Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O Estado de S. Paulo


CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
Luis Erlanger


Liberdade de expressão, direito de escolher


‘Infelizmente o ditado ‘o preço da liberdade é a eterna vigilância’ ainda não
perdeu validade, pelo que se viu no artigo da jornalista Leila Reis, publicado
no Estado de S. Paulo, no dia 4 de fevereiro.


Ao contrário do que se tem dito, a TV Globo acha legítima a existência de
classificação indicativa. O ideal até é que diversas entidades se manifestem
sobre a adequação da programação.


O que é uma ameaça é que ela seja impositiva e que tire dos pais o direito de
decidir sobre o que os filhos podem e até mesmo devem ver na televisão
aberta.


Nada muito diferente do que as famílias devem fazer, por exemplo, com um
jornal impresso.


Se os pais deixam um exemplar de um jornal ao alcance dos seus filhos, eles
tanto podem ter acesso a assuntos importantes para a sua formação, como podem
ver temas desaconselháveis, como os anúncios de comercialização de sexo das
páginas de classificados.


Fico imaginando como o Estado de S. Paulo – um dos veículos que mais sofreram
com censura no passado – reagiria se um grupo de funcionários públicos fosse
encarregado de classificar as faixas etárias para leitura das suas diferentes
partes do jornal.


Vale registrar que, mesmo em relação a conteúdo jornalístico, já existe
portaria de órgão federal determinando aos jornais e revistas a publicação
obrigatória de advertências dentro do texto.


Quanto à alegação de que crianças ficam sozinhas em casa, o problema não é a
televisão ligada ou o jornal largado no sofá. É tomada elétrica, fogão, remédio,
bebida, janela: é desagregação familiar, que não se resolve com censura.


Justificar controle alegando-se que televisão é concessão pública é
desconhecer que essa exigência não ocorre por ela ser um dos muitos veículos de
comunicação social. A autorização do Governo acontece simplesmente pelo uso de
um recurso limitado, no caso o espectro para a transmissão dos sinais. Assim
como água, petróleo e outros bens de quantidade restrita, o Estado disciplina a
distribuição dos acessos dos canais. Pela lógica democrática, não pode intervir
no seu conteúdo.


Se o critério fosse comunicação social, os demais veículos, como jornais e
revistas, também seriam concessionários.


Também se resolveu agora questionar a grande conquista do modelo único
brasileiro: televisão privada sustentada por publicidade, sem que a população
pague para assistir.


Se ver anúncio em tevê é uma cobrança, um pedágio indireto, o que dizer então
das publicações impressas, que, além de fazerem receita com verba publicitária,
ainda são vendidas aos leitores ?


O equívoco aqui é demonizar a propaganda. É uma atividade legítima, mais um
instrumento para a escolha do consumidor e importante fator de desenvolvimento
da sociedade.


N o caso da Rede Globo, das 45.000 empresas que anunciam por todo o país, 94%
investem menos de R$ 50 mil por ano. Isso transforma a televisão aberta num
veículo fundamental para as pequenas e médias empresas. Que, como se sabe, são
as grandes empregadoras e distribuidoras de renda no Brasil.


Para concluir, só merece repúdio a insinuação de que a classe artística age
por pressão de patrão ou por ignorância.


Uma sociedade que entende que a população tem capacidade para acionar, de
tempos em tempos, a urna eletrônica para decidir os rumos do país há de ser
capaz de escolher pelo aparelho de controle remoto, a cada momento, o que é
melhor para sua família.


Sem contar que é muito estranho que, em vez de controlar a realidade, se
resolva controlar a ficção.


Pode ser um pedaço aparentemente pequeno. Mas é ao conjunto das liberdades de
expressão que se dá o nome de democracia.


*Luis Erlanger é diretor da Central Globo de Comunicação’


Flávia Tavares, Laura Greenhalgh, Pedro Doria


Moralismo ou proteção às crianças?


‘Ok, beijo na boca pode em novela das seis. Mas, e se for de dois homens ou
duas mulheres, explicitando o ‘beijo gay’ ? Nudez frontal em horário nobre não
pode. Mas, e se a cena fizer parte de um documentário sobre índios? Cena de
violência – pode ou não pode antes das 23 horas? Se vier com muito sangue,
problema. Nos últimos dias, perguntas como estas animaram o debate entre quem
apóia e quem reprova a Portaria nº 264 do Ministério da Justiça, instituindo o
regime de classificação indicativa para obras audiovisuais veiculadas na
televisão. O ministro Márcio Thomaz Bastos tomou a caneta e assinou a portaria
no último dia 9, num gesto que certamente coroaria o fim de sua atuação no
governo Lula. Acabou riscando um fósforo em palheiro.


