Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A soberania informativo-cultural


‘Uma notícia tá chegando lá do interior/ não deu no rádio, no jornal, nem na televisão.’ Notícias do Brasil, Milton Nascimento e Fernando Brandt


Podemos considerar plenamente soberano um país que tenha o seu setor audiovisual invadido em 95% por produção estrangeira pesadamente em sintonia com interesses e valores destrutivos, imperiais e antinacionais?


Pode o Brasil pretender e alcançar melhorar seu desempenho no jogo pesado do poder mundial – como está tentando legitimamente – sem dispor de soberania plena sobre seu sistema de satélites, hoje nas mãos de uma empresa desnacionalizada (Embratel) e controlada por um país que está instalando bases militares na América do Sul, além da Quarta Frota?


É admissível um país possuidor de descomunais riquezas minerais e de um tesouro de biodiversidade – despertando cobiças igualmente colossais e sinistras num mundo marcado pelo intervencionismo de grandes potências – não dispor de um sistema de comunicação nacional voltado para a defesa da brasilidade, dos interesses nacionais, educativo, informativo e humanizador?


Será aceitável do ponto de vista da soberania-informativa um país como o Brasil possuir salas de cinema em apenas 8% dos seus municípios? É tolerável um país com inequívoco potencial para posições de liderança no cenário internacional registrar taxas tão indigentes de leitura de livros, jornais e revistas, inferior à registrada na Bolívia, sendo tão pobre também no número de bibliotecas e livrarias?


Vulnerabilidade informativo-cultural


Na idade da mídia, na idade do conhecimento, é decisivo que temas tão estratégicos para a emancipação de um povo e de uma nação recebam na Conferência Nacional de Comunicação que se avizinha o tratamento adequado como questão de soberania informativo-cultural. Assim, nesta primeira Confecom – convocada por um presidente que sintetiza em sua própria história de vida a luta de um povo por soberania informativo-cultural – a sociedade brasileira está inapelavelmente desafiada a descobrir, criativamente, caminhos eficazes para libertar seus sistemas de informação e comunicação do controle imposto por interesses rebaixados por um vale-tudo do mercado cartelizado e controlados por ideologias, modelos e valores de países intervencionistas e expansionistas! Estamos confrontados com a obrigação de construir um modelo de comunicação capaz de enfrentar a imensa vulnerabilidade informativo-cultural que pesa como uma ameaça à nação brasileira.


Partindo do princípio que só se pode considerar livre um povo efetivamente culto, constata-se estarmos diante de uma gigantesca tarefa de iniciar nesta I Conferência Nacional de Comunicação, uma caminhada para tentar fazer com que finalmente a comunicação no Brasil cumpra, pelo menos, o que define a Constituição Federal. O capítulo da Comunicação Social da Constituição, se cumprido plenamente, já seria uma grande transformação comunicativa, pois prevê a proibição de monopólio e oligopólio, a regionalização, a finalidade educativa e informativa, e, especialmente, a complementaridade entre sistemas público, privado e estatal de comunicação, o que felizmente vemos estar sendo construído por nossos hermanos argentinos, com a aprovação de uma nova lei democrática de comunicação, que democratiza até mesmo a exibição de futebol na TV.


Aqui, as TVs públicas estão proibidas de transmitir futebol. E as partidas se realizam muito tarde para um povo trabalhador, depois das telenovelas… o que é imposto por uma trama de interesses não públicos.


A Confecom e os dois projetos


As importantes mudanças comunicativas em curso na América Latina, apresentadas falsamente pelos magnatas da mídia e pelo mais intervencionista dos países do mundo como se fossem formas de censura estatal, realmente são o pano de fundo de tudo o que se está discutindo pelo Brasil afora após a realização das Confecons estaduais. Algumas delas exemplarmente televisionadas pelas tvs do campo estatal, como a paranaense, transmitida ao vivo pela TVE do Paraná e a de Minas, transmitida também ao vivo pela TV Assembléia, ambas em sinal aberto. Fica evidente o desafio para que também a TV Brasil e outras, seguindo o feito exemplar das duas TVs estatais, também transmita as conferências que ainda faltam realizar e a própria Confecom nacional.


Estes singelos, porém importantes exemplos do Paraná e de Minas, estão sincronizados com a disputa de dois projetos em curso na América Latina. De um lado movem-se os poderosos interesses do grande capital pretendendo introduzir maiores facilidades para as grandes empresas oligopolistas da mídia mundial, demolindo ou flexibilizando os instrumentos de defesa do estado porventura ainda vigentes nos países da periferia.


