imagem do artista propositivo, de humor ácido e fumante inveterado o acompanhou até os últimos dias -independentemente da debilidade física, segundo relatos de amigos mais próximos. Autran mantinha planos para o início de 2008: um solo com poemas, como o bem-sucedido ´Quadrante` (1988), ou um espetáculo com a mulher, a atriz Karin Rodrigues, com quem era casado desde 1999.’

 

Valmir Santos

Autran fundiu-se à fase moderna do teatro brasileiro

‘´Bom no drama e bom na comédia` -assim prenunciou o crítico Décio de Almeida Prado em 1953 sobre Paulo Autran. Seis anos antes, o ator iniciara a carreira no teatro amador, dirigido por Madalena Nicol em ´Esquina Perigosa´, do britânico J.B. Priestley, em que contracenou com a irmã do bibliófilo José Mindlin, Esther.

Mas a vontade de representar remonta mesmo à infância, quando Paulo brincava de teatro em casa com primos. Criavam cenas para os adultos adivinharem do que se tratavam.

´Minha primeira entrada em cena, o primeiro papel que fiz na vida, foi de demônio. Tinha uns oito anos, botei um chinelo vermelho da minha tia, um calção vermelho de pano, e minha tia fez uns chifrinhos de papel pintado de preto; me desenharam um bigode na cara e eu representei um demônio´, afirma, no livro de entrevistas ´Um Homem no Palco` (1998), do ator e crítico Alberto Guzik.

Filho de delegado e de uma dona-de-casa autodidata que tocava piano, Paulo Paquet Autran nasceu em 7 de setembro de 1922, no Rio de Janeiro. Aos seis anos, a família se mudou para São Paulo. Como muitos artistas de sua geração, formou-se em direito. Chegou a trabalhar num escritório de advocacia, mas pouco tempo depois abandonou a profissão.

A fase amadora também foi curta, de 1947 a 1949. Logo se profissionalizou, dando início a uma trajetória que se confundiu com a evolução do moderno teatro brasileiro.

No fim de 1949, passou a integrar o Grupo de Teatro Experimental (GTE), de Abílio Pereira de Almeida. Na fase áurea do TBC, atuou em produções importantes, como ´Seis Personagens à Procura de um Autor´, de Pirandello, com direção do italiano Adolfo Celi. Ao lado do próprio e de Tônia Carrero, criou em 1956 a Companhia Tônia-Celi-Autran, que estreou com ´Otelo´, de Shakespeare, e durou cinco anos.

Além de Tônia, contracenou com outras grandes atrizes como Cacilda Becker (´Antígone´, 1952), Bibi Ferreira (´My Fair Lady´, 1962), Maria Della Costa (´Depois da Queda´, 1964), Cleyde Yáconis (´Édipo Rei´, 1967) e Eva Wilma (´Pato com Laranja´, 1979).

Com Fernanda Montenegro, fez parceria só na TV, veículo que ele desprezava. Mas as pequenas incursões possibilitaram ao menos a antológica seqüência cômica de ´Guerra dos Sexos` (1983), em que Autran e Montenegro atiram tortas no rosto um do outro.

Nova geração

Entre os diretores com quem atuou, estão Flávio Rangel (´Liberdade, Liberdade´, 1965), Ademar Guerra (´O Burguês Fidalgo´, 1968), Silnei Siqueira (´Morte e Vida Severina´, 1969), Fauzi Arap (´Macbeth´, 1970), Antunes Filho (´Em Família´, 1972), Celso Nunes (´Equus´, 1975) e José Possi Neto (´Feliz Páscoa´, 1985).

A partir do final dos anos 80, passou a dialogar com a geração mais recente de encenadores, alguns inclusive de perfil experimental ou vinculados a grupos, como Eduardo Tolentino de Araújo, do Tapa (´Solnes, o Construtor´, 1988), Paulo de Moraes, da Armazém Companhia de Teatro (´A Tempestade´, 1994), Ulysses Cruz (´Rei Lear´, 1996) e Felipe Hirsch, da Sutil Companhia de Teatro (´O Avarento´, 2006).

