Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Um compromisso, uma história, um saldo

O Observatório da Imprensa nasceu numa universidade (Unicamp) mas não é um projeto acadêmico.


Começou num Laboratório (Labjor), como experimentação, mas recusa o hermetismo teórico.


Procurou combinar inovação com participação pública. Serviu-se da tecnologia mas recusa ser escravo dela.


Ao escolher a designação de observatório estava consciente de que a observação de um fenômeno é a forma correta de nele intervir.


Comprometeu-se a incentivar a discussão sobre a imprensa e os meios de comunicação na presença de um interlocutor crucial, indispensável e, não obstante, sempre esquecido – a sociedade. Diversificada, pluralista, e por isso sábia. Razão pela qual em todos os seus formatos busca a interatividade com suas audiências. São elas que o legitimam. São os seus interesses que o pautam.


Documentos fundadores


O Observatório da Imprensa buscou a noção de excelência em jornalismo no exato momento em que a mídia impressa brasileira inebriava-se com os malabarismos do marketing e as soluções mágicas trazidas por consultores internacionais.


Partiu do pressuposto de que o jornalismo é um exercício crítico permanente ao qual todos devem ser submetidos, sobretudo o próprio jornalismo. Quando a imprensa se exclui do debate torna-se automaticamente suspeita.


Sempre esteve ciente de que a democracia é um processo dinâmico e que cada poder necessita de um contrapoder para equilibrá-lo. O único e legítimo contrapoder ao poder da imprensa é a conscientização do cidadão-leitor, cidadão-ouvinte, cidadão-telespectador e cidadão-internauta.


Considera o exercício crítico como ação política, mas a partidarização desta crítica converte-a em algo tão enganoso quanto as manipulações que pretende corrigir.


Pretendia-se de início criar um fórum, depois um veículo, acabou transformado num fórum-veículo, imperiosamente periódico, podium em movimento, e submetido às mesmas exigências de qualidade que exige dos demais meios de comunicação.


Com estas convicções criou-se e se mantém o Observatório da Imprensa. E como um dos esteios deste projeto é a absoluta transparência, cabe ao leitor avaliar o quanto foi alcançado. Abaixo estão reproduzidos os principais documentos fundadores do OI.


***


Instala-se o Labjor


Pelo visto, esta história que hoje começa poderá ser uma história de sucesso. Dizem que este é um país inerme, cansado, mas em apenas um ano saímos do sonho para a realidade.


Os nossos segredos:


** Recusamos o utopismo dos planos grandiosos, intocáveis e inacessíveis. Preferimos a metáfora da semente – a miniaturização de um projeto em pequeno formato, deixando que sua maturação ocorresse naturalmente com a contribuição de todos os parceiros.


** Fizemos a opção pela soma e pela convergência. Rejeitamos as exclusões e as barreiras do corporativismo


** Identificamos um objetivo e nele nos concentramos – a contribuição para a melhoria dos padrões da imprensa, certos de que a imprensa, sendo um espelho da sociedade, não pode contentar-se em ser igual ao objeto que reflete, mas pretender o melhor. Num momento em que a imprensa em todo o mundo vive uma crise de identidade, em que são contestadas a sua própria essência e função; e quando, no Brasil, os dez anos da redemocratização resultaram num perigoso retrocesso, achamos que era a oportunidade para começar.


O Labjor pretende atuar em três linhas:


** Programas setoriais de desenvolvimento profissional e pessoal para jornalistas.


** Estudos, projetos e consultorias no campo jornalístico para entidades privadas ou públicas.


** Formação de novos quadros com o funcionamento regular de um curso de pós-graduação em jornalismo, aberto a graduados em qualquer área.


Este é o nosso passado e o nosso futuro, os nossos segredos e o nosso projeto. Vocês serão os protagonistas. [A.D., 12/4/1994]


 


Um projeto em gestação


A Imprensa está enferma. Livre, demasiadamente livre (segundo alguns), é hoje o alvo preferido das críticas dos meios políticos, intelectuais, acadêmicos e – o que é mais grave – dos próprios jornalistas.


O espaço e o tempo que a mídia ocupa dentro da própria mídia são cada vez maiores, o que não significa que os problemas estejam sendo corretamente observados. Ao contrário: alguns destes espaços cativos, como é o caso do ombudsman da Folha de S.Paulo, reforçam ainda mais os vícios vigentes.