Aquilo que pretendiam com a Alca, projeto derrotado pelos povos que desenharam um novo mapa geopolítico latino-americano. Mas, continuam tentando fazer de outro modo. Ainda nos querem impor a Doutrina Monroe, agora para a era digital. Historicamente, não pode o império deixar de ser império. Registre-se que Obama é Prêmio Nobel da Paz mas ameaça militarmente o Irã, exige que a China – maior produtor mundial de computadores – renuncie à sua capacidade de concorrência, instala sete bases militares na Colômbia, com evidente capacidade operacional para todo o continente, como adverte, com lucidez, o ministro Samuel Pinheiro Guimarães.


Neste quadro de sombras, o Brasil, nem empresa nacional de satélites possui mais: FHC internacionalizou a Embratel. Os movimentos intervencionistas visando expandir a ocupação de mercados cada vez mais anexados à produção e à ideologia dos EUA, também são parte essencial do quadro de vulnerabilidades ideológicas em que ocorre a Confecom. Ainda que isto ainda não esteja explícito plenamente


Desnacionalização


Empresas transnacionais querem internacionalizar, desnacionalizar e obviamente cartelizar mais e mais a comunicação no Brasil. O Projeto de Lei número 29, em tramitação na Câmara Federal, é um exemplo claro dos movimentos intervencionistas imperiais para retirar qualquer restrição ou defesa para livre operação dos oligopólios internacionais na TV por assinatura e também para que as telefônicas transnacionais – com suas sinistras ramificações de acionistas e anunciantes que conduzem até à indústria bélica – possam atuar na televisão local, em todas as modalidades. Para confundir os distraídos e ingênuos discutiram ‘cotas de produção nacional’, quando deveria ser o contrário.


É indispensável que o Brasil tenha um instrumento de estado capaz de sustentar a soberania informativo-cultural dos brasileiros, como também restrições a esta deletéria invasão estrangeira de ideologias e valores imperiais, sustentados por grandes empresas estadunidenses, muitas delas localizadas no epicentro da crise financeira internacional e que, impunemente, continuam a beneficiar-se da emissão de dólar sem lastro, papel pintado, com o qual bancam projetos de renovada ingerência na América Latina.


Fazem parte deste projeto, entre outras, ações como a do Usaid, financiando praticamente a fundo perdido, ONGs , jornalistas e intelectuais latino-americanos para a defesa dos valores estratégicos do Departamento de Estado dos EUA sempre entrelaçados com os grandes interesses das empresas norte-americanas, como denunciam a advogada norte-americana Eva Golinger e o jornalista canadense Jean-Guy Allard. Essas operações são ampliadas agora pela recente determinação do programa radiofônico oficial do governo dos EUA, a Voz da América, que decidiu fortalecer sua presença na América Latina, convocando jornalistas para cursos e estabelecendo um formato de rede com outras 300 emissoras de rádio na região.


Impedir os câmbios


O objetivo é impedir a transformação comunicativa em curso, cujo significado mais preciso é o da recuperação dos espaços públicos midiáticos. Venezuela recupera o espaço radioelétrico como um bem público antes seqüestrado por oligarcas da comunicação vassalos da ditadura petroleira norte-americana e começa a fortalecer sua TV e rádio públicas, a comunicação comunitária é um fator democrático e soberano tangível na pátria de Bolívia, instala-se uma poderosa indústria de cinema, a ‘Villa del Cine’, clássicos da literatura internacional como Dom Quixote, recebem tiragem na casa dos milhões e são distribuídos gratuitamente. Até Contos, de Machado de Assis, mereceu na Venezuela uma tiragem de 350 mil exemplares, quando aqui no Brasil a tiragem padrão de livros é de apenas 3 mil exemplares. E nossa indústria gráfica tem uma capacidade ociosa de 50%.


As mudanças percorrem os Andes, e a Bolívia forma uma Rede de Rádios dos Povos Originários, lança um jornal público, Cambio que, em apenas seis meses de vida, já vende tanto quanto o maior jornal privado que tem décadas de privilégios de mercado, nas quais apoiou todos os numerosos golpes de estado no país. No Equador a novidade avança pela TV e rádio públicos, cria-se um Conselho de Comunicação, há uma revisão dos critérios para novas concessões atacando os privilégios para as oligarquias tradicionais, que se consideravam portadoras de algum ‘direito divino’ para comandar a radiodifusão.


A Argentina quebra o monopólio do Grupo Clarin, reestrutura, fortalece e qualifica a TV e rádio públicos fundados na era peronista, reservando espaços iguais na radiodifusão para o setor privado, o setor público-estatal e também para a sociedade organizada, que terá direito a um terço do fazer comunicativo. Nicarágua e Uruguai também fortalecem legislações que expandem e qualificam o papel da comunicação pública. Estas mudanças estão na mira do império.