Mas é no solo ´Quadrante` que o público se aproximou mais de Paulo Autran em carne e osso, sem propriamente a mediação de um personagem.

Desde 1988, ele entremeou as temporadas das peças que produziu com viagens pelo Brasil para apresentar seu ´show´, como preferia definir ´Quadrante´, ao qual o dramaturgo Plínio Marcos certa vez assistiu e o aconselhou a incorporá-lo ao repertório.

Ao consagrar poetas, cronistas e romancistas diletos em ´Quadrante´, Autran expôs a condição de devoto da palavra. Homem de técnica apurada no uso de pausa, ritmo e dicção, ele era dono de uma das mais bem preparadas vozes do país. Por isso a coleção de registros em disco, prosa e verso, desde a década de 1950, em recitações para Pessoa, Drummond, Bandeira. Segundo Autran, o ator não tem direito ao próprio corpo e nem ao próprio rosto, mas sua voz é inconfundível.

Autran era um artista da palavra. Todo espetáculo em que atuou ou dirigiu principiava pela leitura de mesa. Era em volta dela, na sala de seu apartamento, que submetia autores contemporâneos ao teste. Na escuta, orientava enunciações e torcia pelo colorido de diálogos ou solilóquios.

´No dia em que, na minha casa, estudando uma cena do Creonte de Anouilh, descobri que o ator é ´dono das palavras` e pode fazer com elas o que quiser, descobri ao mesmo tempo o valor da pausa, ou de sua supressão, que o sentido de uma palavra é o que o personagem quiser lhe atribuir naquele momento. Então, comecei a perceber a verdadeira função do ator, do intérprete, enfim, o que é ser ator´, escreveu na fotobiografia ´Paulo Autran – Sem Comentários´, publicada em 2005.

GRUPO FARÁ HOMENAGEM AO AR LIVRE

Estava previsto para hoje à noite uma homenagem a Autran no Espaço dos Satyros, às 21h, na praça Roosevelt, centro de São Paulo, como parte de ´Satyrianas – Uma Saudação à Primavera´, maratona teatral que começou na quinta.

´Vamos distribuir flores brancas a quem comparecer. Cada atividade do evento será dedicada a ele e, na hora em que o Paulo receberia a homenagem no nosso espaço, vamos ao ar livre, na praça, para uma celebração póstuma. Afinal, ele foi o cara que sempre celebrou o teatro´, diz o diretor Rodolfo García Vázquez, que espera atrair para o lugar outros elencos da cidade. Mais informações em satyros.uol.com.br.’

 

Walmor Chagas

Existência do ator é uma honra para nós

‘Paulo Autran é mais do que um grande ator, é um estilo. É impossível desvincular Paulo Autran da moderna forma de atuar dos nossos atores, que começou com a introdução de Stanislavski por diretores estrangeiros no TBC, ao mesmo tempo em que diretores, também estrangeiros (Lee Strasberg, Elia Kazan), introduziam o método nos EUA, lá aplicado ao cinema.

No Brasil, foi no teatro que vimos essa nova atuação cinematográfica, interiorizada, econômica na expressão das emoções. E Paulo representou essa modernidade internacional em todas as suas atuações: percebia-se, pela primeira vez, que havia inconsciente freudiano nos personagens que representava, ou seja, eles pensavam antes de falar. Sempre admirei tanto o ´estilo Paulo Autran` que me cuidava ao atuar para não parecer que o estivesse ´copiando´, quando, sem querer, talvez estivesse. É uma honra para nós, brasileiros, a sua existência em nossos palcos.

WALMOR CHAGAS , 76, é ator e foi colega de Autran no TBC’

 

Fernanda Montenegro

Nossa geração vai perdendo sua infantaria

‘Paulo e eu trocamos cartas recentemente. Tinha enviado a ele algumas fotos de ´Guerra dos Sexos` e recebi de volta um texto curto, mas muito amoroso, em que ele diz que tinha parado… Bateu-me um sentimento de finitude, uma coisa muito forte, estressante, dura, terrível.

