Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marcelo Beraba



’17/05/2004

O ‘Estado’ tem a manchete mais forte: ‘Dirceu propõe pacto nacional para enfrentar crise externa’. Manchete em duas colunas, como a de hoje na Folha, é sempre tímida. Como o texto se limitava a reproduzir um balanço parcial do TSE sem investimentos de reportagem, a discrição se justifica. ‘O Globo’ vai na mesma linha de manchete sem peso e relatorial: ‘Governo já faz 51% de suas compras sem licitação’.

José Dirceu

A reportagem do ‘Estado’ sobre o jantar em homenagem ao ministro José Dirceu no sábado à noite em São Paulo é bem mais completa e forte do que a da Folha (‘País precisa de ousadia, diz ministro’, Brasil A8). O ‘Estado’ destaca a proposta esdrúxula do ministro de um pacto nacional contra a crise externa e ouve opiniões de empresários presentes ao jantar contrários ou surpresos com o discurso do ministro. Uma proposta desta, além de antecipar uma crise que ainda não é realidade, passa uma mensagem de fragilidade do governo. O nosso relato é mais curto e omite os comentários mais importantes do ministro.

Fraude eleitoral

É uma pena que o balanço sobre o cancelamento de títulos eleitorais (‘Em 982 municípios, 26% dos títulos de eleitor são anulados’, Brasil A4) não tenha sido acompanhado de uma reportagem que aprofundasse as causas de fraudes. Ainda está em tempo de se fazer este trabalho. No Mato Grosso e em outros Estados, a revisão feitas pelos TREs demonstrou que a movimentação de eleitores sem-terra ou garimpeiros pode explicar parte do cancelamento dos títulos. Mas não todos. Como explicar que uma cidade grande como Niterói, segundo todos os dados com uma base fortíssima de classe média esclarecida, tenha quase um terço de seus títulos cancelados? Aí podemos encontrar pistas para os novos coronelatos urbanos.

Serra e tucanos

José Serra agora é candidato. Sua coluna de hoje já tem o tom eleitoral. Aliás, José Serra (A2 e) e Alberto Goldman (A3) juntos é um exagero e deveria ser evitado. Ainda tem outro tucano em ‘Tendências/Debates’, Emerson Kapaz.

Calhau

Completamente dispensável a reprodução de foto e legenda quase idênticas do ministro Gilberto Gil e mulher em Cannes na capa do jornal e na página A8 da Edição Nacional.

Cigarras

O ciclo misterioso das cigarras nos EUA ocorre a cada 17 anos, segundo a reportagem de Ciência em 15 de maio, e não a cada dez anos, como está no Moacyr Scliar de hoje (Cotidiano C2).

Percebo que há um esforço em Cotidiano para melhorar a qualidade dos textos diários, mas o resultado ainda é irregular. A reportagem de hoje ‘PM é preso por morte de dona-de-casa’ (Edição Nacional C3 e Edição SP C4) é um bom exemplo desta dificuldade. Ao tentar fazer um lead diferente, com informações sobre dois personagens cujos destinos vão se cruzar, o texto perde força jornalística e não está bem costurado. O recurso, válido, poderia até funcionar, mas não foi o caso. Teria sido melhor ter ido direto à história. Tenho visto várias tentativas de escapar de aberturas óbvias e tradicionais e isso é bom sinal. Mas exige domínio da elaboração do texto, das técnicas de construção de histórias. O jornal poderia organizar uma oficina de texto para suprir esta carência.

Terra da igreja

Acho estranho que o jornal não consiga localizar um representante da igreja –seja da arquidiocese, seja de uma pastoral, seja da CNBB, seja da congregação das Paulinas –que pudesse comentar como a instituição agirá agora que tem um terreno invadido. Este é o detalhe que faz a notícia (‘Sem-teto invadem terreno e esperam apoio da igreja’, Cotidiano C3) curiosa. Como se comportará agora a igreja que vem apoiando as invasões? Temo que as tentativas de ouvir o outro lado tenham sido poucas e mal dirigidas.

Bloqueadores

Entendi porque os bloqueadores de celular (Cotidiano, Capa da Edição SP e C4 na Ed. Nacional) já não funcionam nos presídios. A reportagem está bem explicada, embora não fale do sistema Nextel (difícil de ser bloqueado), e o assunto justificava a chamada na primeira página. Não consegui entender, no entanto, a parte de cima da arte (‘O alcance dos bloqueadores de celulares’). O percentual de moradores que têm linhas de telefonia móvel não tem interesse para a matéria e tal como está é confuso. Parece que está ali porque não tinha outra ilustração. A arte que interessava deveria mostrar como funcionam os bloqueadores e porque não estão conseguindo bloquear.