É neste pano de fundo que ocorre a Confecom no Brasil, com a oposição da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), entidade fundada pela CIA, e com seus jornais afiliados repetindo, esbaforidos, que ‘vem aí a censura estatal’, além de publicarem todo e qualquer tipo de ofensas aos governantes eleitos pelo voto das grandes massas pobres, chamando Evo Morales de narcotraficante, Hugo Chávez de psicopata e a Lula de analfabeto e outras baixarias. Se dissessem ‘cuidado, podemos perder nossos privilégios’, ou ‘a ditadura de mercado sobre a mídia está em risco’, ou ‘vamos ter que aceitar o absurdo de dividir a comunicação com o setor público e a sociedade’, talvez estivessem divulgando possibilidades mais realistas sobre o que está verdadeiramente em curso, mesmo que ainda muito embrionariamente. E com barreiras imensas a serem transpostas. Se Cristina Kirchner teve maioria parlamentar suficiente para aprovar uma lei democrática de comunicação, o mesmo não ocorre aqui no Brasil, pois a heterogênea base aliada de Lula possui forte e inconfiável presença de radiodifusores.


Ainda com todas estas evidentes ações de intervenção dos EUA contra as mudanças em curso ou contra aquelas que apenas começam a ser desenhadas, como no Brasil, há quem defenda, inclusive no chamado campo progressista, exemplos de práticas de comunicação norte-americanas, ao invés de buscarmos elaborar as linhas mestras para construir nosso próprio modelo de informação e comunicação, presidido pelo princípio da soberania informativo-cultural.


Uma voz para o Brasil


Será que um país com a experiência sócio-histórica acumulada que tem o Brasil, com pensadores do porte de um Álvaro Vieira Pinto, Câmara Cascudo, Roquette Pinto, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Anísio Teixeira, Josué de Castro e tantos e tantos outros, não teria também a condição de estruturar um sistema comunicativo livre destes padrões e ingerências nefastas do intervencionismo neocolonial?


Não há clareza quanto aos objetivos avassaladores das políticas comunicativas emanadas pela Casa Branca para o mundo e em particular para a América Latina? Não se pratica lá uma das mais sofisticadas ditaduras midiáticas do mundo, capaz até de seduzir e enganar toda uma sociedade para que apoiasse a invasão do Iraque em base à mentirosa tese das armas de destruição em massa, divulgada criminosa e incessantemente pelo sistema de comunicação dos EUA, inclusive o público, com o que se cometeu um sanguinário massacre?


E ainda há quem apresente o sistema de rádio público de lá como modelar… quando estão construindo um consenso interno para atacar nuclearmente o Irã. Basta dizer que todo o sanguinário intervencionismo dos EUA no mundo foi sustentado por sua mídia, inclusive sua comunicação pública, o que nos leva a afirmar que o sistema comunicativo estadunidense está entre os mais antidemocráticos do planeta, sobretudo se considerarmos a capacidade que possui para submeter a voz e os direitos históricos dos povos no mundo.


Carnaval, Rede, Câmara Cascudo, Villa-Lobos…


O povo brasileiro foi capaz de desenvolver inúmeras experiências sócio-culturais altamente comunicativas. Mencionemos a inteligência da invenção da rede lembrada por Câmara Cascudo, ou dos Coros Orfeônicos de massa criados pelo gênio de Villa-Lobos durante a Era Vargas. Ou do Cine-Educativo de Roquette Pinto e Humberto Mauro, nesta mesma fase de nossa história, quando a Rádio Nacional chegou a ser a quarta mais potente emissora do mundo, emitindo em quatro idiomas, alcançando todos os continentes e tendo entre seus cronistas intelectuais como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Nestor de Hollanda e Cecília Meirelles, entre outros.


Tão significativa foi aquela experiência comunicativa da emissora estatal que Carmem Miranda chegou a ser das principais cantoras nos EUA e Aquarela do Brasil a canção mais tocada no mundo em certo momento. Produziu-se importante publicação de integração cultural panamericana como ‘Pensamento da América’, retratada no interessante livro América aracnídea. E nem é preciso discorrer muito sobre esta exuberante expressão de comunicação de alcance planetário que é o carnaval brasileiro.