Mas depois o achei muito feliz naquelas palavras. Ele dizia que tinha parado a vida de ator fazendo Molière, com casa cheia.

Aquela felicidade de ator que é amado, entendido pelo povo, com uma história no teatro. ´Eu terminei, Fernanda, na glória.` Assisti a quase tudo que o Paulo fez. Nunca trabalhamos juntos no palco. Porque a gente tem sonhos de lidar com alguns colegas, mas uma vida é pouco. Sabe-se que um dia a gente ´vai´, mas é só na hora que nos damos conta do forte sentimento de baixa numa geração como a nossa; um exército que vai perdendo sua infantaria. Como o Paulo, o Raul Cortez, o Gianfrancesco Guarnieri, todos companheiros muito queridos.

FERNANDA MONTENEGRO , 77, é atriz’

 

Bibi Ferreira

Deveríamos fechar o teatro em memória

‘Eu e o Paulo trabalhamos juntos em dois musicais que marcaram nossas carreiras. Em 1962, fizemos ´My Fair Lady´, ao lado de Jaime Costa, Elza Gomes, Marília Pêra, Sérgio Viotti e outros, com direção de Victor Berbara.

Dez anos depois, foi a vez de ´O Homem de La Mancha´, dirigido por Flávio Rangel.

Uma coisa maravilhosa na vida do Paulo é que ele nunca cedeu em fazer algo mais fácil para angariar mais. Sempre trabalhou com uma decência artística incrível. É um exemplo de vida de um homem de teatro. Ele se dizia ´apenas` um homem de teatro, mas era um verdadeiro homem de teatro. Acho que nós, da classe teatral, deveríamos fechar os teatros em respeito à memória desse homem fantástico. Não sei se Paulo aprovaria, mas é um luto para o teatro nacional.

Paulo era digno não só sobre o palco mas fora dele, fazendo questão de transmitir aos colegas, nos bastidores, respeito para entrar em cena e receber os aplausos mais merecidos. Era cavalheiro, homem educado e alegre.

Lembro-me que em ´My Fair Lady` ele sofreu um acidente e ficou semanas num hospital. Ele superou aquela fase, porque era um homem otimista. Quando via que não podia com a saúde, logo se tratava para voltar ao palco.

Paulo Autran foi o maior ator do moderno teatro brasileiro. Perdemos um grande amigo, representante da geração de força que atravessou décadas.

BIBI FERREIRA , 85, é atriz e diretora de teatro’

 

PAULO AUTRAN SOBRE:

‘MORTE

Acho que a morte é que faz a vida ser tão boa. Já imaginou que horror viver eternamente? Para sempre? Não poder morrer, não poder acabar? E é por isso que viver é tão bom, é tão impressionante, é tão prazeroso

´Jornal Hoje` (Globo), abril de 2007

VELHICE

Desisti de cuidar da minha velhice, ela é que vai ter que me aturar

programa ´Vitrine` (TV Cultura), novembro de 2003

SI MESMO

Sou carioca de nascimento, por acaso. Eu sou paulista

´Jornal Hoje` (Globo), em abril de 2007

Todo artista é louco, toda pessoa muito inteligente é louca, toda pessoa que tem uma curiosidade que é sinônimo de inteligência maior que a dos outros é louca. E o que é ser normal? Deve ser horrível ser normal. Eu dou graças a Deus por ser bastante louco. Acho que todo ator é um pouco louco

Folha, setembro de 1997

TELEVISÃO

Não vou fazer TV nunca mais. Enjoei

Folha, julho de 2005

Eu quando vejo televisão não consigo tirar os olhos. Fico vendo todos os anúncios, tudo o que acontece. É muito chato. Estou cansado de ficar olhando fixamente para aquele aparelho. […] Há oito anos não vejo TV

Revista ´IstoÉ Gente´, maio de 2003

A PROFISSÃO

O ator que adere ao preconceito de dizer que não faz determinado gênero se limita demais. […] O ator que não se renova está fadado ao declínio total