Notam-se duas forças bem definidas no front de discórdias. De um lado, o
governo e o chamado ‘campo público’ da televisão brasileira (incluam-se nele as
redes educativas e comunitárias). De outro lado, as emissoras comerciais,
dispostas a brigar na Justiça para derrubar um sistema que venha lhes dizer que
programa é adequado (ou não) para determinadas faixas etárias de público e em
que horário poderá (ou não) ser exibido. Nasce daí outra pergunta: um filme não
recomendado para crianças e adolescentes, exibido às 23 horas em São Paulo ou
Belo Horizonte, pode ser simultaneamente visto no Estado do Acre, com diferença
de três horas no fuso (portanto, às 20 horas)? Pela portaria, não. As emissoras
esbravejam, alegando cerceamento da liberdade de expressão. E a OAB até bateu às
portas do Supremo Tribunal Federal para questionar inconstitucionalidade da
matéria.


Todo esse bafafá passa pela qualidade do que é visto na TV. Afinal, que peso
tem a programação (especialmente a dos canais abertos) na vida de mais de 100
milhões de brasileiros? Ela molda atitudes? Dissemina conhecimento? Fabrica
preconceitos? Deforma crianças? São complexidades que superam simples simulações
do tipo ‘o que pode’ e ‘o que não pode’. Para discutir esse panorama, o caderno
Aliás convidou cinco personalidades: o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci,
um dos formuladores da nova política do governo; o advogado Antonio Claudio
Ferreira Netto, consultor da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio
e Televisão); Esther Hamburger, professora da Escola de Comunicações da USP e
autora de O Brasil Antenado (2005); o sociólogo Gilson Schwartz, diretor da
Cidade do Conhecimento, também da USP; e a psicanalista Maria Rita Kehl, autora
de Sobre Ética e Psicanálise (2002), entre outros títulos.


O debate que se segue revela discordâncias em torno de um tema que não
permite passividade. ‘O manual (de classificação indicativa) é confuso,
subjetivo e controlista’, crava Antonio Claudio. ‘Ainda bem que a Abert sempre
foi contra a censura…’, rebate Eugênio. ‘Hoje há uma curiosa aliança entre as
Senhoras de Santana e setores da esquerda’, provoca Gilson. ‘Telespectador que
se manifesta via controle remoto? Isso lá é liberdade de expressão?’, indigna-se
Maria Rita. ‘Quem paga a programação de TV que vem por celular? O que cabe às
empresas de telefonia? O que cabe às emissoras? Discutir só uma partezinha do
problema não resolve’, avisa Esther Hamburger.


Aliás – Como é que o governo chegou ao texto da Portaria nº264?


Eugênio – Na verdade, esta portaria substitui uma outra, número 796, de 2000,
assinada pelo então ministro da Justiça José Gregori. Aquela portaria
estabelecia que deveria haver correspondência entre faixas de horário na
programação e faixas etárias do público. Com a democratização, o departamento de
censura do ministério, herança dos tempos da ditadura, passou a fazer uma
classificação indicativa que ainda precisava de regulamentação. No atual
governo, o que se viu foi um esforço de várias pessoas e entidades para firmar
um avanço. Agora, segundo a nova portaria, a própria emissora faz a
classificação e a autoridade pública monitora posteriormente.


Aliás – A classificação vem do clamor social ou de um processo político?


Maria Rita – Eu quero comentar isso, mas, antes, volto um pouco no tempo. Em
1998, por conta de um episódio de baixaria na TV, houve uma grita da sociedade e
a então deputada Marta Suplicy organizou um grupo com jornalistas, psicólogos,
educadores, para formar a ONG TVer, que durou até 2004. Podendo se expressar, a
sociedade percebeu que deveria interferir na televisão. Ali o processo começou,
de fato.


Antonio Claudio – Eu não concordo com o que está sendo dito. Nós reconhecemos
o esforço do atual governo em consultar a sociedade, mas foi um esforço
restrito. Eu mesmo participei de uma dessas audiências, mas já havia, ali, um
certo preconceito com a televisão. A sociedade não estava inteiramente
representada. Mesmo categorias organizadas, como a dos artistas, não foram
sequer ouvidas. Nós, na Abert, estamos abertos a discutir a qualidade da
programação. Isso não é problema. Agora, problema é uma portaria que regulamenta
um dispositivo da Constituição. E diz que regulamenta também o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA). Mas o Estatuto não fala de classificação com
critérios estabelecidos, nada disso. O que ele diz é que as emissoras de rádio e
televisão que não observarem a classificação quanto ao horário poderão ser
penalizadas.


Aliás – Então, o problema para a Abert são os critérios definidos no Manual
de Classificação Indicativa?


