Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

O Estado de S. Paulo

RENAN CALHEIROS
O Estado de S. Paulo

A força da opinião pública

‘Além de quaisquer considerações que se façam sobre o esperado (e como!) afastamento do senador Renan Calheiros da presidência da Câmara Alta – independentemente de ser essa tão tardia decisão o disfarce de uma renúncia já resolvida ou o propósito (que a esta altura seria alucinado, convenhamos) de retomar daqui a 45 dias a condução da Casa -, há dois pontos indiscutíveis que devem ser retidos em toda essa tempestuosa questão, que por quatro meses e meio superlotou, sem ainda ter acabado, o espaço político nacional. O primeiro ponto é o indiscutível efeito da força da opinião pública, a refletir o conjunto de valores e sentimentos éticos que ainda sobrevivem na sociedade brasileira e são capazes de influenciar mesmo os mais empedernidos representantes do povo no Parlamento, que lá estejam para defender seus próprios interesses – políticos ou de outras ordens.

Se comparássemos duas cenas transcorridas no mesmo cenário do Senado, mais nítido ficaria esse citado efeito. Veríamos, na primeira cena, o episódio em que Renan Calheiros utilizou despudoradamente a cadeira da presidência da Casa para se defender – sem que nenhum de seus pares o repreendesse pelo abuso -, descrevendo fatos de sua vida pessoal e familiar que um cavalheiro não levaria ao conhecimento público. Depois, encerrou a sessão, a pedido do líder do governo, para que recebesse cumprimentos, ensejando aquela grotesca fila de beija-mão da qual raros senadores da República escaparam. Na segunda cena, ocorrida na última terça-feira, veríamos Renan Calheiros na mesma cadeira de presidente do Senado, desta vez, porém, acuado, completamente isolado, sem uma única voz que o defendesse, enquanto uma dezena de senadores – oposicionistas e governistas – desfilavam discursos com um tema único: o pedido veemente para que Renan se afastasse do cargo.

O segundo ponto a reter é o grau de desgaste, de desmoralização, que o affair Renan Calheiros produziu, atingindo o Senado, em particular, e a classe política, em geral. A maior dúvida é quanto há de demorar para se chegar – se é que se vai chegar – a uma recuperação de imagem do Legislativo. Independentemente da gravidade de todas as denúncias que pesam contra Renan Calheiros nos quatro processos – que estão para virar cinco – que tramitam no Conselho de Ética, o fato é que o senador alagoano não deixou que o desgaste recaísse apenas sobre sua pessoa. Ao contrário, comprometeu, e muito, com seu apego ao cargo, a imagem dos 46 colegas que o absolveram, em plenário, no primeiro processo, ou votando contra o relatório do Conselho de Ética que o condenava ou se abstendo. E comprometeu, também, aqueles sobre os quais fez insinuações maldosas – acrescentando a chantagem à falta de decoro.

É verdade que grande parte da obstinada resistência demonstrada por Renan Calheiros para permanecer na presidência do Senado decorreu do apoio que obtinha do governo, especialmente tendo em vista a expectativa do Palácio do Planalto de que sua presença facilitaria a aprovação do projeto de prorrogação da CPMF. O governo, pelas mãos do PT, conseguiu aquelas salvadoras seis abstenções que livraram Renan da cassação, no primeiro processo. Mas ali fora celebrado um acordo – de afastamento temporário da presidência do Senado – que Renan, sentindo-se fortalecido pela votação do plenário, não cumpriu.

Depois vieram as proverbiais gotas d´água que fizeram o copo transbordar. Uma foi a descoberta do esquema de espionagem contra dois senadores, de que é acusado um assessor do presidente do Senado. A outra foi o afastamento de Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon – duas das mais respeitáveis e prestigiadas figuras do Parlamento e, não por acaso, os peemedebistas que mais insistiam no afastamento de Renan – da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A partir daí a pressão contra Renan Calheiros tornou-se insuportável. Também para o Planalto ele se tornara descartável, por ter se tornado um obstáculo à aprovação da CPMF.

O senador alagoano gastou pouco mais de dois minutos para anunciar o que se esperava dele há quatro meses e meio. Curioso é que, depois de ter passado 134 dias usando, de maneira escandalosa, o cargo de presidente do Senado para se defender, se licenciou afirmando que ´não precisa do cargo para se defender´. Fez do exercício da presidência do Senado um deboche, até o fim.’

 

PAULO AUTRAN
Beth Néspoli

Sai de cena o maior ator do Brasil

‘O ator, diretor e produtor Paulo Autran morreu ontem, às 16h10, no Hospital Sírio Libanês, onde estava internado desde a tarde de quinta-feira. Ele estava com 85 anos e lutava contra o câncer do pulmão e enfisema pulmonar há cerca de um ano. O corpo seria transferido ontem à noite para a Assembléia Legislativa onde seria velado até ser cremado hoje, às 11 horas, em Vila Alpina.

´Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro.` Na voz de Paulo Autran, essas palavras foram ouvidas nos palcos de dezenas de cidades brasileiras no espetáculo Liberdade, Liberdade, um dos muitos grandes sucessos de sua longa carreira. Síntese corajosa da resistência contra o regime militar, a peça estreou no Rio de Janeiro em abril de 1965. E já naquela época, o texto traduzia a carreira do ator, diretor e produtor Paulo Paquet Autran – 57 anos dedicados à arte de interpretar.

Completou 85 anos no dia 7 de setembro, quando já enfrentava problemas de saúde que o obrigaram a interromper, em junho, a temporada de O Avarento, a 90ª peça de sua carreira, em cartaz no teatro Cultura Artística. Além do palco, participou ainda de filmes, entre eles Terra em Transe, de Glauber Rocha, e do ainda inédito O Passado, de Hector Babenco. Também de teleteatros e novelas na televisão – tornou-se clássica, por exemplo, sua participação em Guerra dos Sexos, de Sílvio de Abreu, de 1983. Sua carreira tem aspectos bastante originais. Raros são os atores, no Brasil, e no mundo, capazes de enumerar tantos protagonistas em sua trajetória, sobretudo num repertório de peso, como Paulo Autran.

Ao atuar pela primeira vez numa novela já tinha alcançado prestígio e popularidade – seu nome era reconhecido nacionalmente – por sua atuação nos palcos. Afinal, ele havia viajado por todas as regiões do Brasil apresentando desde tragédias gregas e shakespearianas até peças brasileiras de forte comunicação como Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, em palcos, quadras e até mesmo lonas de circo. Tal proeza, reconhecimento nacional através do teatro – atuou em apenas três novelas -, talvez nenhum ator jamais repita. E não só porque os tempos mudaram. Essa é trajetória é original mesmo dentro de sua geração.

Curiosamente, sua estréia profissional só se deu aos 27 anos, mais precisamente no dia 13 de dezembro de 1949, no Rio, na peça Um Deus Dormiu Lá em Casa, de Guilherme Figueiredo. Nessa peça, contracenava com a atriz Tônia Carrero, responsável pelo convite ao ator amador, que ela vira num palco de Copacabana, atuando na peça À Margem da Vida, de Tennessee Williams. Apesar da data de sua estréia profissional, quase ao fim da temporada anual, Paulo Autran ganhou os principais prêmios de ator daquele ano. ´Não foi bom para mim. Era muito imaturo e, na época, fiquei completamente idiotizado´, contou em entrevista ao Estado.

A verdade é que, até então, não estava preparado para os percalços e glórias da nova profissão. Advogado formado na famosa faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, Autran entrara pouco antes para o teatro amador como muitos jovens de sua época. Afinal, em 1943 o teatro brasileiro ingressara no modernismo com um grupo de amadores dirigidos por Ziembinski. ´Eu não me sentia dentro de um movimento, ninguém sentia assim na época. Simplesmente fazíamos teatro. Éramos atraídos para isso. E todo mundo dizia que eu era muito ´natural` em cena.` Tendo nascido no Rio, por conta das mudanças de endereço do pai, delegado, Autran cresceu em São Paulo.

Fã de Dulcina de Moraes, freqüentava teatro desde os oito anos de idade. Naquela época, o palco era tomado pelos grandes atores, de gestos ´grandiloqüentes´, voz impostada. O movimento amador veio para mudar não só a hierarquia em cena, passando a dar igual valor a atuação, direção, iluminação e cenário, como também para mudar um estilo de representação. E o temperamento de ator de Autran – rigoroso na técnica, sóbrio, elegante, capaz de criar modulações de voz, de intenções e de gestos no limite da filigrana, adequava-se como uma luva às novas exigências do palco.

Estreou no TBC em 1946 como amador, antes da profissionalização da casa fundada por Franco Zampari. Foi numa excursão ao Rio, com um grupo amador dirigido por Abílio Pereira de Almeida que foi ´descoberto` por Tônia. Depois da entrada no mundo profissional com Um Deus Dormiu Lá em Casa vieram outras peças e outros prêmios. Foi salvo da ´idiotia` por Adolfo Celi, o seu grande mestre, um dos muitos diretores italianos contratados pelo Teatro Brasileiro de Comédia. ´Com ele aprendi que a arte de interpretar exigia muito mais do que ser ´natural` em cena.` Em 1951, o produtor Franco Zampari contratou Autran para o TBC e Tônia para a companhia cinematográfica Vera Cruz. Voltou então a São Paulo, declaradamente a cidade de seu coração.

