Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Governo mineiro nega pressão sobre a mídia

A crise no relacionamento entre jornalistas e a Secretaria de Comunicação do governo de Minas foi parar no Ministério Público Federal. A denúncia foi oferecida pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas diante das informações, nos últimos meses, de que o governo mineiro estaria intervindo diretamente nas redações e até exigindo demissão de jornalistas que teriam desagradado o governador Aécio Neves. Nesta entrevista, o subsecretário de Comunicação Social do governo mineiro, jornalista Eduardo Guedes, desmente as denúncias.

Guedes vê em tudo uma ação orquestrada para fragilizar a figura do governador Aécio e critica o Sindicato dos Jornalistas de Minas, que se estaria aproveitando do caso para ‘abrilhantar uma gestão que não é muito boa’. O secretário admite, porém, que é prática do atual governo reclamar, e reclamar muito, das notícias publicadas pela imprensa que não tragam as informações corretas e as devidas contextualizações. Mas garante que ninguém do atual governo jamais pediu a cabeça de qualquer jornalista.

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São várias as denúncias em Minas de ações por parte do governo do estado de censura a jornalistas. O governo teria agido e pedido a cabeça de jornalistas como Jorge Kajuru, da Band, Marco Nascimento, ex-diretor de Jornalismo da TV Globo em Belo Horizonte, e do ex-editor de Economia do Estado de Minas, Ugo Braga. O governo tem interferido nas redações e pedido a cabeça de jornalistas que desagradam a Aécio Neves?

Eduardo Guedes – Nunca houve isso. Recentemente, falando ao jornal do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, eu disse que em Minas falta uma coisa fundamental nesta história: os fatos. Como secretário de Comunicação, jamais recebi reclamação de quem quer que seja sobre qualquer distorção que tivesse havido por parte de uma autoridade do governo ou técnicos da nossa secretaria em relação à ocorrência de censura ou pressão política. Jamais. Tive conhecimento de que essas denúncias chegaram ao Sindicato em Minas e que foram analisadas pela Comissão de Ética. Mas nós nunca fomos demandados, seja pessoalmente, por carta ou qualquer documento para falar sobre isso junto ao Sindicato. E esta reclamação eu fiz pessoalmente ao presidente da entidade, Aloísio Lopes. Não houve reclamação formal do sindicato. Existem denúncias em off que eventualmente apareceram lá e que estariam sendo apuradas. São informações do tipo ‘ouvi dizer que…’, ‘fiquei sabendo que isso aconteceu’, mas que na verdade carecem de uma apuração, jornalística inclusive, mais rigorosa. As edições do Pauta [jornal do Sindicato dos Jornalistas mineiro] que trataram do assunto lamentavelmente não exercitaram o bom princípio do jornalismo de nos dar espaço no momento preciso para responder às denúncias. Eu, como secretário de Comunicação, não conheço nenhuma denúncia concreta vinda diretamente de redações. Nos casos que você citou, nós, por dever de responsabilidade, apuramos.

E o que descobriram?

E.G. – No caso do senhor Jorge Kajuru, por exemplo, não identificamos absolutamente ninguém do governo do estado de Minas Gerais que tenha falado com alguém da direção nacional da Rede Bandeirantes sobre ele. Este fato simplesmente não aconteceu. No dia do jogo Brasil x Argentina, eu estava com o governador Aécio Neves no Mineirão juntamente com a irmã dele, Andréa Neves, a quem se imputa esta acusação. Era um megaevento, dificílimo de ser conduzido. As pessoas que estavam ali envolvidas não tinham a menor chance de saber o que o jornalista Jorge Kajuru estaria fazendo ao vivo naquele momento e muito menos pegar um telefone no meio daquela confusão e fazer uma reclamação ao presidente da Rede Bandeirantes. Conversei recentemente com o diretor de redação da Band, Fernando Mitre, querendo saber se houve alguém que tenha ligado para a direção da emissora e feito a tal reclamação. Não houve nada. E eu lamento muito que os veículos não falem. Porque a única maneira de se apurar o que ocorreu nestes casos é que a outra parte, o veículo, fale.

Mas o próprio Kajuru diz que sua saída da Band foi motivada por uma ação do governo de Minas…

E.G. – A ação do governo de Minas não se dá de maneira aleatória e subjetiva. Alguém tem que ter feito esta ação e nós, até agora, depois de uma intensa apuração, de pedidos, de solicitação de explicações, não chegamos a quem possa ter feito isso. Conversei pessoalmente com o governador, com outras autoridades do governo e não houve nenhum movimento por parte do governo do estado em direção à Rede Bandeirantes. Esta é a nossa posição.

