Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Para repensar a cobertura eleitoral

A pesquisa do Instituto Datafolha publicada no domingo (10/4) pela Folha de S.Paulo, na qual se dá conta de que nada menos do que 70% dos paulistanos estariam frustrados com o prefeito José Serra, oferece excelente oportunidade para voltarmos a pensar na cobertura jornalística das eleições.


Serra foi punido com a pior avaliação obtida por um prefeito da capital paulista nos três primeiros meses de governo municipal, desde que a consulta começou a ser feita, na gestão de Luiza Erundina (1989-1992).


Há vários aspectos interessantes de se analisar no trabalho publicado pela Folha, mas o que nos coloca outra vez diante da necessidade de repensar a cobertura das disputas eleitorais é a constatação de que, se realizado hoje, o segundo turno da eleição que colocou Serra na prefeitura resultaria na reeleição da ex-prefeita Marta Suplicy, pela acachapante proporção de 50% a 38% dos votos. Isso pode indicar que, sem a maquiagem usada na campanha e magnificada pela imprensa, o resultado eleitoral poderia ter sido diferente.


A avaliação do prefeito em seu primeiro trimestre de governo é tão negativa, que a balança das preferências estaria praticamente invertida, anulando sua vitória por 54,8% contra 45,1%, obtida no segundo turno das eleições de 2004. Como, segundo lembra a Folha, o começo do governo Serra foi muito semelhante aos primeiros cem dias de Marta Suplicy à frente da Prefeitura, podemos tirar uma observação adicional dos fatos revelados pela pesquisa: a influência da mídia sobre a imagem dos políticos talvez deva ser estudada em momentos diferentes, com e sem o pano de fundo da campanha eleitoral no rádio e na TV.


Imagem construída


Marta e Serra começaram igualmente seus governos se queixando de dívidas deixadas pelos antecessores, mas Marta personalizou menos suas acusações contra o prefeito anterior, Celso Pitta, e seu padrinho político, Paulo Maluf, do que Serra, que acusou diretamente a petista pelos problemas de caixa da prefeitura.


Outra diferença básica, que se observa no noticiário publicado no início de 2001 e no primeiro trimestre deste ano pelos dois principais jornais da cidade, – Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo – é que as queixas de José Serra contra Marta Suplicy receberam uma cobertura muito maior e por muito mais tempo do que as reclamações e acusações dela contra seu antecessor. As declarações de Serra mereceram quase duas vezes mais destaque de alto de página e manchete do que as manifestações de Marta – o que tem um valor relativo, em função da relevância dos outros fatos presentes em cada edição, mas também nos oferece interessante material para análise das escolhas da mídia e seus reais efeitos na opinião dos leitores-eleitores.


Que a imprensa em geral favoreceu o candidato tucano, durante a campanha eleitoral – como já demonstrado por outros observadores –, uma visita aos arquivos eletrônicos dos jornais e a boa memória não deixam muita dúvida. O que a pesquisa Datafolha parece estar mostrando adicionalmente é que, sem o suporte dos programas eleitorais gratuitos, as escolhas de edição têm um efeito menor sobre a opinião pública, já que a intensa cobertura dada pela mídia paulistana às queixas e acusações do prefeito em seus primeiros meses de governo não foi suficiente para lhe assegurar a manutenção do apoio dos cidadãos revertido em votos no ano passado.


Durante a campanha, dados em poder de petistas e tucanos indicavam que a imagem pública de José Serra era de um administrador rigoroso, competente, trabalhador e cuidadoso com o planejamento. Essa informação conduziu as escolhas de campanha, durante boa parte do tempo dirigida à atuação do então candidato como ministro do Planejamento e da Saúde.


Marta Suplicy, no final da campanha, tinha a seu favor a imagem de mulher moderna e destemida, por sua luta vitoriosa contra a máfia dos transportes, mas era tida como arrogante e autoritária.


Linha auxiliar


Sem o respaldo das mensagens criadas pelos marqueteiros políticos, repetidamente marteladas durante os programas eleitorais no rádio e na televisão, a imagem de Serra emerge muito alterada na pesquisa Datafolha: a maioria dos entrevistados (59%) considera que ele trabalha pouco, enquanto 47% o acham falso e 60% pensam que ele respeita mais os ricos que os pobres.


A diferença na avaliação do prefeito, apenas cinco meses após a eleição de 31 de outubro de 2004, não pode simplesmente ser creditada a uma suposta leviandade da opinião pública, uma vez que, como padrão, os estudos sobre imagem e marca feitos em circunstâncias semelhantes não costumam mostrar guinadas como a revelada pelo Datafolha sem a ocorrência de fatos relevantes que as jutifiquem.


O que pode explicar a reversão radical da figura pública do prefeito – sem que ele tenha de fato produzido eventos gravemente lesivos ao seu patrimônio político em três meses de governo –, é que a influência da imprensa na escolha dos eleitores se limita ao papel que ela estaria jogando como avalizadora das mensagens repetidas pela propaganda eleitoral.


Em outras palavras: ao editorializar o noticiário durante a disputa eleitoral, transferindo para as páginas de notícias a opinião de seus controladores, a imprensa não apenas presta um mau serviço público, mas se rebaixa à condição de instrumento auxiliar dos marqueteiros.

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Jornalista