Baía de Guanabara

São impressionantes os dados atualizados sobre o fracasso do programa de despoluição da baía de Guanabara. É muito dinheiro jogado fora. Merecia uma chamada na primeira página, pelo menos na Edição Nacional. E acho que justifica um posicionamento editorial do jornal porque deve ser o maior programa de despoluição do país, com recursos externos grandes.

Detalhe

Ninguém observa um poste atingido por um barco, como diz a legenda da foto da página C4 da Edição Nacional (na Ed. SP virou um texto-legenda). O que espanta na foto, e as pessoas observam, é o barco arremessado pelo vendaval e pendurado em fios e sobre o poste.

Cotas

‘O Estado’ tem entrevista com o ministro Tarso Genro, que anuncia detalhes do projeto do governo para as universidades privadas. A conferir.

Remadora

Não consigo entender como um perfil de uma pessoa pode ser ilustrado com uma foto 3×4 dentro de uma arte pequena. Foi o caso da reportagem sobre Fabiana Beltrame (‘Remadora fica sócia de clube do Bolinha’, Esporte D6). O seu feito (primeira remadora brasileira a se classificar para um a olimpíada) e o merecido destaque dado pela editoria exigiam uma boa foto da moça, de preferência recente.

Excesso de Gabeira

Não faz sentido duas entrevistas praticamente iguais com Fernando Gabeira como as que saíram publicadas no domingo (‘Gabeira vê caso Rohter como sinal de `regressão intelectual´ do PT’, Brasil A12) e hoje (‘A gravidade é diferente’, na coluna Mônica Bergamo, E2). Falta de coordenação.

Manchete de domingo

A informação do Ministério da Defesa e do Exército de que a missão de militares no Haiti será um treino para a ação no Rio é polêmica, questionável, e deveria ter sido discutida com especialistas. A topografia, a motivação das forças rebeldes, as armas usadas, o respaldo da população, tudo parece ser diferente. Em que a experiência num país em guerra civil pode servir para enfrentar o narcotráfico que domina as favelas do Rio? E por que o Exército precisa ir para o Haiti para aprender isso, se a situação na cidade (e em outras cidades) já dura mais de uma década? É uma discussão interessante sobre o papel e táticas do Exército e merecia ter sido debatida. O assunto, manchete de domingo, sumiu no jornal de hoje. Afinal, as declarações eram para ter sido levadas a sério ou foram manchete apenas porque não tínhamos outra alternativa?

Onde fica?

A Folha publicou no sábado, na Edição Nacional, reportagem com chamada na primeira página sobre a disputa territorial entre o Pará e o Mato Grosso (‘Mato Grosso e Pará disputam área no STF’, A8). Além do erro de comparação registrado hoje na seção ‘Erramos’, a edição tem um outro problema sério: não dá para entender como uma reportagem como esta é publicada sem um mapa que assinale o território em disputa. E era um mapa pequeno, em uma coluna, como se pode ver na Edição S.Paulo. Acho falta de cuidado com a Edição Nacional e seus leitores. O ‘Erramos’ tem também o objetivo de informar. Por isso, a correção de hoje (A3) não deveria ter se limitado a dizer que a área em litígio (2,4 milhões de hectares) não equivale ao tamanho do Estado de São Paulo, como foi escrito no sábado, mas deveria informar a área do Estado (24,8 milhões de hectares) para que o leitor possa comparar.

Crítica Interna

Amanhã darei uma palestra na ECA/USP sobre a cobertura do impeachment de Collor. A crítica interna não será feita.



13/05/2004

‘Estado’, ‘Globo’ e ‘JB’ deram manchete para os desdobramentos provocados pela decisão do governo Lula de impedir o jornalista do ‘New York Times’ de trabalhar no Brasil. Era o assunto mais importante do dia pelo desgaste internacional que está provocando na imagem do governo e pela polêmica que criou internamente. A Folha, como o ‘Valor Econômico’, preferiu destacar a alta do petróleo. A manchete da Folha –’Barril do petróleo atinge valor recorde’– não me pareceu correta: o recorde, pelo que entendi do texto, ainda era de US$ 41,15 e a cotação chegou a US$ 40,92. A manchete do ‘Valor’ me pareceu mais precisa: ‘Petróleo se aproxima da maior cotação da história’.

