Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O melhor de WikiLeaks

‘A questão do equilíbrio entre o poder do Estado e o contrapoder exercido pelos cidadãos é legítima e dificilmente contestável quando se trata de Estados totalitários. Mas é menos evidente quando se trata de Estados democráticos.’

A frase é do ex-embaixador francês no Senegal, o escritor Jean-Christophe Rufin, num artigo publicado originalmente no jornal Le Monde e reproduzido na publicação fora de série Le meilleur de WikiLeaks (O melhor de WikiLeaks), lançada na França pelas Edições Le Monde. Rufin se pergunta se é legítimo questionar e pôr em risco as instituições democráticas fruto da livre expressão da vontade popular, como o fez WikiLeaks, o polêmico site criado pelo australiano Julian Assange. ‘A partir de que patamar se passa da mobilização útil à ameaça contra o contrato social?’ escreve o escritor.

A dificuldade de exercer plenamente o contrapoder em relação a Estados democráticos foi colocada em praça pública pelo site WikiLeaks no caso da divulgação de documentos secretos originários de embaixadas americanas referindo-se à política de países como a França, a Grã-Bretanha e o Brasil, entre muitos outros.

‘Desejável e problemática’

Depois de várias semanas publicando e analisando o conteúdo de diversos dos famosos telegramas, o jornal Le Monde – um dos cinco órgãos de imprensa (com o espanhol El País, o inglês The Guardian, o americano The New York Times e o semanário alemão Der Spiegel) que publicaram e analisaram os documentos recebidos pelo fundador do site – deu a seus leitores acesso a uma seleção de alguns dos telegramas secretos com a publicação da revista Le meilleur de WikiLeaks, na qual, além de alguns dos mais polêmicos telegramas, o debate é enriquecido com análises e artigos contraditórios.

O embaixador dos Estados Unidos na França, Charles Rivkin, por exemplo, se mostra totalmente contrário à divulgação por entender que ‘a confidencialidade é um elemento intrínseco da diplomacia e a divulgação de documentos secretos coloca em risco a segurança de pessoas no mundo todo’.

Em seu artigo, Timothy Garton Ash, historiador e professor de estudos europeus da Universidade de Oxford, escreveu que ‘a divulgação dos telegramas americanos é, ao mesmo tempo, desejável e problemática’. Mas termina seu texto dizendo que aposta que ‘o governo americano deve se arrepender amargamente de sua decisão bizarra de confiar toda uma biblioteca diplomática recente a um sistema informático militar tão bem protegido que um jovem de 22 anos pode copiá-lo facilmente num CD de Lady Gaga’.

Princípios fundadores da democracia

Aurélien Colson, professor de Ciências Políticas na França e respeitado pesquisador do segredo e da transparência na diplomacia, escreve, no artigo intitulado ‘Em direção de um novo equilíbrio entre segredo diplomático e direito de saber?’, que ao divulgar os telegramas diplomáticos do Departamento de Estado destinados a permanecerem secretos, WikiLeaks poderia invocar os pais da diplomacia e da democracia americana. Ele afirma em seu artigo:

‘Entre a independência de 1776 e a Constituição de 1787, George Washington, Benjamin Franklin, George Mason e outros republicanos estabeleceram como princípio a recusa do segredo nas negociações internacionais. Essa recusa traduzia uma rejeição americana dos hábitos da diplomacia europeia de então, que costumava fazer acordos obscuros e tratados secretos em nome de monarcas que não tinham que dar contas de seus atos.’

Nesse caso, não é o criador de WikiLeaks quem deveria ser julgado, mas sim Barack Obama e Hillary Clinton, que com a diplomacia do segredo traem os princípios fundadores da democracia americana.

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Jornalista