Se lembrarmos que tivemos uma Rádio Mauá – a Emissora do Trabalhador – com razoável participação de segmentos sindicais e que fomos capazes de criar o programa como o Voz do Brasil quando o país era rural, quando as taxas de leitura eram ainda mais indigentes que as de hoje, um programa que chegava e ainda chega a todos os grotões levando informação relevante dos poderes públicos e que hoje está ameaçado pelos magnatas da comunicação que preferem o Voz da América… constatamos que podemos aproveitar parte importante da nossa história. A Confecom é a oportunidade para tomar consciência de nossas vulnerabilidades informativo-culturais, dimensionar com realismo nossa imensa dívida e para iniciar a construção de um novo rumo a seguir, um modelo democrático , brasileiro e soberano de informação.


Ousar inventar, romper padrões


Como ensina Álvaro Vieira Pinto: na nossa história, todas as vezes em que os brasileiros tentaram ousar e inovar, quebrando padrões e modelos impostos das metrópoles, como os quebrados pelo o gênio de Villa-Lobos, sempre surgiam os ‘conselheiros’, os ‘especialistas’ dizendo que tudo já estava feito, que não há nada de novo a fazer, que bastava seguir o caminho traçado… por eles. Foi assim que implantamos e desenvolvemos sob as asas sombrias da ditadura e posteriormente da tirania do mercado cartelizado, um sistema comercial de comunicação verdadeiramente embrutecedor, basicamente seguindo o modelo dos EUA.


Se Vargas tivesse dado ouvidos aos ‘especialistas’ dos EUA que juravam que no Brasil não havia petróleo, hoje a Petrobrás não seria o colosso que é e nem teria a mais avançada das tecnologias de prospecção marítima de petróleo! Nem estaríamos a discutir a soberania sobre o petróleo pré-sal! Inovamos, ousamos, criamos, inventamos lá atrás! Se fomos capazes de gestar um espírito inovador e criativo como o de Santos Dumont, desdobrado posteriormente na construção de uma indústria aeronáutica própria como a Embraer – embora internacionalizada na Era da Privataria – fica claro que temos sim, como país e como povo, a capacidade de construir um modelo também inovador de comunicação.


Aproveitar o que se fez de útil no passado, readaptar para os desafios da contemporaneidade, mas, sobretudo, retomando o caminho de dotar o estado de instrumentos capazes de realizar políticas públicas soberanas e estratégicas, como as praticadas por muitos países que não se avassalam e que por isso avançam na elevação informativo-cultural de seus povos.Venezuela, Equador e Bolívia já derrotaram o analfabetismo. A mídia atuou favoravelmente a esta conquista. Aqui o sistema midiático, com o mais profundo desprezo, expande a dívida informativo-cultural que esmaga o nosso povo.


Rádio Mauá: a Emissora do Trabalhador


Sim, há tudo de novo por ser feito. Desde a recuperação dos espaços públicos midiáticos para sua verdadeira dimensão e missão públicas, a começar pela própria redistribuição do espectro radioelétrico, conforme prevê a Constituição, na forma tripartite que nunca foi regulamentada, como também para preservar o que é essencial, como o programa Voz do Brasil. Ou ainda a recuperação daquilo que foi importante e que foi demolido, como a experiência da Rádio Mauá.


Que tal se a Rádio MEC em Brasília, hoje apenas encarregada de repetir o quase imperceptível sinal da Rádio MEC Rio – portanto, subutilizada – fosse destinada à recuperação da histórica Rádio Mauá, remodelada, potencializada, para que alcançasse todo o território nacional e tendo parte de sua programação elaborada por uma Fundação de Comunicação do Trabalhador, gerida democraticamente e de modo colegiado pelas centrais sindicais? A emissora já existe, hoje está subaproveitada, bastaria uma decisão de governo. Seria uma nova emissora do trabalhador, voltada para o mundo do trabalho, para educar profissionalmente, ecologicamente, para o consumo responsável, a para a agroecologia, para conceitos cidadãos de saúde, para educação estética, para o trânsito civilizado, podendo sim fazer um grande diferencial.


Recursos para dotá-la de capacidade técnica e de quadros não faltam, já que são fartos, por exemplo, os recursos públicos dirigidos para o Telecurso Segundo Grau, programa escondido de seu público algo em transmissões pela madrugada, desrespeitando os contribuintes que pagam por sua produção.


As propostas aprovadas pelas conferências estaduais de comunicação indicam primeiramente, pelo seu volume e caráter repetitivo, o rompimento, o transbordar de algo que está engasgado, está represado. Mas, indicam também que ainda falta uma política mais realista para que se possa aproveitar a oportunidade da primeira Confecom para avançar naquilo que é indispensável e que, em boa medida, depende da organização das forças políticas progressistas em torno de uma tática eficiente. Que consiste inicialmente em avaliar atentamente que Lula não conta com a maioria parlamentar que Cristina Kirchner, Rafael Correa, Hugo Chávez e Evo Morales possuem para fazer as mudanças que estão operando na comunicação em seus países.