No TBC, onde ficou de 1951 a 1955, formou-se sob a tutela de vários diretores de grande prestígio, como Ziembinski, Albert D´Aversa, Ruggero Jacobi e, sobretudo, Adolfo Celi. Na meca do teatro brasileiro da época, amadureceu como ator e, segundo ele próprio declarou, percebeu o quanto precisava aprender, livrando-se da empáfia do jovem ator premiado. No TBC, atuou em nada menos do que 18 peças, em pouco mais de quatro anos, entre elas Antígona, de Sófocles; Seis Personagens em Busca de um Autor e Assim É se lhe Parece, de Luigi Pirandello; Mortos sem Sepultura, de Sartre; e Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias.

Em 1956, funda sua própria companhia com Tônia Carrero e o mestre Adolfo Celi na qual estréia no papel de Otelo numa interpretação unanimemente elogiada. Décio de Almeida Prado, o então respeitado crítico do Estado, escreveu que Autran não precisa altear o tom de voz para passar toda a autoridade, a força e a dor do general Otelo. A companhia termina em 1961, mas nesse curto período encena 17 peças, entre elas Fim de Jogo, de Beckett e Lisbela e o Prisioneiro, de Osman Lins. E foi na Cia. Tônia-Celi-Autran que ele conheceu seu primeiro retumbante fracasso, na peça Frankel, de Antonio Callado. ´Era um drama ambientado no Xingu. No terceiro dia de peça, tinha quatro pessoas na platéia. E não foi muito além disso. Tivemos que suspender a temporada logo depois da estréia.´

Em compensação, logo depois de desfeita a companhia dirigida por Celi, Autran atuaria no musical My Fair Lady, experimentando viver um estrondoso sucesso. Em seguida, viria Liberdade, Liberdade, Depois de Queda, de Arthur Miller, Édipo Rei e O Burguês Fidalgo e Morte e Vida Severina, todos grandes sucesso de público. ´Uma coisa aprendi nesses anos todos de teatro. Não há regras´, diria Autran em entrevista sobre os percalços da profissão. Sim, porque após essa série de sucessos, a coisa mudaria de figura. ´Veio uma série de montagens mornas. Não eram um grande sucesso, nem um grande fracasso. De alguma forma, parecia que eu só fazia o já esperado de mim.´

O impressionante é que nessa ´série morna` Autran enumera Macbeth, de Shakespeare; As Sabichonas, de Molière e Assim É… Se lhe Parece, de Pirandello. Pela primeira e única vez na sua vida, Autran afastou-se do palco durante seis meses. ´Precisava pensar o que estava acontecendo na minha carreira.` Chegou a conclusão de que ser a um só tempo ator e produtor atrapalhava. Decidiu então ´oferecer-se` ao diretor Antunes Filho. Foi assim, sob a batuta de Antunes, na peça Em Família, de Vianinha, em 1972, que recuperou seu bem-sucedido casamento com o palco. E nunca mais parou.

O mais jovens, aqueles que não tiveram a oportunidade de vê-lo em muitos desses grandes papéis – teatro é arte efêmera – certamente ainda puderam comprovar o seu talento nos seus últimos trabalhos. Por exemplo, na detalhada composição para o velhinho judeu da peça Visitando o Senhor Green. Os mais ousados, que esperam no camarim após o espetáculo para um abraço ao ator, invariavelmente surpreendiam-se com a diferença entre Autran e seu alquebrado Sr. Green. Mesmo fumando muitos cigarros diários, vício que lhe valeu algumas pontes de safena, Paulo Autran ostentava disposição invejável. Se não estava atuando, podia ser visto quase todo fim de semana na platéia dos teatros paulistanos. Jamais deixou de acompanhar a cena teatral.

Inquieto, nos últimos anos ainda arrumou tempo e energia para excursionar pela direção e apostar em novos talentos. Assim, dirigiu Vestir o Pai, de Mário Viana, protagonizada pela atriz Karin Rodrigues, uma grande amiga, por quem nutria profundo amor, e com quem se casou. E, ao lado de Claudio Fontana, atuou na peça Adivinhe Quem Vem para Rezar, o primeiro texto levado ao palco do dramaturgo Dib Carneiro Neto, editor do Caderno 2.