O remédio mais eficaz e menos arriscado para o sistema democrático tem sido a criação de organizações destinadas a acompanhar o desempenho da mídia e chamar a atenção para os eventuais excessos. O que os americanos chamam de media watching é uma forma de sensibilizar tanto a sociedade como os profissionais para o papel crucial que os meios de comunicação hoje desempenham.


Nos Estados Unidos já existem algumas destas organizações não-governamentais, sendo que as mais importantes tem conotações políticas muito evidentes: a FAIR (Fairness & Accuracy in Reporting), fundada em 1986, pretende contrabalançar o poder do establishment na grande imprensa. Sua contrapartida conservadora é a Accuracy in Media. FAIR publica uma revista bimensal, Extra !, considerada uma instituição dentro da instituição.


Na França foi criado no início de 1995, junto ao CFPJ (Centre de Formation et Perfectionnment des Journalistes), uma congênere, o Observatoire de la Presse que tem três objetivos: a) publicação de um relatório anual sobre o estado da imprensa; b) organização de seminários e jornadas de estudo destinadas aos profissionais; e, c) realização de estudos e pesquisas de opinião, por encomenda de empresas ou entidades sobre o jornalismo, jornalistas e o leitorado.


Em Portugal, antes ainda, em 1994, foi fundado um Observatório da Imprensa, patrocinado por um grupo de jornalistas das principais empresas, preocupados com a sua profissão e sem compromissos com entidades corporativas.


Ao ser criado na Unicamp, em abril de 1994, o Labjor (Centro de Estudos Avançados de Jornalismo) pretendia atuar nas três vertentes da congênere francesa: a) no campo acadêmico em cursos de extensão, especialização e pós-graduação; b) junto ao mercado através de projetos de formação e treinamento, inclusive para professores de jornalismo; c) junto à sociedade ajudando a promover o senso crítico nos destinatários do processo informativo.


O que temos observado nestes primeiros meses de atividades do Labjor é que o media watching não pode ficar restrito a uma única instituição, sob pena de perder legitimidade. Deve tentar reproduzir, de forma espontânea e informal, a própria sociedade com toda a sua diversidade.


Para atender à terceira vertente do Labjor, sugere-se a criação de um Observatório da Imprensa (ou da Mídia, já que os problemas transcendem o jornalismo e envolvem todos os meios de comunicação). Seria uma associação de entidades necessariamente não-corporativas, pilotadas pelo Labjor e entre elas o Cebrap (representando o segmento acadêmico de alto nível), eventualmente o Instituto Roberto Simonsen (representando o setor mais intelectualizado do empresariado), associações de magistrados (jamais a OAB), de psicólogos e psicanalistas, de educadores etc.


Estas parcerias devem ser cuidadosamente examinadas de modo a evitar a politização do debate e a reedição da ‘miniaturização da sociedade civil’ no último período da resistência contra o regime militar, que acabou caricaturada numa coleção de siglas.


Este é um trabalho que não pode ser executado filantropicamente. Alguns profissionais terão quer ser contratados e [montada] uma infra-estrutura mínima para o desenvolvimento dos estudos e pesquisas.


O acompanhamento do desempenho da imprensa só se efetivará na medida em que a sociedade dele possa tomar conhecimento, caso contrário será ineficaz, estéril e, sobretudo, sem possibilidade de gerar debates. Três canais de comunicação deverão ser instituidos: I) um programa regular em TV Pública, com periodicidade moderada; II) um nicho na internet com atualização diária ou semanal; e III) uma publicação mensal ou bimestral para veicular os estudos produzidos no período.


Uma vez montado o primeiro Observatório em São Paulo será fácil exportar o modelo de organização para outros estados, de modo que o processo de acompanhamento da imprensa possa ser executado em nível local. [A.D., Lisboa, dezembro de 1994]


 


A sociedade ocupa o espaço social


Enquanto o debate ideológico contemporâneo acirra-se em torno da questão do tamanho e funções do Estado na era da globalização e da interdependência, tanto os conservadores como os progressistas convergem numa questão: a sociedade civil não pode permanecer anestesiada.


A constatação complementa-se com os desdobramentos da revolução tecnológica e urbana que pressupõe um despertar cívico e cidadão, indispensável para espantar o fantasma do Big Brother previsto por Orwell. A sociedade não pode abdicar da sua capacidade de participar e movimentar-se para ocupar aqueles espaços e funções magnificados pelo desenvolvimento econômico, social e político. Ela deve ser agente de si mesma de modo que partidos e corporações não se apoderem de seus desígnios maiores.