Lula x ‘NYT’

1. O forte da edição da Folha de hoje são os artigos e opiniões.

2. Fiz um balanço quantitativo, provavelmente impreciso, das coberturas dos três grandes jornais.

3. Capa. A Folha deu submanchete e duas chamadas para o assunto, o equivalente a quase uma coluna de texto. O ‘Globo’ deu manchete e destinou quase meia página da capa. O ‘Estado’ também manchetou e deu aproximadamente o dobro do espaço da Folha.

4. Notícia. A Folha destinou o equivalente a cerca de 17 colunas para a cobertura jornalística do caso. O ‘Globo’ editou o equivalente a 23 e o ‘Estado’, a 20. O material publicado, no entanto, é bastante semelhante. ‘O Globo’ conseguiu uma boa entrevista com o ombudsman do ‘NYT’, que considerou a reportagem contestada ‘isenta’. O ‘Estado’ estava mais atento e transformou o informe pago do PDT (em que Brizola confirma que deu entrevista para Larry Rohter) em notícia.

5. Artigos. A Folha trouxe oito artigos e colunas de opinião sobre o assunto. Foram quatro no Globo e três no ‘Estado’. Neste campo a Folha se destacou, não pela quantidade, mas por ter publicado dois artigos, ambos na seção Tendências/Debates (A3), que realmente se diferenciaram de todos os outros. O do jornalista André Singer, que defende (na minha opinião, com argumentos fracos) a decisão do governo; e o da advogada Taís Gasparian, que toca num ponto que passou batido até agora por todos: a legitimidade de se fazer uma reportagem sobre um hábito presidencial. Os dois artigos são corajosos na medida em que expõem questões polêmicas. E a Folha, que manifestou hoje pela primeira vez o que pensa sobre a reportagem do ‘NYT’ e sobre a decisão do Planalto, marca ponto por ter aberto espaço para que o governo debata o assunto.

6. Leitores. Neste campo não há comparação possível. ‘O Globo’ publicou 15 cartas de leitores sobre o caso e o ‘Estado’, 14. Na Folha, saíram cinco. Mas as mensagens publicadas na Folha estão mais equilibradas: 2 a favor da decisão do governo e 3 contra. No ‘Globo’ foram 11 contra o governo e apenas quatro a favor. E no ‘Estado’, 13 contra e 1 a favor. Imagino que as edições destas cartas reflitam a proporçâo das manifestações recebidas por estes jornais. Ou seja, entendo que eles receberam mais cartas e emails contra a decisão do governo do que a favor. No caso do ombudsman, a proporção foi diferente: das 12 cartas recebidas ontem sobre o assunto, sete eram a favor do governo e 5 eram contra. É uma mostra muito pequena e peculiar. Fica o registro.

Lula

Caiu na Edição SP uma daquelas frases do presidente que devem ficar para a história. Segundo o deputado Alindo Chinaglia, ‘Lula disse que R$ 10 a mais no mínimo altera pouco a vida de quem recebe, mas nos cofres do governo dá para fazer muito’.

Qualidade

Nos exemplares da Edição Nacional que vi há empastelamento na reportagem sobre o livro da governadora do Rio (‘Rosinha dita em livro `virtudes´ femininas’, Brasil A12).

Haiti

Muito bons os relatos de ontem e de hoje de São Leopoldo (RS) sobre os preparativos para a partida da tropa que será enviada ao Haiti.

Evolucionismo?

O que é? A reportagem de Ciência ‘Escolas do Rio vão ensinar criacionismo’ (A16) contrapõe o tempo todo o criacionismo ao evolucionismo, mas não explica o que é esta segunda teoria. O repórter deve achar que todos os leitores sabem. Nem na arte está explicado.

Imposto de Renda

Ontem, foi manchete. Hoje, é colunão (B4 da Ed.SP).

Saúde

Fico imaginando o leitor tendo de decifrar o que quer dizer eletrostática, pseudomonas, esporos de fungos, bactérias patogênicas, gênero aeruginosa (arte ‘Como ocorre a contaminação’ da reportagem sobre a proibição de plástico em garrafões de água, em Cotidiano C1, na Ed. Nac., e C7, na Ed. SP).