Diante de um ator como Paulo Autran, o risco não é o excesso de reverência, mas o seu oposto – não dimensionar a importância de sua arte. Foi no bojo de uma renovação da cena que ele começou sua carreira, o surgimento do teatro moderno. Saíam de cena os arroubos do astro personalista, entrava o ator com inteligência para dissecar um personagem, revelar e ampliar seus sentimentos e contradições, aliando em iguais medidas intensidade e contenção. Outras inovações vieram, atores de sua geração arriscaram-se em experimentações. Paulo Autran não. Mas cuidou, sim, de aprimorar o modelo que adotou ao limite da minúcia, o que pôde ser plenamente comprovado na montagem de O Avarento, seu último trabalho no palco. Quem viu, não esquece sua interpretação do sovina Harpagon rica de detalhes, precisa nos tempos de humor. Se existir céu, Molière certamente o receberá de braços abertos.

Com a palavra, o senhor teatro

BALDARACCI – ´Percebi o lado cômico do personagem, apesar da seriedade que a autora (Janete Clair) lhe emprestara. Janete vacilou no começo, mas depois me deu carta branca para improvisar e aproveitei bastante. Sem pensar, acabei criando uma tendência que depois se tornou norma em todas as novelas, isto é, interpretei comicamente um personagem dentro de uma novela dramática. Fui o primeiro a fazer isso.´

CINEMA – ´Gosto muito de filmar. O ambiente das equipes cinematográficas é sempre agradável, solidário e generoso. Perguntam-me sempre: ´Qual a diferença entre atuar no cinema e no teatro?` Ora, é só raciocinar: no teatro, você está atuando ao mesmo tempo para a primeira e última fila da platéia. No cinema, há uma lente que capta até seu pensamento e um microfone que apreende sua respiração.´

TEATRO É AMOR – ´Nas décadas de 50-60, Jean-Louis Barrault era o maior nome do teatro francês. Em todas as suas conferências (assisti a várias), ele fazia questão de dizer: ´Teatro é amor! Teatro é amor!` Naquela época, eu achava uma afirmação sentimental e barata. Passaram-se muitos anos. Amadureci bastante. Hoje, quando faço as minhas conferências para estudantes, costumo dizer com a maior convicção: Teatro é amor!´

ENSAIO – ´Em geral, as grandes descobertas de direção e de interpretação acontecem durante um ensaio. Gosto mais da primeira parte desse trabalho, o chamado ensaio de mesa. É quando se esmiúça o texto, o porquê de cada palavra, de cada cena, de cada personagem; quando os atores e o diretor (se este é inteligente) se influenciam mutuamente em discussões proveitosas. É a parte mais instigante para o ator, a mais proveitosa.´

CORPO – ´O ator não tem direito ao próprio corpo nem à própria cara. Num mesmo personagem, já usei sobrancelhas, bigode e barba postiços, tudo colado no rosto com verniz, com o risco de cair na frente do público. Em Visitando o Sr. Green, tive de usar um barrigão e em outras peças anteriores também. Único consolo: na minha idade, ao contrário da maioria dos velhos colegas que já adquiriram barriga de verdade, eu ainda tenho de usar uma postiça para parecer mais gordo.´

INVENCIONICES – ´Quando fui montar Rei Lear, chamei dois diretores brasileiros de grande nome e fiz o convite. O primeiro me disse: ´Já estou vendo o espetáculo: os atores vão andar sobre uma camada funda de bolinhas de gude cobrindo todo o palco.` E o segundo me saiu com essa: ´Já estou vendo o espetáculo: vamos cobrir o palco com uma camada de 30 centímetros de serragem, onde os atores vão pisar!` Nunca consegui entender por que, havendo tanta coisa para pensar sobre o texto de Shakespeare, os dois pensaram primeiro no piso do palco…´

CRÍTICOS – ´O que dá na cabeça de alguns críticos que se propõem a ser o árbitro do gosto do público? Podem comentar o espetáculo, sim, mas têm de ter a humanidade de saber que estão apenas apresentando uma opinião, uma opinião é sempre subjetiva, não pode ter a pretensão de ser normativa. O fato de ter uma coluna num jornal, receber cartas de leitores comentando a coluna, receber convites para todas as estréias, bons lugares nos teatros, vai-lhes virando a cabeça e dando-lhes uma sensação de importância muito maior que a importância relativa que efetivamente eles deveriam ter. Daí os desmandos, os abusos, as maldades (às vezes realmente engraçadas), as fofocas, as intrigas inteiramente fora de suas atribuições como críticos.´

CIGARRO – ´Fumo desde os 23 anos de idade. Deveria ter parado de fumar há 61 anos, no dia em que comecei.´

