Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornais paulistas sobem os morros do Rio

O ministro Antonio Palocci já balançava, o termômetro político chegava aos píncaros e, mesmo assim, no domingo (26/3), os jornalões de referência nacional impressos em São Paulo mostraram que estão dispostos a subir os morros cariocas para descobrir o Brasil.


Quem provocou esta salutar reviravolta foi o documentário produzido pelo rapper MV Bill e exibido no domingo anterior no Fantástico, da Rede Globo. Falcão – os meninos do tráfico, segundo os sociólogos ouvidos ao longo da semana, não apresentou nenhum dado desconhecido pelos que estudam as favelas brasileiras.


Mas sacudiu o país, obrigou o governo a deixar a euforia macroeconômica para encarar, ainda que por alguns momentos, a nossa tragédia microeconômica. Falcão mexeu com a confortável Paulicéia onde se localizam dois dos três jornalões ditos nacionais, todas as quatro revistas de informação, as maiores redes radiofônicas e televisivas. Exceto a Globo, que provocou o tremendo rebu.


Mergulho no real


A Folha de S.Paulo foi a mais ágil e contundente. Com chamada na primeira página, capa do caderno local e uma página quase inteira no miolo, o jornal soube dar seqüência às matérias em que dias antes havia denunciado o acordo entre o Exercito e os traficantes para a recuperação das armas roubadas de um quartel.


A revelação da existência do ‘vale-droga’ (o truque marqueteiro empregado pelo narcotráfico para estimular o consumo) não é apenas um flagrante da sofisticação ‘empresarial’ do crime organizado, mas a primeira incursão nos subterrâneos da droga desde a serie de reportagens de Tim Lopes sobre a confluência do funk com o negócio de entorpecentes.


É uma prova de que os jornalistas não estão escondidos nas redações – e se não têm condições de subir os morros têm informantes muito bem situados.


O Estadão-ão-ão não conseguiu igualar a façanha do concorrente em matéria de reportagem, mas no campo das reflexões os cadernos ‘Aliás’ (Estado) e ‘Mais!’ (Folha) mostraram que são capazes de esquecer as discussões sobre o sexo dos anjos para mergulhar na cruel realidade brasileira.


Receita do milagre


O caderno de idéias da Folha apresentou, além da capa, seis textos ensaísticos de alto nível ao longo de cinco páginas. O rival foi bem mais modesto, certamente amarrado às normas impostas pelo marketing para agradar aos jovens e principalmente as mulheres: além da capa ofereceu apenas uma grande entrevista.


O curioso, porém, é que do conjunto de sete textos publicados pelos dois concorrentes, quatro são entrevistas e análises com – ou a respeito de – cineastas e roteiristas. A mídia impressa parece que abdicou da condição de protagonista dos grandes debates, resignada em emprestar suas instalações – o espaço – como fórum para os intérpretes da mídia visual.


Uma coisa é certa: se os jornais pretendem sobreviver por mais algumas décadas precisam buscar oxigênio fora das redações – no morro, na periferia, na esquina, no interior das fábricas, no campo e na floresta (antes que acabem).


Um pouco menos de enólogos, gourmets e estilistas de moda e um pouco mais de repórteres é uma receita que ainda pode operar milagres.