E os casos dos jornalistas Marco Nascimento, ex-editor-chefe da Globo Minas, e do editor de Economia do Estado de Minas, Ugo Braga? Também aí não houve nem reclamação, nem nada contra eles por parte do governo…

E.G. – Reclamação há, sim. E nós assumimos que reclamamos. Nós estamos tentando romper com um paradigma de que porque é serviço público, porque é o [governo do] estado não se tem a obrigação de defender o que é público. Através dos anos, a imprensa, especialmente em Minas Gerais, vinha fazendo críticas e críticas sem que o [governo do] estado se movesse. O estado até agora não vinha a público colocar seu posicionamento. No governo do Aécio isso mudou. Nós reclamamos mesmo, e com força, daquilo com que não concordamos. Mas nunca pedimos cabeça de ninguém e nem para censurar o que quer que seja. Nos dois casos, reclamamos diretamente de posturas e tratamentos não corretos que eram dedicados às coisas do estado [de Minas]. Mas não se pediu a cabeça de ninguém.

Mas as reclamações tiveram o tom do governo como assessoria de imprensa ou como anunciante?

E.G. – Reclamo como secretário de Comunicação que quer que a notícia esteja devidamente contextualizada. Ligo para o editor, repórter, quem se dispuser a falar comigo e tento oferecer as devidas informações sobre o tema abordado. As críticas são cabíveis desde que devidamente contextualizadas. O problema das cadeias públicas superlotadas, por exemplo, não começou com o governo Aécio Neves. São décadas de falta de investimento. A equipe de comunicação do governo se propôs a trabalhar – com muito sacrifício e dedicação – para que nenhuma crítica, denúncia, informação equivocada fique sem a devida resposta e contextualização. Nunca deixamos de responder nenhum assunto e fazemos questão de colocar sempre a posição do estado.

Mas não é um risco que não fique clara a diferença entre prestar informação e esclarecimento e pressão e censura?

E.G. – Aí acontece o seguinte: imagine que você é o editor e eu te convença com os argumentos apresentados sobre uma matéria em que faltam dados corretos e você cobre isso do repórter. Pronto: já está parecendo aqui em Minas que você foi comprado pelo governo. Que foi pressionado. É um baita ruído de que alguma ação ilegítima já esteja acontecendo. E não considero ilegítimo um secretário de Comunicação telefonar para o editor ou mesmo para um repórter. Aliás, esta é a minha função: esclarecer. Nossa equipe batalha pelo espaço, pela informação qualificada e pela legitimidade de o estado se colocar – coisa que nem sempre a imprensa vem fazendo como deveria. Estamos reivindicando que o poder público possa colocar seu olhar e seus dados.

Buscar o espaço é legítimo, mas dá para separar isso do poder político e econômico que o estado tem como anunciante?

E.G. – Nem neste aspecto a acusação é verdadeira. No ano de 2003, gastamos apenas entre 15% e 20% da média histórica de gasto do estado com publicidade. Minas enfrenta um grave problema de déficit [público]. São 2,4 bilhões de reais a menos no orçamento. E gastamos no ano passado algo em torno de 10 milhões de reais com propaganda, que é menos que a metade do que gasta a Prefeitura de Belo Horizonte. Ou seja, não houve aqui essa farra da publicidade. Aliás, não sei nem como compraríamos alguém. Honestamente, acho que nos dias de hoje isso não existe mais. A imprensa já saiu deste patamar, quer dizer, [a de] você aportar recursos financeiros contra uma posição editorial. E te digo: o estado toma pau todo dia num monte de áreas.

O governador Aécio Neves sempre invoca o que foi o espírito da política do avô Tancredo, de que o primeiro compromisso de Minas é com a democracia. Para um governo que quer ter isso como marca, não existem denúncias demais de censura e pressão contra jornalistas?

E.G. – Acho que sim e isso merece a nossa preocupação. Estamos analisando isso na área de comunicação neste momento. Mas insisto: não temos até este momento [os] fatos. Já disse isso pessoalmente ao presidente do Sindicato de Minas. Outra coisa importante é a seguinte: o governo do estado não pode, não quer e não vai se imiscuir nas decisões internas dos veículos, nas políticas de recursos humanos. Informalmente, nós até tentamos apurar o que aconteceu com estes profissionais cuja demissão nos está sendo debitada. E outras histórias aparecem do mesmo jeito que as denúncias surgem. Em geral, são profissionais que vinham de posições inadequadas, conflitos e com problemas de relacionamento interno nas empresas há algum tempo, com advertências internas há algum tempo… e que acabaram sendo dispensados pelas direções dos veículos por motivos que são absolutamente exclusivos e restritos das redações e dos departamentos de recursos humanos. O governo não pode entrar nisso e nem nós queremos.

E como o governador tem acompanhado tudo isso? O que ele diz a respeito?