PERSONAGENS – ´Sempre caçoei internamente dos colegas que, de tão ´tomados` pelos personagens que interpretam, passam a ter na vida real atitudes físicas ou psicológicas dos mesmos. Para mim, quando fecha o pano o personagem deixa de existir. Pois paguei um pouco por afirmar isso sem pensar duas vezes. Durante a longa temporada de A Morte do Caixeiro Viajante, em minha casa, durante o dia, eu sentia uma tristeza, um peso, como se alguma coisa triste estivesse acontecendo. Eu estava trazendo meu personagem, o Willy Loman, para dentro de casa – e até comecei a arrastar os pés, exatamente como eu fazia por ele no palco. Decidi: minha próxima peça vai ser uma comédia! Hoje, por causa da idade, uma ironia: mesmo nas comédias tenho de arrastar os pés…´

REAÇÕES – ´Na temporada de Adivinhe Quem Vem para Rezar, uma senhora se aproximou de mim no saguão do Teatro Procópio Ferreira, depois da peça, chorando e dizendo: ´Você me devolveu meu filho, muito obrigada!` O rapaz rompera com todos desde que a mãe aceitara o marido de volta, depois de uma traição dele. Vendo a peça, esse filho mudou sua atitude, voltou para casa e convidou os pais para irem os três juntos ao teatro. Tive incontáveis momentos assim na minha carreira, de retornos emocionados e reações imediatas da platéia.´

ROMPANTES – ´Nos ensaios de A Morte do Caixeiro Viajante, Flávio Rangel queria que eu fizesse uma cena no centro do palco, com uma luz azul em cima de mim, dizendo o texto como se fosse poesia. E eu achava que nada disso era necessário. Irritadíssimo, peguei as rédeas da situação, chamei o elenco todo para o palco e comuniquei: ´Se esta peça não fizer sucesso, pode ser que a culpa seja minha, porque isso é Arthur Miller e não Gonçalves Dias. Não quero fazer um recital de poesia.` Silêncio total. Flávio me olhava, perplexo. Até hoje não me perdôo aquele rompante. Que bicho me mordeu?! Por que não conversei com Flávio, tão meu amigo? Fui grosseiro e mal-educado.´

ACM – ´Em minhas inúmeras viagens por esse Brasil afora, fui muitas vezes obrigado a falar com governadores, prefeitos e secretários de Educação e Cultura, em geral gentis e simpáticos. O único prefeito que me tratou mal foi Antônio Carlos Magalhães em sua primeira atuação em Salvador. Fui surpreendido com um imposto municipal inusitado e me informaram que só o prefeito podia me isentar do pagamento. ACM me deu um chá de cadeira de uma hora e depois, grosseiramente, me disse: ´Não gosto de teatro, para mim teatro é bobagem. O que você pagou está pago. Não precisa pagar os próximos três dias.` Mal me olhou e se retirou.´

KARIN RODRIGUES – ´O nosso caso começou com um belo coleguismo, depois uma grande amizade e depois um casamento feliz. E bota feliz nisso. Temos muita coisa em comum. Gostamos muito de rir um com o outro, um do outro e os dois dos outros. É uma mulher inesperada.´

GLAUBER ROCHA – ´O script de Terra em Transe já era genial. Aliás, Glauber escreveu um filme, filmou outro e montou outro, os três diferentes e os três geniais. Foi gentilíssimo comigo. Conversar com ele nos intervalos das filmagens era um prazer extraordinário. Antes de cada tomada, vinha pessoalmente desarrumar ainda mais os meus cabelos. Se há um motivo para eu me orgulhar da minha carreira, é o de ter trabalhado com Glauber.´

PRECONCEITO – ´Todo preconceito é fruto da burrice, da ignorância, e qualquer atividade cultural contra preconceitos é válida.`

FONTES: reportagens do Estado e o livro Paulo Autran – Sem Comentários (Cosac Naify)’

 

Mariangela Alves de Lima

Um mestre na arte de construir ilusões

‘Nos anos 50 do século 20, os vilões e os matutos da comédia de costumes já haviam desaparecido de cenário teatral. As companhias estáveis, apoiadas sobre um ideário que privilegiava a qualidade dos textos e a unidade estilística do espetáculo, desdobravam para os novos atores um vasto e inexplorado território de gêneros dramáticos e estilos de interpretação. Além do entretenimento, o teatro assumira a tarefa de agente modificador da cultura. Não foram só os artistas de teatro que idealizaram e executaram a modernização da cena. Intelectuais ligados à universidade, críticos, empresas jornalísticas e industriais se uniram para equiparar a arte cênica ao desenvolvimento das outras linguagens.