Folha, março de 1997

FAMÍLIA

A Karen [Rodrigues, mulher de Paulo Autran] fica furiosa quando digo isso, mas dou graças a Deus por não ter tido filhos. A maioria dos meus amigos que têm filhos não são bem filhos, são problemas. Quer dizer, desses problemas eu me livrei

´Jornal Hoje` (Globo), em abril de 2007

Me relacionava pouco com meu pai até que ele foi internado no hospital. Eu tinha 37 anos. Fui passar seis noites com ele porque ele não dormia de tantas dores. Nessas seis noites eu realmente conheci meu pai e fiquei amigo dele, até ele morrer.

Revista ´IstoÉ Gente´, maio de 2003

A CRÍTICA

Às vezes, leio elogios a interpretações monocórdicas, unilaterais. Os críticos não percebem a riqueza que a interpretação de um papel pode ter. Vocês me desculpem falar isso na frente de vocês. A crítica não se interessa mais por certas coisas do teatro que continuam sendo essenciais para um espetáculo

Na sabatina da Folha, em novembro de 2005

ZÉ CELSO

Ele [José Celso Martinez Corrêa] faz um teatro muito específico. Sei que tem muita gente que vai, fica encantada, mas, para mim, não interessa muito. Entrar no teatro para ver dois rapazes se masturbando, não me interessa absolutamente. Mas muita gente gosta. Masturbação parece que atrai público

Na sabatina da Folha, novembro de 2005

PUBLICIDADE

Não faço porque não me convidam, pagam muito bem, é ótimo. Vejo esses anúncios aí dos bambambãs da TV atualmente, digo: ´Puxa, ganhou dinheiro, ficou rico com esse comercialzinho´. Fernanda Montenegro ganha uma fábula com cada comercial que faz. Não sei, não querem velho fazendo anúncio, não têm me convidado.

Na sabatina da Folha, em novembro de 2005′

 

Sérgio Salvia Coelho

Autran era a paixão em cena

‘Paulo Autran será sempre a referência do ator brasileiro. Foi o homem certo na hora certa, em vários momentos-chave. Quando o teatro Copacabana precisou de um galã, em 1949, estreou como Zeus, já atraindo todas as atenções, em ´Um Deus Dormiu Lá em Casa´. De Otelo ao Avarento, viabilizou o repertório clássico, sempre atento aos diretores, dramaturgos e atores novos.

Talvez de sua formação em direito tenha vindo seu amor pela palavra clara, pelo gesto elegante, pela persuasão serena. Quem o viu em cena guarda, independente da qualidade do texto, a memória viva de sua inteligência, sem nunca perder a discrição nem o contato com o colega de palco.

Tido como vaidoso, nunca era fútil: tinha um orgulho imenso de sua profissão, sempre atento para que ela não fosse subestimada. Na sabatina da Folha, em 2005, lamentou que a crítica não pudesse se dedicar mais à avaliação de cada entonação, limitando-se ao culto de personalidades.

Tendo sido formado por atores-diretores no Teatro Brasileiro de Comédia, soube, enquanto diretor, retribuir a generosidade, exigindo marcas precisas, valorizando o ator antes do espetáculo. Interessava-se por um tema, sem se preocupar com o sucesso -basta citar as várias vezes que voltou, enquanto ator e diretor, a encenar os ´Seis Personagens à Procura de um Autor´, de Pirandello.

Sua técnica, apurada ao longo de décadas, em uma dedicação constante, guardava um selo de qualidade inconfundível. Mas Paulo Autran não era apenas um nome nem mesmo um rosto: era uma paixão em cena. Usasse ele as cartas que tinha na manga ou se aventurasse por caminhos novos, nunca deixava de transparecer o prazer que tinha ao interpretar. Era emocionante, no ato final de ´O Avarento´, sua última montagem, vê-lo sentando em cena, assistindo a seus colegas: uma generosidade não só com iniciantes mas com a profissão.