Antonio Claudio – São vários problemas. O primeiro é o estabelecimento de
critérios que, a nosso ver, não são representativos de toda a sociedade. O
segundo ponto é a fixação de horários para os programas. É inconstitucional.
Nossa Constituição estabelece a classificação para efeito indicativo. Indicar
jamais pode ser confundido com obrigar. O terceiro ponto é a análise prévia da
obra. A Constituição garante a liberdade de expressão independentemente de
censura ou licença. Se sou obrigado a apresentar a obra para um avaliador antes
de ela ir ao ar, e se sem este parecer não posso exibir porque cometo uma
infração, então preciso de uma licença do Estado. Não há outra forma de
interpretar isso: é censura. Mesmo que em nome de uma causa nobre. Aliás, a
censura, quando se estabelece, não vem dizendo ‘vim para censurar’, mas ela
diminiu a liberdade, mesmo que em nome de causas nobres.


Maria Rita – Não quer dizer que todas as causas nobres sejam censura,
certo?


Antonio Claudio – Mas pode ser uma ferramenta para censura.


Aliás – Mas, a rigor, a Portaria não proíbe a exibição de nada.


Eugênio – Exato, não proíbe.


Antonio Claudio – Proíbe de exibir fora de um horário específico. Atualmente,
23 horas é a última faixa classificatória prevista na portaria. Se as emissoras
têm que jogar uma boa parte da programação para além desse horário, então a
maioria absoluta da população já estará dormindo. Ficará excluída.


Aliás – As emissoras não são contra o conceito de classificação indicativa,
certo?


Antonio Claudio – Por faixas etárias, como determina a Constituição, não.


Aliás – Então o que move esta reação?


Antonio Claudio – Porque os critérios foram estabelecidos sem uma ampla
consulta à sociedade.


Maria Rita – Como? Havia até uma página aberta na internet.


Antonio Claudio – Mas nem todos têm acesso à internet!


Eugênio – Este país já teve censura. Imagino que no passado vocês, na Abert,
também tenham denunciado com energia e com vigor a prática da censura.


Antonio Cláudio – Efetivamente.


Eugênio – Vejam bem, a tentativa de classificação por faixa de horário não é
uma invenção recente, vem do governo passado. O Ministério poderia ter criado
uma outra norma. Se o fizesse, estaria prejudicando uma matéria que já estava em
julgamento no Supremo. Existe uma ação de inconstitucionalidade movida em 2001
contra o estabelecimento de horários.


Antonio Cláudio – Verdade.


Eugênio – Portanto, esta questão será resolvida no Supremo. Se for acatada a
tese de inconstitucionalidade, não há o que fazer. Vamos aprimorar o processo.
Agora, nada disso pode ser confundido com algo que não existe. Censura impede a
circulação de conteúdo. Não é o caso. Censura é irrecorrível. Também não é o
caso. Pode-se sempre recorrer. Depois, a censura é prévia. O censor olha antes
de a sociedade olhar. O que o governo propõe é que a emissora faça a sua
classificação, deixando de lado a análise prévia que até outro dia se fazia.


Maria Rita – Quero levantar uma outra reflexão. Acho que o compromisso da TV
com a liberdade de expressão é pequeno. Porque o principal compromisso dos
detentores das concessões é a venda do produto. Programas que não dão Ibope saem
do ar, assim, sem mais nem menos. Se houvesse compromisso com a liberdade de
expressão seria diferente. Talvez até nem precisasse de classificação
indicativa. Um mecanismo regulador importante é a renovação de concessões. Mas,
nessa hora, não se pergunta se este ou aquele grupo cumpriu com seus deveres
constitucionais. Passa batido, a renovação é automática. Classificação
indicativa, a meu ver, é um recurso para comprometer diretores das emissoras com
o dever constitucional de fazer uma televisão de qualidade.


Aliás – Como psicanalista, sua maior preocupação é com as crianças e
jovens?


Maria Rita – Sem dúvida. Não é que a apelação na TV faça mal à mente das
crianças. Infelizmente a mente infantil aceita o que lhe for dado ou impingido.
Crianças podem assistir a qualquer coisa, não ficarão traumatizadas, vão
crescer. Mas vamos formar crianças piores.


Esther – O que eu acho é que na TV faltam canais de discussão. O Brasil é o
quarto produtor de conteúdo audiovisual do mundo. Temos qualidade técnica
reconhecida. Mas o que está acontecendo especialmente com os canais abertos
quando mais e mais gente está vendo TV neste País. Como tudo no Brasil é
perverso, quando você inclui mais pessoas, cai a qualidade. Por quê? De onde vem
essa idéia de que programação de qualidade não segura audiência? Há inúmeros
exemplos que demonstram o contrário. Se a gente observar bem, programas de
qualidade vão justamente para a faixa das 23 horas, que é menos vista. Aconteceu
com Cidade dos Homens, Hoje é Dia de Maria, programas que as crianças devem
ver.