Na coluna do haver do nosso teatro figuravam ainda as tragédias gregas, o teatro clássico francês, o brilhante mecanismo do bulevar e as novidades textuais do teatro norte-americano e europeu do pós-guerra. Tendências estéticas diferentes, exercitadas há séculos em cidades com tradição teatral consolidada, chegaram aos nossos palcos de uma só vez, remontando-se, cobrando maturidade intelectual e técnica dos artistas e uma nova sensibilidade do público. Diretores, cenógrafos e técnicos podiam ser ´importados` e, de fato, o foram. Aproveitava-se desse modo o conhecimento e a experiência dos italianos. Quanto aos atores, era preciso encontrá-los entre nós. E só vocações geniais poderiam satisfazer a ambição de igualar em pouco tempo o repertório e as condições de execução de instituições teatrais centenárias. Obedecendo ao que nos parece hoje uma espécie de conjuração mágica, sem preparo adequado, sem terem se cultivado por meio do hábito de assistir ao bom teatro, os gênios apareceram. Paulo Autran é um astro duradouro dessa primeira geração de atores do moderno teatro brasileiro. Não se pode explicar, a não ser por essa misteriosa categoria romântica que é o gênio, a trajetória de um intérprete que protagonizou Sófocles, Shakespeare, Pirandello, conquistando ao mesmo tempo a estima da crítica e do público para esses empreendimentos ousados no tempo e no lugar em que ocorreram. Subtraiu-se ao rótulo de ´clássico´, aventurando-se em experimentos textuais contemporâneos como os de Harold Pinter e João Cabral de Mello Neto. E para a própria diversão, tanto quanto a do público, nunca deixou de intercalar aos textos complexos comédias que lhe permitiram exercitar o virtuosismo de ator cômico.

´Nenhum ator ou atriz tem uma gama infinita de versatilidade. Isso é impossível.` Essa constatação parafraseada por ele mesmo ao longo dos anos transparecia no trabalho de composição dos personagens em cena. Não se anulava no papel, jamais submergiu nas emoções de personagens e suas invenções cômicas tinham o decoro do jogo articulado em vez da soltura da improvisação. Permanecia atento ao universo das peças, ainda que por vezes não fosse inteiramente fiel à concepção dos diretores. Sabíamos quem estava em cena e o que se admirava não era a imersão da pessoa na personagem, mas o fato de que se tratava de um desempenho impondo-se pela inteligência da construção, trabalhado até o mínimo detalhe, construindo a ilusão ficcional de modo que fosse possível ver todos os homens através do rosto e da voz singulares, que o público conhecia e amava fielmente.’

 

Clarice pergunta

‘Clarice Lispector – Paulo, você tem um traço parecido comigo: um pouco de desorganização…

Paulo Autran – É, sim. Não gosto de tudo muito arrumadinho, não.

Clarice – Paulo, você acha que a vida é boa?

Paulo – Não conheço nada melhor do que viver, apesar de tudo. Apesar de tudo, Clarice.

Clarice – Você é religioso?

Paulo – Oficialmente, não. Mas se ser religioso é acreditar na capacidade humana de progredir por dentro, é acreditar em ser bom pelo amor aos outros, é tentar ser útil – então, sim, sou religioso.

Clarice – Você ainda sente certo frisson antes de entrar em cena?

Paulo – No dia em que não sentir isso é porque nada mais terei a dizer num palco. E você, Clarice, acha que a vida é boa?

Clarice – É bom ser. Mas só isso.

Trecho de conversa de Clarice Lispector com Paulo Autran, no livro Entrevistas, editora Rocco, 2007′

 

Luiz Carlos Merten

Com poucos papéis, fez história no cinema

‘Era o próprio Paulo Autran quem contava – grande ator de teatro e cinema, ele temia estar sendo excessivo em Terra em Transe. Queria ser minimal, mas o diretor Glauber Rocha, por trás das câmeras, lhe pedia sempre ´Mais! Mais!´. Quando fez Terra em Transe, em 1967, Autran já possuía a reputação de ser um dos grandes atores brasileiros e um currículo que, no cinema, remontava a 1952, na velha Vera Cruz, onde fez Appassionata. Vieram depois Veneno e Uma Pulga na Balança.

Ele fazia cinema, mas era, predominantemente, um ator de teatro. Glauber usou justamente essa teatralidade para esculpir o personagem de Diaz, ditador de Eldorado, o país fictício no qual resumiu o transe brasileiro. É curioso como o cinema de Glauber se constrói numa estrutura pendular. Seus heróis oscilam entre Deus e o Diabo, o Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro. Paulo Martins, o poeta de Terra em Transe, interpretado por outro ícone do teatro, Jardel Filho, oscilava entre Vieira e Diaz, o demagogo e o ditador, José Lewgoy e Paulo Autran.