O Estado democrático torna imperiosa a existência da sociedade civil com expressão autônoma e complementar. Tutelada pelo Estado, deixa de ser civil.


Por outro lado, os três poderes clássicos são insuficientes para garantir um nível de representação que satisfaça a cidadania. E o Quarto Poder, que deveria ser um fiscal dos demais, converteu-se em algo tão inconfiável quanto estes.


Francis Fukuyama, Amitai Etzioni e um bando de cientistas sociais das mais variadas posições do espectro ideológico estudam hoje novas formas de ocupação do espaço social devolvendo à sociedade civil a agilidade para resolver seus problemas. O comunitarismo tem sido aventado como uma resposta à sociedadade de massas, jurássica e amorfa.


A imprensa neoconservadora inglesa como o Economist e o Financial Times vem publicando extensas matérias sobre as ONGs e as QUANGOS (Quasi Autonomous Governamental Organizations). As primeiras não se limitam ao assistencialismo como são vistas no Brasil, e as outras aproximam-se da noção de autogoverno local.


No Brasil esta reflexão sobre o ‘espaço social’ ainda não começou. Continuamos aguardando o Messias que dará vida ao aparelho do Estado. A Sociedade Civil continua vestida com as mesmas roupas de cruzado que usava na campanha para derrubar a ditadura. Não passa de uma coleção de siglas – que, sem dúvida, deram legitimidade à luta contra o autoritarismo – hoje incapazes de se situar no tempo e fortemente corporativistas.


Por outro lado, a recém-criada Comunidade Solidária, diante das gigantescas tarefas na luta contra a miséria, ainda não conseguiu desvencilhar-se do assistencialismo para assumir-se como um novo canal de ação e representação.


Ainda não temos ONGs para fiscalizar o Legislativo, Executivo e o Judiciário. A mídia que, em condições normais, seria a Provedora da Cidadania, vive perigosa aproximação com entretenimento e o circo – afastada dos pressupostos pelos quais lhe são assegurados tantos privilégios.


Aqui entram os grupos que os americanos chamam de media watchers e os franceses, retóricos como sempre, denominam de agents mediateurs.


O Observatório da Imprensa que se pretende organizar em São Paulo não será um fórum de debates para as corporações engajadas na industria informativa. Será, sim, o foro onde a cidadania vai exercer sua capacidade crítica. A imprensa é exercida, em geral, através de empresas privadas, mas é, antes de tudo, um serviço público. E como tal precisa ser fiscalizado por seus usuários.


Os participantes serão educadores, psicólogos, médicos, sociólogos, empresários, magistrados, religiosos e servidores públicos que atuarão sempre desconectados das suas filiações corporativas e políticas. Um verdadeiro espelho da sociedade e nunca uma reunião de grupos de pressão. (…) [A. D., Lisboa, janeiro de 1995]


 


Os primeiros alicerces


** O que é o Observatório da Imprensa?


Entidade civil, não-governamental, não-corporativa e não-partidária que pretende acompanhar, junto com outras organizações da sociedade civil, o desempenho da mídia brasileira.


O Observatório da Imprensa funcionará como um fórum permanente onde os usuários da mídia – leitores, ouvintes e telespectadores, organizados em associações desvinculadas do estabelecimento jornalístico, poderão manifestar-se e participar ativamente num processo no qual, até agora, desempenhavam o papel de agentes passivos.


O fórum está previsto para reunir-se mensalmente, em sessões abertas, com pauta e programação a serem divulgadas.


** Para que um Observatório da Imprensa?


No caso da mídia, a cidadania foi convertida num conjunto de consumidores, ficticiamente vocalizados por pesquisas de opinião pública que empregam metodologia quantitativa, necessariamente redutora e, com pautas alheias aos reais interesses e necessidades dos opinadores.


Os meios de comunicação de massa são majoritariamente produzidos por empresas privadas cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios de seus acionistas ou representantes. Mas o produto jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias e privilégios específicos previstos em vários artigos da Carta Magna, o que pressupõe imperiosas contrapartidas em matéria de deveres e responsabilidades sociais.


