Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cristina dá ultimato para retomar licenças do Clarín

O próximo dia 7 de dezembro poderá ser o começo do fim para o poderoso grupo de comunicação argentino Clarín. Nas últimas semanas, a profecia foi anunciada por vários jornalistas e programas de TV alinhados com a Casa Rosada em sua disputa com um dos grupos empresariais mais importantes do país. O ataque governamental no fim de semana foi direto. Durante a transmissão do campeonato nacional de futebol, a TV estatal exibiu um vídeo acusando o grupo Clarín de violar os três poderes do Estado. E o governo confirmou, ainda, a decisão de garantir o cumprimento da Lei de Meios Audiovisuais, aprovada em 2009 pelo Congresso, a partir de 7 de dezembro. Ou seja: trata-se de um ultimato para que a empresa – crítica da presidente Cristina Kirchner – venda ou devolva suas licenças de transmissão.

A data é a prevista pela Corte Suprema de Justiça para a entrada em vigor do artigo 161 dessa polêmica lei, que prevê o chamado “processo de desinvestimento” da mídia. A legislação obriga os representantes do setor a se adequarem a regras que limitarão, por exemplo, a no máximo 24 o número de concessões de TV a cabo a cada empresa (o Clarín tem 240, além de dez emissoras de rádio e quatro canais de TV aberta).

O vídeo da Casa Rosada dura quase cinco minutos e está dedicado integralmente à queda de braço do governo com o grupo. “Agendem em seu calendário o dia 7 D, D de diversidade, de democracia. Nesse dia, depois de três anos de sua aprovação no Congresso, entra finalmente em vigor um dos artigos mais importantes da Lei de Meios Audiovisuais, que garante mais pluralidade de vozes”, diz a propaganda.

“Sem expropriar ou estatizar”

O vídeo foi a primeira ação do novo diretor da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), órgão que regula os meios de comunicação do país, o deputado Martin Sabatella – cuja nomeação para o cargo foi contestada por parlamentares da oposição. Segundo analistas, ele foi designado pela presidente para liderar uma etapa crucial da guerra com o Clarín.

Na propaganda, a Casa Rosada assegura que o governo “não vai expropriar ou estatizar meios de comunicação, mas vai garantir o cumprimento de uma lei que democratiza a informação”. Não fica claro, porém, o que acontecerá em dezembro. Nas últimas semanas, circularam rumores até sobre uma intervenção estatal à força.

A legislação é motivo de ampla polêmica na Argentina. Imediatamente após a aprovação de lei, a discussão em torno do artigo 161 foi parar nos tribunais. Para o grupo Clarín, a norma viola os direitos adquiridos por suas empresas, que controlam licenças de rádio e TV concedidas pelo Estado com prazos de vencimento que superam os previstos na lei kirchnerista. Com esse argumento, o grupo recorreu à Justiça sob a alegação de inconstitucionalidade e obteve uma liminar que suspendia a implementação até dezembro de 2013. Em maio passado, porém, sob pressão do Executivo, a Corte Suprema antecipou o prazo para dezembro deste ano. “No dia 7 de dezembro não deveria acontecer nada, porque o processo não está resolvido; nossa demanda continua sem obter uma resposta da Justiça”, explicou Martin Etchevers, gerente de relações institucionais do grupo.

Segundo ele, mesmo se o artigo 161 entrasse em vigor no dia 7 de dezembro, a lei só começaria a valer no prazo de um ano, conforme o estabelecido pelo texto da legislação, para que as empresas se adequem às novas regras: “Teríamos mais um ano para obter uma sentença favorável.”

A posição do grupo é clara: a Corte Suprema tomou uma decisão sobre a liminar, mas não encerrou a discussão sobre a constitucionalidade do artigo 161 que, segundo fontes do Clarín, é violado por outros grupos de mídia – inclusive aliados do kirchnerismo.

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Governo estabelece data para forçar Clarín a desfazer-se de canais

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 24/9/2012

O governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, lançou no fim de semana a mais dura advertência pública e direta ao Grupo Clarín – que edita o jornal de mesmo nome –, estabelecendo o prazo para pôr em vigência uma draconiana lei de mídia, aprovada em 2009, que proíbe empresas de mídia de manterem mais de uma emissora de TV na mesma praça.

Num inusitado anúncio de mais de quatro minutos levado ao ar durante a transmissão dos jogos de futebol deste fim de semana, o governo argentino fixou a data de 7 de dezembro como limite para a execução das medidas, que forçaria o Clarín a se desfazer da maior parte dos 240 canais a cabo, 4 abertos e 10 emissoras de rádio de sua rede. Na mensagem, o Grupo Clarín é qualificado de “uma verdadeira cadeia nacional ilegal”.

Segundo o governo, nessa data expira uma medida cautelar impetrada pela empresa contestando a nova legislação. “O Estado argentino não vai expropriar meios de comunicação. O Estado argentino não vai estatizar meios de comunicação. O Estado argentino vai garantir as fontes de trabalho e o cumprimento de uma lei que democratiza os meios de comunicação na República Argentina”, dizia a mensagem na TV.

Total de emissoras deve ser dividido em três

Desde o início da queda de braço com o governo, o Clarín teve cancelados contratos de publicidade oficial, sofreu várias devassas fiscais, teve caminhões bloqueados por piquetes pró-governo que impediram o jornal de circular e viu o Estado assumir – por força de lei – o monopólio da distribuição de papel-jornal no país.

Desse último processo, que culminou com a expropriação da empresa Papel Prensa, derivaram ainda acusações ao Clarín e a outro importante jornal argentino, La Nación, que podem resultar no julgamento de seus proprietários por violação de direitos humanos – sob o argumento de que eles colaboraram com os ditadores do regime militar (1976-1983). A dona do Clarín, Ernestina Herrera de Noble, enfrentou durante anos a acusação de ter roubado e criado como se fossem seus filhos dois supostos descendentes de vítimas da ditadura, até que exames de DNA desfizeram tal suspeita.

Diretores do Grupo Clarín responderam de imediato ao anúncio do governo fazendo circular sua própria mensagem. Na visão da empresa, a própria lei impulsionada por Cristina estabelece o prazo de um ano após 7 de dezembro para recursos legais que questionem as medidas administrativas a serem adotadas pelo órgão técnico do governo que controla o setor de comunicações. “Qual a intenção deste relato oficial?”, pergunta o Clarín em seu anúncio. “Preparar o terreno para outra coisa? Acabar com o estado de direito na Argentina? O anúncio do governo se difunde nove dias depois de os veículos do Grupo Clarín terem sido praticamente os únicos que cobriram maciças mobilizações e panelaços contra o governo em várias partes do país, enquanto os meios que dependem direta ou indiretamente do Estado decidiram não transmitir ou minimizar esses protestos, em sintonia com a linha determinada na Casa Rosada”, prossegue a nota da empresa.

Críticos da lei kirchnerista dos meios de comunicação afirmam que, além de calar vozes menos simpáticas ao governo, ela também abre a possibilidade de favorecer empresas de telefonia, sindicatos e instituições aliadas à Casa Rosada com a redistribuição das licenças de transmissão das emissoras de rádio e TV. Pela legislação, o total de emissoras que operam no país deve ser dividido em três terços: um para emissoras de capital estatal, outro controlado por entidades sem fins lucrativos – como igrejas, sindicatos e fundações – e o último para canais comerciais. (Com a Associated Press)

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[Janaína Figueiredo é correspondente de O Globo em Buenos Aires]