Bastaria este filme para gravar, a ferro e fogo, a imagem de Paulo Autran no cinema brasileiro, mas ele fez outros filmes. Recentemente, fez um belo papel, como o velho Antônio de A Máquina, filme de João Falcão que o público não apoiou. Na próxima quinta, na inauguração da 31ª Mostra Internacional de Cinema, ele também poderá ser visto em O Passado, que Hector Babenco adaptou do romance de Alan Pauls. Com sorte, postumamente, Paulo Autran poderá estar no Oscar, por seu pequeno, mas decisivo, papel em O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Cao Hamburger queria Paulo Autran num papel maior. Queria que ele fizesse o velho judeu que acolhe em sua casa, no Bom Retiro, o garoto cujos pais não saíram em férias, mas caíram, vítimas da repressão durante o regime militar. Autran não pôde aceitar. Tinha outros compromissos. Hamburger, mesmo assim, insistiu e ele fez o papel pequeno. Como em A Máquina, e mesmo Terra em Transe, Autran mostrou que não existem pequenos papéis. Apenas pequenos atores. Senhor do palco, ele fez belíssimos papéis de protagonista em novelas da Globo. Pelo cinema ele passeou sua arte, o que não o impede de haver feito história em criações (e filmes) que ocupam o panteão do cinema no País.’

 

Comoção na classe artística do País

‘Amigos e colegas homenageiam em seus depoimentos o talento múltiplo de nosso ator maior: ´O Brasil está doendo`

´Ele nos deu o privilégio de apreciar o seu talento em momentos inesquecíveis do teatro, do cinema e da televisão. Recebemos com imensa tristeza a perda do nosso grande ator. Temos certeza que, de alguma forma, ele estará presentecomo exemplo de talento da arte dramática para os atores mais jovens.´

Luiz Inácio Lula da Silva

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

´Minha história com o Paulo começou quando eu era muito novinha. Aos 18 anos fui bailarina no musical My Fair Lady, com o Paulo e a Bibi Ferreira. Ele sempre gostou muito de mim. Eu prestigiava as estréias dele e o Paulo, as minhas. Estou muito triste.´

Marília Pêra

ATRIZ

´Muito difícil falar do Paulo Autran sem usar superlativos. De qualquer maneira, esta é uma hora muito mais de silêncio do que de palavras. Paulo saiu da modernidade e foi para a eternidade como o teatro. O Brasil está doendo.´

Gabriel Villela

DIRETOR DE TEATRO

´Estou muito comovida, mas ao mesmo tempo agradeço por ele ter ido em um momento de glória. Ele ficou pouco tempo fora dos palcos, Paulo Autran não poderia viver sem o teatro e Deus sabia disso. Que ele continue em sua glória.´

Walderez de Barros

ATRIZ

´A última vez que o vi, foi na semana passada na entrega do Prêmio Bravo. E eu me emocionei ao vê-lo dizer que nunca tinha vontade de chorar quando ganhava um prêmio, mas que naquele dia ele choraria porque ´já estava indo´. Inesquecível.´

Cao Hamburger

DIRETOR DE CINEMA

´Vi a estréia do Paulo em 1949, ao lado da Tônia Carrero, em Um Deus Dormiu Lá em Casa. Foi um espetáculo encantador. Tenho acompanhado sua carreira desde então. Paulo sempre foi um defensor do bom teatro, sempre soube valorizar um texto de qualidade, respeitando o teatro e o público.´

Bárbara Heliodora

CRÍTICA DE TEATRO

´Como todo bom guerreiro, ele não cedeu. Continuou fumando seu cigarrinho, continuou suas leituras, continuou fiel a seus princípios e à sua paixão de atuar, sempre buscando retratar o belo, buscando o gesto perfeito. O único detalhe que me entristece é que, quando um diretor se vai, ficam os filmes; quando um escritor se vai, ficam os livros. Quando um ator morre, seu trabalho nos palcos não fica para as novas gerações.´

Hector Babenco

CINEASTA

´Numa época de celebridades, ele estabeleceu fronteiras que não rompeu, preservando sua privacidade. Paulo era inteligente, sagaz, um grande crítico da realidade com o qual se podia concordar ou discordar, mas jamais ignorar.´

Alberto Guzik

CRÍTICO DE TEATRO E ATOR

´Paulo representou na minha vida e na minha carreira um divisor de águas. Trabalhamos juntos na peça Adivinhe Quem Vem para Rezar. Todo dia ele me dava uma dica. Foi um mestre para mim. Tinha paixão pelo teatro, que era para ele a arte mais nobre. Aprendi a atuar e a viver com ele.´

Claudio Fontana

ATOR

´Paulo é o exemplo do grande artista. Com sua morte, extingue-se uma postura que estamos cada vez mais carecendo: o de uma pessoa combativa, que viveu e defendeu o ofício do ator de teatro. Esse é o legado que ele deixou.´

Cassio Scapin

ATOR

´Paulo tinha capacidade de observação e de humor em qualquer momento. Perco um mestre, mas o que importa é que o teatro perde o maior caso de amor que eu presenciei.´

Felipe Hirsch

DIRETOR DE TEATRO

´Nunca mais o teatro brasileiro será o mesmo. Um artista como o Paulo é único e insubstituível. Era um ótimo sujeito. Não tive o prazer de trabalhar com ele, mas é como se tivesse trabalhado, porque queria muito bem a ele. Era uma pessoa transparente, honesta. Pessoas como ele deveriam ser imortais.’