Garotinho e promessas

Ao informar sobre mais um pacote de segurança anunciado pelo governo do Rio, a reportagem deveria ter lembrado levantamento recente feito pela própria Folha que mostra que Garotinho não cumpriu as promessas feitas quando assumiu a secretaria de Segurança.

Zoológico

A Folha publicou no dia 23/4 extensa reportagem em Cotidiano que dizia que a implantação de controles internos tinha dificultado as fraudes e desvios no Zoológico de SP e esta poderia ser a razão da série de envenenamentos e mortes de animais. Eu alertava para a inconsistência da reportagem por que até então não se tinha certeza da autoria da matança. Ontem saiu o laudo mais esperado pela polícia e não ajudou em nada (‘Laudo não ajuda a esclarecer mortes no zôo’, Cotidiano, Ed. SP, C6). Ou seja, a polícia continua com uma teoria (que a Folha comprou), mas sem provas e autores. Continuo achando que aquela reportagem, baseada apenas em hipóteses, foi precipitada e pode vir a se constituir num grande erro do jornal. Tomara que não.

Vasco

Acho que o que aconteceu anteontem e ontem no Vasco –o pedido de demissão de toda a equipe de médicos por questões éticas– é inédito e importante o suficiente para ser tratado pela Folha. Os médicos acusam os dirigentes de interferirem nos tratamentos médicos dos jogadores. Eurico Miranda queria que os médicos, entre outras coisas, mentissem para provar que o jogador Marcelinho já chegara no clube machucado.



12/05/2004

O ‘Globo’ é o único jornal que dá a manchete para a expulsão do jornalista do ‘New York Times’, sem dúvida o caso mais forte de ontem e que seguramente terá mais repercussão interna e externa que qualquer outro.

Nos demais jornais, economia e economia. O ‘Estado’ registra o crescimento da indústria no trimestre. ‘Valor’ diz que as empresas estão mais sólidas diante de crises. E a Folha prefere dar destaque para o estudo inconcluso do Ministério da Fazenda que poderá alterar um dia as alíquotas do Imposto de Renda.

Acho que o caso da expulsão, que não acontecia há mais de 30 anos e desde a ditadura, deveria ter sido a manchete, pelo menos da Edição SP. A repercussão, prevista desde ontem, é impressionante.

É difícil acompanhar o sobe e desce do chamado mercado financeiro. A segunda-feira tensa gerou a manchete do jornal de ontem: ‘Dólar vai a R$ 3,14, e mercado projeta nova alta dos juros –Cotação é a maior desde abril de 2003; piora do cenário faz instituições preverem que BC terá de elevar taxa neste ano’. Um cenário de catástrofe. Ontem, ‘dia de alívio’ (como definiu o chapéu de Dinheiro), era de se supor que houvesse uma manchete ou chamada proporcional e que explicasse a mudança de humor. Mas o jornal jogou para baixo da dobra a informação: ‘Dólar recua, e bolsa tem a maior alta em 18 meses’. A notícia é seca e nem tenta ajudar o eleitor a entender por que num dia faz sol e, no outro, tempestade.

‘NYT’

1 – A Folha deu, na sua Edição SP, a dimensão que o caso merece. O assunto deixou de ser jornalístico (se a matéria era pertinente ou não, se estava bem feita ou não) e passou a ser de liberdade de expressão e de garantias democráticas.

2 – Ontem à noite, no programa Observatório da Imprensa, o Ricardo Kotscho estava muito constrangido com a decisão final do governo. Ele deu a entender que nem todos os que discutiram o assunto no governo eram favoráveis, o que mostra uma divisão interna que precisa ser explorada. O ‘JB’ diz que o Kotscho ameaçou pedir demissão. Sugiro que o jornal o questione e ao André Singer por que, afinal, são jornalistas.

3 – E o que pensa o ministro Márcio Tomaz Bastos? O ‘Estado’, que também tem uma edição local com bastante repercussão e bastidores, foi mais ágil e já o ouviu de madrugada na Suíça.

4 – O ‘Estado’ também vai melhor na questão jurídica do caso. Ontem já tinha mostrado como funciona a Justiça dos Estados Unidos em caso de liberdade de imprensa. Hoje, já se adiantou e ouviu do STF que pode caber uma liminar suspendendo a decisão do governo.

