Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os controvertidos conceitos de cultura e mídia

O Ministério da Justiça elaborou um confuso manual com diretrizes que controlam horário e faixa etária de programas culturais. Tal fato foi interpretado pelo meio artístico como ‘censura’ aos meios de comunicação e à classe artística brasileira. ‘Censura’, assim mesmo, entre aspas, é apropriado. Pois, gera problemáticas sobre o que os artistas defendem e o que e a quem é direcionada aquilo que os artistas denominaram de ‘censura’ do governo. Em vista dos desencontros no discurso, pois, o governo cita o controle da mídia e os artistas contestam sob a bandeira de dirigismo cultural. Nesses termos, há primeiramente a necessidade de definir dois conceitos que gravitam em torno deste debate: mídia e cultura. As definições de tais conceitos estariam associadas e realmente ameaçando o bem comum social, a liberdade de expressão?

Em primeira instância, poderíamos definir cultura de um povo como as manifestações espontâneas de seus hábitos e costumes, aquilo que denominamos de folclore, ou o desenvolvimento social e coletivo acerca da apreensão do conhecimento de uma determinada comunidade. Diante de tal definição, poderíamos considerar improcedente o argumento de dirigismo cultural elaborado pelos artistas. Pois, é praticamente impossível controlar a natural e espontânea vontade coletiva. Há vários exemplos na História da humanidade que corroboram essa afirmação, entre elas o sincretismo religioso do povo brasileiro, sinal de resistência passiva contra a padronização da religiosidade nacional. O povo brasileiro é, em sua maioria, católico, porém sua fé generaliza-se entre vários ritos africanos. Tal paradoxo religioso e cultural já explica a impossibilidade de qualquer controle cultural. E confirma a premissa de que a cultura de um povo é algo realmente democrático, pois prevalece a aspiração e entendimento da maioria.

O controle do ‘quarto poder’

Já a definição sobre mídia é a de um conjunto de meios de comunicação que visa a informar e formar opinião junto à população. Em geral, esses meios de comunicação se organizam em grandes empresas comerciais, como a Rede Globo, com um conglomerado de filiais pelo país que ‘rezam’ por uma mesma cartilha e irradiam sua ideologia pelo resto do país. Essa ideologia é difundida através de filmes, novelas, telejornais e arte, de maneira geral. A mídia usa e manipula a cultura popular a favor de seus interesses e forma e deforma a opinião pública – às vezes, encobrindo a realidade com nuances da ficção ou manipulando a informação. Na verdade, neste contexto é que poderíamos afirmar a existência de dirigismo cultural. E não é por acaso que os meios de comunicação são taxados de ‘quarto poder’ da sociedade.

Diante das análises supracitadas sobre cultura e mídia, podemos, assim, asseverar que a contenda entre artistas e governo não envolve questões culturais, mas refere-se, sim, a um debate político pela disputa do poder. Não está em questão o controle da cultura, mas o controle do ‘quarto poder’, o controle da mídia. Não há como e nem necessidade de um possível controle cultural, mas devemos ponderar tanto sobre as ações do governo, como dos artistas vinculados à grande mídia em seu jogo ideológico. Jargões como dirigismo cultural ou manifestações de controle do Estado, visando ao bem-estar social, devem ser vistas com desconfiança pela população e entendidas como um debate subliminar, quando as idéias não estão em seu devido lugar.

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Professor de História, Viçosa, MG