Deixa assim um modelo inequívoco de como deve ser um ator: culto, estudioso, capaz de traduzir os textos estrangeiros que encena, capaz de dirigir seus colegas sem impor seu estilo pessoal, sempre atento ao que acontece nos palcos do mundo, seja na Broadway ou na praça Roosevelt, que freqüentava também, e que agora lhe faz uma homenagem não planejada como póstuma.

Apesar de tantas décadas de serviço, não deixa a impressão de uma carreira consumada: tinha uma grande pilha de textos na gaveta e uma fila na bilheteria sempre pronta a ser formada. Pena que a imortalidade que advém do talento seja apenas simbólica. Paulo Autran atravessaria o novo século sem se esgotar, sempre se reinventando, sempre redescobrindo o prazer de estar em cena. Talvez a melhor homenagem a Autran seja considerar ´Hamlet` sua grande criação: uma montagem que ainda não tinha feito.

Não são poucos, felizmente, os que seguram o bastão nessa dura corrida de revezamento que é o teatro brasileiro. Uma corrida sem chegada, na qual a vitória não é a do primeiro apenas mas de todos os que galvanizam a platéia com o prazer do corpo em movimento. A vida de Paulo Autran sempre foi o teatro. Então, Paulo Autran não morrerá nunca.’

 

Sérgio Rizzo

Pouco lembrada, filmografia é consistente

‘Durante entrevista coletiva concedida em intervalo das filmagens do filme ´Redbelt´, em Los Angeles, em junho deste ano, um jornalista perguntou a Rodrigo Santoro quais eram os atores que mais admirava.

´Entre os homens, Paulo Autran´, respondeu Santoro, provocando expressões de curiosidade. ´Vocês não o conhecem, mas é o maior ator brasileiro.` Depois, citou Fernanda Montenegro -essa eles conheciam.

O episódio lembra que a carreira cinematográfica de Autran não teve um êxito internacional como o de ´Central do Brasil` (1998), de Walter Salles, que valeu a Montenegro o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim, uma indicação ao Oscar e o reconhecimento em diversos quadrantes.

Em outros tempos, talvez ainda fosse possível, no exterior, se lembrar de Autran em ´Terra em Transe` (1967), de Glauber Rocha. Hoje, seria pedir muito de repórteres que cobrem Hollywood. Apesar disso, e ainda que o teatro e a TV a deixem em segundo plano, sua filmografia é consistente.

23 vezes no cinema

Do advogado que interpretou em ´Appassionata` (1952), de Fernando de Barros, ao professor de ´O Passado` (2007), de Hector Babenco, foram 20 participações como ator e três como narrador. O populista Porfírio Diaz, que se torna ditador do fictício Eldorado de ´Terra em Transe´, se destaca como o personagem mais forte.

Comédias como ´Uma Pulga na Balança` (1953), de Luciano Salce, ´Destino em Apuros` (1954), de Ernesto Remani, e ´As Sete Evas` (1962), de Carlos Manga, sugerem que poderia ter feito carreira mais longa nesse gênero.

Babenco, por sinal, guarda ótima lembrança de sua participação em ´O Passado´. ´Ele me disse: não há personagens pequenos, há personagens bons e personagens ruins. Ele se vestiu, criou seu próprio personagem, inspirado em Jacques Tati. Fez uma espécie de acadêmico aloprado.`

Em Portugal, Autran estrelou a produção francesa ´Vertiges` (1985), de Christine Laurent, inédita no Brasil. ´Não fiz mais cinema, na verdade, porque não tive convites para filmar´, disse ao crítico Alberto Guzik no livro ´Um Homem no Palco´. ´Penso que durante muito tempo os diretores de cinema achavam que ator de teatro não deve fazer cinema.` Azar dos diretores.

