Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Santo de casa não faz milagres

A moça que matou os pais – e está cumprindo 39 anos de pena – ganhou pelo menos meia página nos principais jornais da semana passada.

A mulher que foi presa por suspeita de ter mandado matar o marido milionário ganhador de um prêmio de loteria mereceu página inteira na Veja, além de farto espaço nos jornais.

A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em cuja gestão o desmatamento da Amazônia foi reduzido em 50% – e que recentemente recebeu um prêmio da ONU por seu trabalho em defesa do ambiente – só mereceu pouco mais do que dez linhas em alguns jornais. Isso nos mesmos dias em que os mesmos diários deram páginas e páginas sobre o relatório divulgado na sexta-feira (2/2), em Paris, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).

Ao comparar essas notícias, inevitável a pergunta sobre quais são os critérios da imprensa ao falar de mulheres.

Homenagem da ONU

A história de Suzane von Richthofen – a condenada – já deveria ter caído no esquecimento. Afinal, é crime antigo, o julgamento acabou e ela entrou para o rol dos condenados que cumprem pena. Ou os leitores estão condenados a cumprir pena junto com a moça, informados de cada novo acontecimento relativo a ela? Se o objetivo é mostrar o funcionamento da Justiça e do sistema penitenciário, certamente há milhares de casos – inocentes à espera de julgamento, condenados que já cumpriram pena e continuam presos etc., etc. – que poderiam render matérias bem mais consistentes do que as ‘fofocas’ sobre a situação da condenada que virou celebridade.

Se os jornais têm espaço e jornalistas disponíveis para tratar de casos como o de Suzane, ou da ex-cabeleireira viúva, não devem faltar recursos para dar mais destaque à ministra que recebeu um prêmio internacional por sua atuação. E nem daria muito trabalho. Era só acessar o site da ONU para descobrir por que ela está entre os sete vencedores do Campeões da Terra de 2007 do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Lá está dito:

‘Marina Silva é uma lutadora incansável pela proteção da floresta amazônica. O trabalho dela deu prioridade à conservação ao mesmo tempo em que leva em conta as perspectivas do povo que usa seus recursos no seu dia-a-dia. Nesse ponto, ela é uma campeã dos objetivos da Convenção da Diversidade Biológica, que promove conservação, uso sustentável e divisão igualitária dos benefícios da diversidade. Como membro do Senado brasileiro, ela legislou com sucesso pela preservação da floresta amazônica, defendeu seu povo contra a pobreza e protegeu o modo de vida deles. Como ministra brasileira do Meio Ambiente, desde 2003, a contribuição dela para preservar a variada, complexa e rica Amazônia brasileira é notável: o desmatamento diminui mais 50% nos últimos dois anos – um resultado inegavelmente ligado a um novo processo governamental implementado por ela e fundamentalmente baseado na idéia de setores governamentais e privados nas questões ambientais.’

Outra categoria

A imprensa não pode alegar que não divulga notas oficiais – porque as poucas linhas dedicadas à ministra saíram de uma nota da Radiobrás. E, menos ainda, dizer que este não era o assunto do momento. Meio ambiente foi o grande – e merecido – destaque da semana. O relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) recebeu o espaço devido na imprensa e até gerou matérias mostrando o que cada um de nós pode fazer para tentar ajudar na salvação do planeta.

Não haveria momento melhor para discutir com a ministra, como ambientalista militante e representante do governo, o que pode e deve ser feito pelo Brasil na questão ambiental. Era o momento certo de reunir cientistas e pesquisadores para fazer, com as autoridades, um debate sobre a situação brasileira e as medidas necessárias para preservar o meio ambiente.

Nas páginas dedicadas ao assunto durante a semana, Marina Silva pouco apareceu. Embora estivesse em um título de matéria (‘Brasil não está preparado, diz Marina Silva’ – O Estado de S.Paulo, 3/2/2007), ela só aparece no lead, para dizer ‘Nenhum país está. O que é dramático é justamente isso’.

Reconhecida internacionalmente, para a imprensa a ministra brasileira parece estar na categoria dos santos de casa que não fazem milagre. Principalmente quando o santo é mulher.

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Jornalista