Embora a adoção de leis de acesso à informação pública seja um dos processos mais rápidos de disseminação global de uma legislação até hoje registrados, o Brasil é o 90º país a aprovar um diploma legal dessa natureza, constata a professora da Faculdade de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ana Malin, que integra o corpo docente da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). Com a entrada em vigor da Lei 12.527, na quarta-feira (16/5), só Costa Rica e Cuba, na América Latina, não têm lei de acesso à informação.
A professora atribui a aprovação da lei a uma exigência crescente da sociedade civil e a uma sequência de decisões e políticas de Estado, mas igualmente a pressões externas, entre elas exigências feitas a partir de 1990 por bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições financeiras internacionais. Naquele momento, só 13 países tinham leis dessa natureza. “O acesso a informações públicas era visto como algo pertencente à esfera da governança administrativa e não como direito humano fundamental”, diz Ana Malin.
Há alguns meses a professora iniciou pesquisa sobre novos padrões de gestão na administração pública brasileira que consigam responder aos direitos do público criados com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação. Para fazer uma comparação internacional, consultou relatórios da ONU e da Unesco e pesquisa da Associated Press (ver“AP avalia legislação em 105 países”)
Eis os trechos principais da entrevista.
Dados abertos reduzem burocracia
A reta final da redação da lei teve pouco tempo, entre a ida da presidente Dilma Rousseff a um encontro com o presidente Barack Obama dedicado à parceria Governo Aberto, em setembro de 2011, e a aprovação no Congresso Nacional, em novembro. E nela se deu muito pouco tempo para a implantação, seis meses. E isso no quadro de um tradicional déficit de informação no Estado. No México, os órgãos governamentais tiveram prazo de seis meses para planejar o serviço e mais seis meses para implantá-lo.
Entretanto, fizemos uma lei que tem uma abrangência maior do que a das leis de outros países. A lei brasileira obriga os três poderes nas três esferas de governo – União, estados e municípios – mais as instituições privadas que recebem recursos públicos. Avançamos, ainda, incluindo dados governamentais abertos, uma solução de democracia com menos burocracia.
[A expressão dados abertos se aplica a bases de dados do governo que, não contendo informações sigilosas nem estando sujeitas a direitos de propriedade intelectual ou patente, ficam à disposição do público em formato não proprietário. Isso permite que organizações possam baixar em seus computadores bases inteiras e, a partir daí, formatá-las como lhes convier e fazer tratamento automático de dados.]
Formulário escrutina cidadão
O atraso nos deu a vantagem de trabalhar com dados governamentais abertos num momento em que ferramentas da internet já estão consolidadas. Mas sempre tendo em mente que quem pode tirar melhor proveito disso é a sociedade organizada, que tem condições de colocar uma equipe profissional para capturar esses dados, analisá-los e reutilizá-los.
Para que não tivéssemos dúvida de que estamos no Brasil, o formulário brasileiro exige que o requerente se identifique com tantos detalhes que o governo parece estar mais interessado em montar um cadastro sobre quem solicita do que entender e resolver o seu pedido de informação. Fica quase uma inversão: quem é você que quer saber isso ou aquilo? No México, a pergunta pode ser anônima e a resposta tem que ser pública, o que faz todo o sentido.
[Os dados de identificação pedidos no formulário são os seguintes. Pessoa física: obrigatórios − nome, documento de identidade (tipo e número), endereço físico, endereço eletrônico; não obrigatórios – telefone(s), sexo, data de nascimento, escolaridade (seis opções, desde sem instrução formal até mestrado/doutorado), ocupação principal. Pessoa jurídica: obrigatórios − razão social, CNPJ, nome do representante, cargo do representante, endereços físico e eletrônico; não obrigatórios: telefones, tipo de instituição e área de atuação. Em compensação, a folha com o pedido propriamente dito manda discriminar apenas o órgão ao qual o pedido é dirigido (e não o período em que foi gerada a informação solicitada). E deixa o resto do espaço para a especificação do pedido.]
“Parece livro de queixa de condomínio”
A correria está patente no formulário que a CGU até agora divulgou, porque ele não usa nenhuma tipologia que facilite encontrar a resposta. Parece livro de queixa do condomínio, que aceita todo tipo de reclamação e ainda obriga o síndico a entender a letra, ou a redação e a grafia, se for via sistema. A universidade pode ajudar muito a melhorar isso. Existem muitos estudos sobre categorias de informação do setor público. O formulário não pede nem a delimitação do período em que os dados foram produzidos.
É muito positivo o que a CGU está fazendo, muitos congressos, reuniões, seminários, todo um esforço, o portal está muito bom, mas ainda há bastante improviso. Não sei onde estava o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que não entrou com sua experiência de consulas via governo eletrônico, e por que a CGU não recorreu à própria universidade. O fato é que é impossível essa especificação do pedido levar a alguma coisa, considerando-se centenas de milhares de pedidos.
Agora o jeito é ver como se dá o funcionamento disso durante um período de seis meses, algo assim, e fazer as correções necessárias. Nós, do Ibict, pretendemos montar no Rio de Janeiro uma equipe para analisar os pedidos, separar uma amostra e começar a classificá-los, para saber a quem estão sendo dirigidos.
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Apresentação feita pela professora Ana Malin em seminário da Prefeitura do Rio de Janeiro pode ser lida aqui.