E.G. – Nós temos uma visão política disso. Entendemos que é uma maneira que forças bem pontuais encontraram para fazer um combate ao nosso governo. Tenta-se com isso fragilizar a administração. Mas este é um governo que até agora não ofereceu aos adversários nenhuma oportunidade de ataque porque está trabalhando com absoluta transparência, tirando inclusive algumas questões de baixo do tapete… [e] a oposição está pegando nisso, nessas denúncias sem fundamento, fazendo uma campanha quase que subterrânea – basicamente de internet – tentando espalhar uma impressão de que este seria um governo com muitos problemas, mas a imprensa não pode retratar a realidade. Isso é uma loucura. É imaginar que nós temos poder de censurar a imprensa do Brasil inteiro. Ou será, por exemplo, que a Folha de S.Paulo, que tem aqui profissionais da melhor qualidade, não estaria vendo problemas graves no governo? Ou O Globo, Estado de S. Paulo? Esta é uma campanha orquestrada no campo político. E aí tenho uma crítica ao próprio Sindicato dos Jornalistas, que vem se utilizando disso para abrilhantar sua gestão. Tenho respeito pessoal pelo presidente da entidade, Aloísio Lopes, mas acho que neste momento o sindicato usa isso para se qualificar perante a categoria na medida em que esta não tem sido uma gestão brilhante naquilo que interessa de fato à categoria. O sindicato levantou esta bandeira e está tocando isso como uma guerra. E eu lamento bastante isso. Nenhuma autoridade, em momento nenhum, pediu a cabeça de jornalista algum na gestão Aécio Neves.

Mas você admite que as reclamações acontecem com insistência?

E.G. – Aconteceram e vão continuar acontecendo sempre que o que estiver em jogo for o interesse público. O estado não vai deixar de brigar por espaço para se colocar. Esta ‘briga’ por espaço para informação de qualidade nós vamos fazer. É um trabalho que nos orgulhamos de estar fazendo porque é um trabalho que nunca foi feito antes. Diariamente, reclamamos e pedimos espaço para colocar as coisas do estado por entendermos que somos vítimas de matérias em que não somos ouvidos. Ligamos para as redações e reclamamos. Lamento que em muitas dessas ocasiões fomos mal interpretados. E desafio qualquer desses profissionais que foram mandados embora a provar que uma autoridade do governo pediu a cabeça de quem quer que seja.

O fato de este caso ter virado denúncia no Ministério Público Federal mancha a imagem do governo?

E.G. – Pelo contrário. Temos uma visão positiva sobre isso. Creio que é uma oportunidade única de se esclarecer tudo. Se há alguma coisa de que nos acusam ter feito, pois então contamos com a isenção, a independência e a correção do Ministério Público para provar o que houve. Como estamos totalmente tranqüilos de que não fizemos nada, a ação do sindicato junto ao Ministério Público Federal só vai nos ajudar. Não temos nada a temer.

E caso nada seja comprovado, o governo pretende reagir contra os denunciantes?

E.G. – Dentro do governo há quem já tenha se posicionado para que nós agíssemos juridicamente. Preferi até agora evitar, temendo que isso mais uma vez pudesse ser interpretado como um ato de violência contra uma entidade que tem o direito de atuar, no caso o Sindicato dos Jornalistas. Ou seja, é legítimo ao sindicato investigar eventuais questões que se coloquem nesta seara da liberdade de imprensa. Isso é legítimo e próprio do sindicato. Mas não estou descartando que o governo possa ainda pedir reparação destas denúncias sem comprovação. E tem aí uma outra coisa: talvez para algumas pessoas seja mais chique sair por aí dizendo que foram demitidas por pressão política do que admitir que perderam o emprego por terem dado, no ar, um pau no patrocinador do próprio programa. Talvez seja mais justificável mais chique, mais bacana e, honestamente, dá mais ibope.

Fala-se muito, nestas denúncias, de que quem tomaria a iniciativa é a própria irmã do governador, Andréa Neves, que preside o Serviço de Assistência Social (Servas) e que também faz parte da equipe de comunicação do governo.

E.G. – Não tem nada disso. Temos aqui no governo um grupo técnico de comunicação, formado por profissionais de diversas áreas do estado. A Andréa Neves, que é jornalista, participa deste grupo, que funciona como um fórum de debates. O grupo evita uma condução personalizada da comunicação no estado, que é muito grande e complexo. É um grupo consultivo. Andréa participa deste grupo e tem interlocução com repórteres, editores, diretores de redação etc. Andréa reclama como eu reclamo, mas jamais pediu a cabeça de quem quer que seja.

Diante de tantas denúncias e desta crise na relação com a imprensa mineira, essa estratégia do governo estadual de pressionar por espaço vai ser mantida?

E.G. – Talvez haja a necessidade de discutirmos melhor como estamos tocando este trabalho. Agora, garanto que em nenhum momento achamos que fosse ilegítimo. Nunca pedimos que algo deixasse de ser noticiado. O que fizemos sempre foram ponderações a respeito das informações divulgadas pelos veículos. São ponderações que não podíamos deixar de fazer, até porque senão não estaríamos fazendo assessoria de imprensa. Ninguém nunca nos disse que se sentiu pressionado. Mas vale a pena discutir melhor tudo isso. Só gostaria de dizer que fazemos aqui o trabalho de jornalistas. Não nasci secretário de Comunicação. Já, já, estarei de volta ao mercado como os colegas que estão aqui comigo. Por isso, não consigo entender como um repórter pode ter se sentido constrangido de alguma maneira e não me dizer diretamente na cara. E em momentos como agora, oportunidades como esta no Observatório da Imprensa são tremendamente valiosas para a gente tentar esclarecer as coisas.