5 – Há outro aspecto a ser explorado: aparentemente a medida é inócua porque o jornalista é casado com uma brasileira e tem filho nascido no Brasil.

6 – Como toda a repercussão nacional e internacional só pôde sair, por conta do horário, na Edição SP, seria conveniente que o jornal pensasse uma fórmula de sintetizá-la na Edição Nacional.

5 – Editorial. Acho que a expulsão reforça a necessidade de o jornal se posicionar tanto em relação à reportagem do ‘NYT’ como em relação à reação desastrosa do governo.

Serra

A cobertura do ‘Estado’ é mais completa e dá a dimensão nacional que Serra conferiu à eleição de SP. Na Folha, fica parecendo que é apenas uma disputa pela Prefeitura. Falta esta perspectiva nacional e faltam análises.

Itamar

Não vi na Folha o embaixador do Brasil na Itália, Itamar Franco, pedindo a demissão do Palocci e da equipe econômica (‘esta gente’) em almoço com o chanceler Celso Amorim, em Brasília. ‘O Globo’ trouxe.

Economia

Não sei se é limitação minha, mas o noticiário de Dinheiro, fragmentado como está, dificulta a compreensão do que está acontecendo tanto no chamado mercado (dólar sobe, dólar cai, mercado vê alta de juros, Bolsa tem maior alta em 18 meses,turbulência custa caro ao governo,cresce procura por proteção cambial e por aí foi nos últimos dias) como na economia real. Acho que o leitor não especializado ganharia se a edição facilitasse a leitura e entendimento da conjuntura. Acho que faltam textos amarrando mais os fenômenos casuais, localizados, e as tendências macro.

Sei que é um momento confuso, instável, mas cabe ao jornal tentar dar alguma forma de arrumação aos dados soltos.

Nariz-de-cera

Apresentar uma afirmação, perguntar ao leitor se está certo e, na seqüência, dizer que está errado (‘Verdura pronta para o consumo é reprovada’, Cotidiano C1, da Edição Nac., e C6, da SP) é um recurso batido, óbvio e que tira a força de qualquer reportagem. Em algum momento alguém deve ter utilizado a fórmula com sucesso e como surpresa. Agora, virou clichê e sugiro que seja evitada por um bom tempo. Ia escrever banido, mas talvez seja forte demais.



11/05/2004

José Serra ‘será candidato’ a prefeito de São Paulo, como está na capa da Edição Nacional da Folha, ou ‘está decidido a concorrer’ à prefeitura, como saiu na Edição SP? Como não deve ter ocorrido fato relevante algum entre o fechamento das 20h30 e o da meia-noite, suponho que a mudança sutil tenha sido um recurso para evitar futuras cobranças caso Serra não saia candidato. Indica insegurança do jornal.

A forte desvalorização do real e a previsão de aumento na taxa de juros formam a manchete da Folha, do ‘Estado’ e dos jornais econômicos. ‘O Globo’ dá mais destaque para o projeto do PT que prevê teto salarial para vereadores.

Candidatura Serra

A Folha se mostrou mais bem informada e ágil que o ‘Estado’ no anúncio da candidatura de José Serra. A Edição Nacional já traz a informação de que o tucano havia se decidido (‘Serra decide ser candidato à Prefeitura de São Paulo’, A4), enquanto a edição das 21h35 do ‘Estado’ vinha com ‘PSDB faz contagem regressiva à espera de Serra’ e apenas na edição de 0h15 ‘Serra anuncia candidatura até domingo’. A Folha foi ágil também ao atualizar sua Ed. SP e enriquecê-la com uma análise.

Mas acho que o texto principal e a análise não exploraram como deviam a principal conseqüência da candidatura Serra, que é a ‘federalização’ das eleições municipais. Esta é a estratégia do PFL desde o início (vide várias entrevistas do prefeito do Rio e candidato à reeleição Cesar Maia). Sugiro que o jornal explore melhor este aspecto incluindo no cenário de análise as disputas no Rio, em BH e outras cidades. A eleição está sendo encaminhada para se tornar, nas grandes cidades, plebiscitária.

Bingos

Tem razão o Cony: este governo parece não ter mais o que fazer para se preocupar tanto com a questão do bingo. E a origem desta fúria contra os jogos _o caso Waldomiro_ ficou para trás. Eu me pergunto se o jornal não deveria ser mais crítico na cobertura deste noticiário e se ele deveria estar na página mais nobre de Brasil, a A5 da Edição Nacional, num dia de tanta notícia. Na Ed. SP o texto foi jogado para a A9, o que é mais razoável.