Será este serviço público (e não as empresas ou os profissionais que executam as suas diretrizes) a matéria-prima das avaliações e diagnósticos. O Observatório da Imprensa não pretende competir, substituir ou alinhar-se às tradicionais entidades associativas, como a ABI, a FENAJ, a ABERT, a ANJ e a ANER.


Num momento em que o debate ideológico confina-se à falsa questão das dimensões e atributos do Estado, é indispensável compreender as múltiplas convocações para que se aumente significativamente a atuação da Sociedade Civil, que não pode continuar reduzida a um conjunto de siglas de prestígio ou, no caso, minimizada como a combinação dos vários segmentos do mercado consumidor de informações.


A Sociedade Civíl deve compreender sucessivos níveis de monitoração e atuação de forma a diminuir a distância entre os poderes e a cidadania, convertendo-se ela própria numa instância. No caso dos meios de comunicação de massa, o Observatório da Imprensa propõe-se a funcionar como um atento mediador entre a mídia e os mediados preenchendo o nosso ‘espaço social’, até agora praticamente vazio.


Embora pioneiro, o Observatório não pretende ser único. O início de suas atividades serve como convocação a outros grupos para fazerem o mesmo


(…)


** A quem pertence o Observatório da Imprensa?


Pertence a todos os que se interessarem pela continuação deste projeto. Está sendo organizado no estado de São Paulo pelo LABJOR (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) da Unicamp porque este, além das suas atividades de formação, treinamento, reciclagem e consultoria nos campos profissional e empresarial, tem compromissos com a conscientização dos destinatários da mensagem jornalística, sem a qual resultarão insuficientes todos os esforços de qualificação da nossa imprensa.


** Podem-se criar outros Observatórios no país?


O nome e normas de funcionamento do Observatório estão disponíveis a todas as comunidades do território nacional, desde que mantidos os pressupostos que nortearam a sua fundação.


(…)


** Como será a comunicação do Observatório com a sociedade?


Além do fórum regular, breve será franqueada na internet uma home page com o mesmo título e que conterá a súmula das reuniões mensais, o calendário de eventos futuros e, sobretudo, a participação das congêneres e cidadãos que desejarem manifestar suas opiniões a respeito dos assuntos. O endereço será obspress@sol.uniemp.br. [Março de 1996]


 


A semente do programa de TV




PARA: Alexandre Machado, Diretor de Jornalismo, TVE


DE: Alberto Dines


DATA: 14 de Agosto de 1996.


ASSUNTO: Observatório da Imprensa


Alexandre, meu caro:


Espero que já tenha examinado a nossa home-page na Internet e lido o manifesto que acompanhou seu lançamento. Com isto, dispenso-me de oferecer a fundamentação conceitual. O programa de TV pretende os mesmos objetivos com outro formato, periodicidade e, naturalmente, âmbito.


Alguns destaques:


** O título pertence ao Instituto Uniemp, que o cederá por empréstimo à Fundação Roquete Pinto.


** A fim de caracterizar o programa com uma ferramenta legítima da sociedade para acompanhar aquilo que lhe diz respeito, é indispensável que além dos âncoras esteja presente um elenco de figuras oriundas dos vários segmentos sociais. Esta busca de representatividade implica uma escolha criteriosa dos intervenientes (alguns regulares, outros esporádicos) para evitar que o programa transforme-se num veículo sobre jornalismo para jornalistas.


** O mix deve incluir jurista, educador, cientista social, psicólogo, empresário, legislador e fonte (em qualquer nível).


** Estes moderadores não precisam necessariamente estar nos estúdios do Rio, podem participar de São Paulo e Brasília. O que implica estipular que o programa será ao vivo, formato de videoconferência.


** Além do âncora seria interessante uma coadjuvante para dinamizar a parte do estúdio e até para funcionar como substituta em caso de emergência.


** Nomes para integrar a ‘sociedade civil’:


(…)


** Acho que a imprensa deveria aparecer ao vivo, em pé de igualdade com os críticos. Em reportagem editada, poderia considerar-se prejudicada.


Sugiro um brainstorm aqui em São Paulo (…) para ampliar os candidatos ao elenco e discutir o programa, infra-estrutura, insumos etc. Depois desta reunião, estaríamos em condições de fazer uma maquete ou programa-piloto. Não sei se a TVE tem um departamento de intercâmbio internacional. Caso positivo, tentar pedir nos EUA, França e Inglaterra cópias de programas similares sobre mídia. [Grande abraço, A.D.]