O significado das 59 propostas da Secom


As 59 propostas à Confecom apresentadas pelo governo Lula, por meio da Secom, indicam um importante grau de sintonia entre governo, amplas parcelas do movimento sindical-social e segmentos antimonopolistas do empresariado. Muitas das propostas da Secom podem perfeitamente ser subscritas pelos delegados da sociedade civil, são coincidentes.


Do gesto de convocação da Confecom por Lula à apresentação destas 59 propostas está a comprovação de que há condições reais para que a Conferência vá além da produção de um documento a ser enviado e posteriormente engavetado pelo Congresso Nacional, que é pressionado pela maioria dos magnatas da mídia. As 59 propostas da Secom também revelam a impropriedade de não se considerar o governo Lula como parte central na aliança do campo popular para democratização da comunicação, incompreensão que ainda permanece em alguns segmentos.


As grandes mudanças na comunicação do Brasil que dependem de mudanças constitucionais ou de sua regulamentação desembocam necessariamente na discussão do cenário que emergirá das urnas de 2010. Teremos uma maioria parlamentar não-capturada pela bancada do coronelismo eletrônico com capacidade para impor mudanças hoje? Essa base de sustentação deverá ser construída a partir da Confecom para assegurar um processo de mudanças, difíceis de ocorrer sem um campo popular organizado, no qual incluem-se governo Lula, movimentos sindical-social, partidos políticos e até segmentos não-monopolistas do empresariado.


A ciência da tática


Mas, há mudanças que podem ser operadas hoje, que estão ao alcance das políticas de estado, de ações de governo. Exemplo disso é a proposta de recuperação da RTVI (Rede de TVs Institucionais). Em 2004, Lula emitiu decreto presidencial criando tal rede que levaria a todos os municípios brasileiros, por meio de um sistema de repetição, o sinal das emissoras institucionais, com a possibilidade de que houvesse a geração de programação própria por um determinado período a cargo de municípios.


Como era esperado, tal proposta encontrou raivosa oposição da Abert. Mas, obteve também a oposição, esta inesperada, da Fenaj, contrariada pela forma do decreto-lei escolhida pelo presidente da República. Como se o presidente eleito com mais 63 milhões de votos não tivesse representatividade para tal decisão. Perdemos tempo. Mas, com a Confecom a proposta pode ser recuperada já que foi aprovada no Paraná e no Rio de Janeiro. E pode ser atualizada para a tecnologia de TV digital, podendo inclusive incorporar em seu novo formato as TVs Comunitárias, evidentemente, operando em sinal aberto digital.


O resultado bem poderia ser a municipalização da TV no Brasil, com forte impulso na indústria de equipamentos, gerando empregos, fortíssimo impulso no audiovisual brasileiro, também ampliando empregos e inovação de linguagem, identidade cultural e elevação estética, além de representar, simultaneamente, a regionalização da produção jornalístico-cultural e a integração informativo-cultural num país rico e continental, cujo vizinho, a Colômbia, está a instalar bases militares dos EUA, provavelmente, não para uma política de boa-vizinhança.


Portanto, é preciso definir prioridades nesta Confecom e entre elas está a operação de políticas de comunicação e a construção de instrumentos de comunicação pública que nos permitam, como povo cada vez mais organizado, assegurar de fato a soberania informativo-cultural indispensável para que o Brasil possa atuar com legítimo e mais eficiente protagonismo no perigoso e explosivo jogo do poder político internacional. Mesmo que enormes mudanças sejam necessárias no sistema de comunicação do Brasil, devemos nos perguntar, nas condições atuais, na relação de forças atuais, e dentro do arco de alianças indispensável para enfrentar potentes oligopólios estrangeiros e internos, até onde vão as nossas forças e quais são as propostas que mais nos unem agora?


Não será nesta Confecom o ajuste final de contas com a ditadura midiática. Não será ainda o dia do juízo final midiático. Provavelmente, as forças progressistas não tenham a possibilidade de fazer a ‘virada de mesa’ que desejam, inclusive porque muitas delas estavam céticas até mesmo quanto a participar da Confecom. É apenas uma etapa mais elevada desta longa caminhada, que deve ser aproveitada para alinhavar a sustentação e implementação de várias propostas, algumas delas emblematicamente defendidas pelo próprio governo Lula, sustentação que requer uma tática e um campo popular da comunicação pública cada vez mais unido e fortalecido.

******

Presidente da TV Cidade Livre de Brasília e membro da Junta Diretiva da Telesur