José Alencar

Só a Folha deu tanto destaque (chamada na capa e quase uma página bem editada dentro, nas duas edições) para a nova bateria de críticas do vice-presidente à política econômica e, agora, à política de reforma agrária. Achei correto. O fato de ele vir batendo na mesma tecla não diminui a importância de suas críticas.

Anaconda

Fez bem a Folha em registrar a revogação da prisão de um dos advogados presos desde novembro do ano passado durante a Operação Anaconda. Os jornais cobrem com muito barulho estas operações da PF e depois costumam esquecer o caso e ignorar seus desdobramentos.

‘NY Times’

1 – A melhor reportagem sobre o caso é do correspondente do ‘Estado’ em Washington (‘Chances de processo são nulas, avisa juiz americano’), que analisa a reportagem do ‘NYT’ à luz do direito americano e da tradição jornalística daquele país. Na primeira edição do ‘Estado’ a reportagem está mais completa. Também a entrevista com o presidente da ONO, Jeffrey Dvorkin, ajuda a contextualizar a reportagem, independentemente de sua qualidade técnica.

2 – Acho incorreto o título ‘Para entidade, reportagem é correta’ (A7). A opinião expressa na entrevista é a do presidente, até porque a entidade não discutiu a reportagem. Acho que o título correto deveria informar que o presidente da entidade acha a reportagem correta.

3 – ‘O Estado’ (‘O Planalto reagiu com o fígado’) e o ‘JB’ (‘Imprensa marrom’) já manifestaram suas opiniões sobre a reportagem do ‘NYT’ e a reação do governo brasileiro. Os leitores da Folha ainda não sabem o que o jornal pensa sobre o assunto.

Tortura

O que aconteceu no Iraque com os prisioneiros de Abu Ghraib foi tortura. Abuso, no caso, é um eufemismo e pode ser usado eventualmente como sinônimo, assim como maus-tratos, para não repetir ‘tortura’ o tempo todo. Mas a Folha vem dando preferência a ‘abuso’, tanto em título como no corpo das matérias, como as de hoje na pág. A12. Todas se referem inicialmente a abusos e só lá no meio ou no final falam em tortura. Este é um problema de precisão. O crime que os soldados e oficiais cometeram foi de tortura.

Taxa Selic

Das duas, uma: ou Dinheiro acha que todo mundo sabe o que é Selic (‘Dólar vai a R$ 3,14; mercado já vê alta da Selic’, B1), ou o caderno já considera que só os iniciados devem lê-lo. Por que não usar juros no título?

Barbárie

Mais um caso bárbaro no Rio de espancamento em boate. Um promotor de eventos foi surrado por um lutador e está internado completamente desfigurado, com traumatismo craniano e coágulo no cérebro. Aconteceu no domingo e não vi na Folha.

Adolescentes

Bom o texto sobre os adolescentes que choram a morte do amigo morto em Alto de Pinheiros (‘Em silêncio, adolescentes fazem peregrinação’, Cotidiano, C3).

Editoras

Não me parece correto definir um ano ruim (para as editoras de livros) como ‘um ano da pá-virada’, como está em Ilustrada (‘Venda de livros cai em 2003’, diz pesquisa’, E3).

Ainda o ‘NYT’

Em relação à crítica interna de ontem, recebi, via Secretaria de Redação, o seguinte comentário do Vinicius Torres Freire, secretário de Redação: ‘Apenas a título de esclarecimento a respeito de nota da crítica do Ombudsman de hoje, segunda-feira, 10 de maio, gostaria de observar que, caso fosse apenas de minha responsabilidade a decisão de noticiar a reportagem do ‘NYT’ sobre o presidente e o consumo de álcool, teria editado o assunto com o mesmo destaque que a história mereceu nas edições de domingo e segunda-feira da Folha (que não editei). Sendo ou não de péssima qualidade (e a considero de péssimo nível), a reportagem publicada foi um fato relevante. Certa ou errada, danificou a imagem do presidente da República para uma audiência mundial e qualificada (os leitores de um dos principais jornais dos EUA e do planeta, além do público dos meios de comunicação que reproduziram ou retransmitiram o conteúdo do texto do ‘NYT’).’’