Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Da Nova República à República das Irrelevâncias

Apertado por um repórter competente, o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) declarou na sexta-feira (18/3) que embora seu pai seja sócio em duas rádios no seu estado natal, ‘isso é irrelevante’. Candidato a ministro por indicação de seu padrinho Severino Cavalcanti, o deputado não vê conflitos de interesse nem constrangimentos em ocupar a pasta. ‘As rádios são pequenas e deficitárias’, explicou candidamente. [Clique aqui para ler a nota de Leandro Colon.]


Ao longo das últimas semanas o nome da senadora Roseana Sarney também freqüentou a lista dos ministeriáveis, mas, como ela é mais versátil, polivalente, havia várias hipóteses em torno do seu futuro endereço na Esplanada dos Ministérios – a mais badalada foi a de que ocuparia as instalações do prédio do Ministério das Comunicações. Ninguém estrilou, ainda que no patrimônio da senadora a lista de concessões de rádio e televisão (no Maranhão e no vizinho Piauí) seja muito mais significativa do que as duas rádios ‘pequenas e deficitárias’ da família Nogueira Lima.


Nossos jornais e jornalistas estão imunizados contra estas e outras irrelevâncias, tanto assim que quando o potentado da mídia eletrônica do Pará, o deputado Jader Barbalho (PMDB), assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, o evidente conflito de interesses foi perfeitamente aceito pela imprensa e, obviamente, por seus pares no Legislativo.


Concentração e baixaria


Impossível identificar o início da prevaricação que acabou por tornar ‘irrelevante’ o fato de um parlamentar beneficiar-se de uma concessão pública. Mas a farra das concessões de radiodifusão na Câmara e Senado começou quando o Vice-Rei da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, ganhou de presente o Ministério das Comunicações do seu parceiro no tempo do regime militar, José Sarney, escolhido pelos fados para substituir o agonizante Tancredo Neves.


Tão logo enfiou a faixa presidencial em cima do jaquetão, Sarney encasquetou a idéia de esticar o seu mandato por mais um ano e, para convencer os congressistas a respeito do desprendimento da sua reivindicação, encarregou ACM de convertê-los em felizes proprietários de rádios e repetidoras de TV pelo país afora.


A dupla Sarney-ACM foi a maior distribuidora de concessões de emissoras de rádio e TV de todos os tempos. Se grande parte dos legisladores federais hoje está no negócio de mídia – o que lhes garante estar ao mesmo tempo no negócio da política –, isto se deve à diligente distribuição de benesses promovida por ACM a mando de Sarney [‘Circo da Notícia’, 4/4/2001, veja abaixo remissão para íntegra do texto].


Calcula-se que a dupla distribuiu entre 958 e 1.028 concessões nos cincos anos em que operou o negócio. Graças a esta generosidade instalou-se então no Legislativo a máquina de disfarçar improbidades que, na semana passada, foi capaz de levar um jovem parlamentar como Ciro Nogueira a assumir publicamente sua incapacidade para distinguir o certo do errado.


A mesma máquina de triturar valores morais e avacalhar os representantes do interesse público foi a artífice do irreversível processo de concentração da mídia eletrônica e consagração da baixaria televisiva que colocou o país na rabeira do desenvolvimento cultural [veja remissões abaixo].


Ao comemorar os 20 anos da redemocratização percebe-se que a Nova República de Sarney foi a mãe desta República das Irrelevâncias onde nada espanta e vale tudo.