Colaborou SILVANA ARANTES , da Reportagem Local’

 

Laura Mattos

´Enjoado` da TV, ator brilhou em ´Guerra dos Sexos´

‘Quando lançou, em 2005, seu programa de rádio, ´Quadrante´, da Bandnews FM, Paulo Autran aproveitou para responder à Folha quais eram seus planos para a televisão: ´Nenhum, não vou fazer TV nunca mais. Enjoei´. Por quê? ´Não quero falar mal da televisão. Me poupe´, respondeu.

Na TV, o papel mais marcante foi na novela ´Guerra dos Sexos` (1983), de Silvio de Abreu. Era primo da personagem de Fernanda Montenegro, e os dois brigavam em cenas pastelão, como a antológica na qual um joga torta na cara do outro.

À Folha, Autran disse estar disposto a fazer com a colega a versão cinematográfica da novela, plano que a Globo abandonou. Em 87, ele teve ótimo momento como Aparício, em ´Sassaricando´, também de Abreu. O personagem namorava três amigas (Tônia Carrero, Irene Ravache e Eva Wilma).

Além dessas novelas, na Globo esteve também em ´Pai Herói` (1979), no ´Você Decide` (1999), na minissérie ´Hilda Furacão` (1998) e, por fim, fez uma participação, como ele mesmo em ´Um Só Coração` (2004). Atuou ainda nas novelas ´Os Imigrantes` (1981/82), da Band, e ´Brasileiros e Brasileiras` (1990), do SBT.’

 

REPERCUSSÃO

‘LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E MARISA LETÍCIA, presidente da República e primeira-dama:

´Paulo Autran nos deu o privilégio de apreciar seu talento em momentos inesquecíveis do teatro, cinema e da TV. Engrandeceu a dramaturgia e o Brasil com interpretações, que fizeram rir, chorar e refletir.`

TÔNIA CARRERO, atriz:

´Não posso falar, se eu falar qualquer coisa vai ser trêmula e esquiva. Não quero falar.`

CLEYDE YÁCONIS, atriz:

´É uma tragédia perder um Paulo -o teatro da idéia, da mensagem. Sou espiritualista. Acho que [a carreira dele] não era uma profissão, era uma missão. E ele cumpriu.`

SÉRGIO BRITTO, ator:

´Mesmo os mais invejosos concordavam que Paulo era o maior ator brasileiro. Era um ícone. Ficar um ano em cartaz hoje com uma peça de Molière, como ´O Avarento´, é só para um ator solidamente querido.`

MARIA DELLA COSTA, atriz:

´Era um companheirão, que viveu para sua arte e respeitou sua profissão. É um exemplo para os jovens. Nossa geração enfrentou duas ditaduras terríveis: a de Getúlio e a militar. Mas Paulo é prova de que o teatro jamais morrerá.`

SÁBATO MAGALDI, crítico:

´Por sua capacidade de fazer tanto peças clássicas quanto modernas, foi um dos maiores talentos do palco brasileiro.`

MARÍLIA PÊRA, atriz:

´Ele é inesquecível. Ele ia se apresentar no teatro mesmo quando estava doente, sem voz. São coisas que um ator qualquer não faz, e essa foi uma lição que ele me ensinou.`

CÁSSIO SCAPIN, ator:

´Fazer com ele ´Visitando o Sr. Green` foi maravilhoso. Além de trabalhar com um grande ator, ganhei um amigo. Paulo é um artista que viveu e morreu como queria: no palco.`

CELSO FRATESCHI, ator e presidente da Funarte:

´Foi uma pessoa muito importante na minha vida. Como homem público, é sinônimo de teatro. Para ele, acho que [a morte] foi um sossego, porque estava sofrendo muito com a doença. Mas, para todos nós, é uma perda irreparável.`

ANTÔNIO ABUJAMRA, ator:

´Paulo foi um ator que todos gostaríamos de ser. Ele sempre ajudou a todos, foi um caminho a ser seguido. Trabalhou comigo numa peça com generosidade fantástica. Tinha uma voluptuosidade invejável em cena.`

HECTOR BABENCO, cineasta:

´Uma perda capital, um Brasil que se vai. Fica o Brasil da barbárie imperando.’’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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