Domingos Oliveira

DRAMATURGO

´Quem tem amor ao teatro tem amor à vida. Adorava vê-lo no palco fazendo comédia. Lembro dele numa cena de Uma Certa Cabana. Ele sentado de cuecas, mas elegantérrimo, com uma taça de bebida na mão. Ele era um ator tão fantástico que não se fixava em nenhum gênero.´

Sérgio Britto

ATOR

´É uma tragédia para o teatro, por ter perdido o maior de nossos atores. Paulo é o norte de todos nós, um homem que transmitia em suas interpretações a paixão que temos de ter pelo teatro. Era um homem estudioso até o último minuto, que aos 85 anos sentia frio na barriga antes de entrar em cena.´

Marcos Caruso

ATOR E DRAMATURGO

´É uma perda inimaginável. Paulo foi a pessoa que dignificou nossa profissão, que tirou a gente de uma coisa marginal e colocou o ator como uma das principais profissões do País. É uma perda muito grande, um vazio.´

Celso Frateschi

ATOR E DIRETOR’

 

AMÉRICAS
O Estado de S. Paulo

SIP denuncia ´contágio` da hostilidade contra jornais

‘A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) debaterá em sua assembléia anual que começou ontem em Miami a preocupante seqüência de ameaças e ataques à liberdade de imprensa não só em Cuba e Venezuela, mas também na Bolívia, Equador e Nicarágua.

O contágio da hostilidade contra a imprensa observado no continente é um dos temas centrais da 63ª Assembléia-Geral da SIP. A reunião, que segue até terça-feira, contará com participação recorde. São 533 participantes, o quórum mais alto dos últimos 20 anos.

´Estamos observando com preocupação que, infelizmente, na Nicarágua, Equador e Bolívia está sendo seguida a receita contra a liberdade de imprensa procedente da Venezuela e sob a tutoria de Cuba´, afirmou Julio Muñoz, diretor-executivo da SIP. ´São modelos que buscam o controle da imprensa.´

Nessa seqüência de atropelos se inclui, segundo ele, ´a pressão injustificada e sem precedentes da Venezuela contra a SIP ao boicotar a reunião semi-anual prevista para março` no país. Os hotéis de Caracas, Maracaibo e Ilha Margarita comunicaram à SIP que não há vagas para acolher os participantes da assembléia convocada para o dia 28 a 31 de março. O comitê executivo da entidade decidirá em Miami como responder a ´esse boicote´.

Durante a assembléia da SIP também serão celebrados seminários sobre ´A transformação e inovação no jornalismo´, ´Casos de integração do jornal digital à redação de impresso` e ´A nova revolução nos meios de imprensa´, entre outros.’

 

CARIDADE NA TV
O Estado de S. Paulo

SBT e o 10.º Teleton

‘No próximo fim de semana o SBT realiza a 10ª edição do Teleton, maratona televisiva em prol da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).

O evento, que contará com transmissão integral da emissora, irá a ao ar por cerca de 27 horas entre os dias 19 e 20 de outubro. Hebe Camargo e Daniel, que são padrinhos do Teleton, comandam a festa, que ainda contará com a presença de Ivete Sangalo, KLB, Martinho da Vila, Wanessa Camargo, Roupa Nova, Gabriel Pensador, Doublé You, Maragareth Menenez, Detonautas, Daniela Mercury,CPM 22 ,Babado Novo entre outros.

Apesar dos convites, nenhum artista da Globo confirmou presença no evento. Já das outras emissoras, nomes como Eliana, da Record, e a a turma do Pânico, da Rede TV!, se mostraram interessadas em participar. A trupe do Pânico foi convidada pelo próprio dono do SBT, Silvio Santos. No ano passado o Pânico não participou porque o SBT não liberou imagens dos bastidores do evento para Vesgo e Silvio usarem em seu programa.

Em dez anos de Teleton foram arrecadados R$ 127 milhões, para construção e manutenção de sete unidades da AACD.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Agência Carta Maior

Veja

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