Maria Rita – Isso é com as emissoras. Não tem nada a ver com a
classificação.


Esther – Certo, mas serve para demonstrar como essa história de classificação
é difícil. Uma das grandes realizações da TV Cultura de São Paulo foi
estabelecer um horário infantil às 19h. Chegou a dar 14 pontos de Ibope em
horário nobre! Então, essa correspondência entre o público que se imagina
atingir e o público que assiste de fato é cada vez mais difícil de fazer. Eu vi
na favela crianças assistindo a essa programação da TV Cultura. Esse tipo de
ousadia deveria ser mais valorizada.


Aliás – Há condições para debater a qualidade da televisão brasileira?


Esther – Há. Se você for lá do outro lado da rua e bater na porta de uma
casa, as pessoas dentro dela vão querer debater isso, sim. As emissoras deveriam
estimular a discussão. Só teriam a ganhar.


Maria Rita – Na época do TVer, sugerimos que as emissoras tivessem um
programa com ombudsman.


Antonio Claudio – Existem serviços de telefonia para atender aos
espectadores.


Maria Rita – Mas isso não vai ao ar!


Antonio Claudio – Não vai porque são poucas chamadas, não é representativo da
sociedade.


Eugênio – Quando um leitor escreve uma carta para o jornal ele emite uma
opinião, num mar de pessoas. Mas é importante. Quando um ouvinte liga para a
rádio, ele pode não ser representativo numericamente, mas é importante. A
televisão é o único veículo hoje que monologa.


Antonio Claudio – O espectador fala com o controle remoto na mão. E fala o
tempo todo.


Eugênio – Assim vamos dizer que você fala comprando este ou aquele jornal,
mudando de estação de rádio. ..O que é preciso fazer, e este País passará por
isso, é abrir espaço para o telespectador entrar no telejornal e dizer o que
pensa.


Gilson – Agora eu quero falar. Acho que as pobres senhoras de Santana,
aquelas lá de trás, dos tempos da ditadura, fizeram pós-graduação e se aliaram
com setores de esquerda, o que é uma configuração surpreendente. Hoje existe uma
aliança entre a visão mais conservadora e moralista e a supostamente mais
popular e comprometida com a sociedade.


Aliás – Onde você quer chegar?


Gilson – Do ponto de vista científico, o Manual de Classificação Indicativa
apresentado pelo Ministério da Justiça, com a participação da Andi (Agência de
Notícias dos Direitos da Infância), não fica em pé. Chega a ser irritante. Este
manual ignora tudo o que se discutiu em Ciências Sociais depois do positivismo.
As fichas de classificação, para os programadores, têm critérios do tipo:
quantos minutos de violência há em determinado conteúdo? Um programa é mais
violento do que outro por que tem mais minutos de violência? Que objetividade é
esta para dizer que uma coisa é mais ou menos violenta? Como disse o Eugênio,
trata-se de um avanço frente à ditadura. Mas não quero tomar como referência a
repressão. Quero uma sociedade livre e criativa. Estas fichas pressupõem ser
possível uma análise que nos diga se uma coisa é favorável à dignidade, à
honestidade, coisas assim.


Eugênio – Então, como é que se faz?


Gilson – O sistema de comunicação está passando por uma profunda modificação
por razões econômicas, tecnológicas e políticas. Isso afeta modelos de negócio,
plataformas tecnológicas, acesso dos indivíduos à informação. Há dúvidas sobre
quem opera telefonia celular, quem opera televisão, sobre propriedade de meios
de comunicação, e o Brasil está atrasado na revisão de marcos regulatórios. A
questão do controle social tem que passar por esta discussão, não por um manual
que trata do bom e do mau comportamento. Por que, desde a época do Fernando
Henrique, o governo adia a discussão maior? Hoje, no Brasil, a televisão é mais
vítima do que algoz! Estamos na época da web 2.0 e ela vem quebrando modelos de
negócios, basta ver o caso da indústria fonográfica. Querer resolver a questão
reeditando um aparato que tem, na origem genealógica, a ditadura, não funciona.
Precisamos é inventar novos modelos de negócios e de linguagem. E estimulá-los.
Outra coisa: não podemos confundir controle social com onguismo. Existe sem
dúvida a questão de democratização dos meios de comunicação. Agora, imagina numa
TV digital o pessoal tentando aplicar um manualzinho e seu sistema
classificatório a dezenas ou centenas ou milhares de canais. É ridículo!


Antonio Claudio – Eu queria falar porque muitas vezes as emissoras foram
citadas. A Abert entende que a qualidade da televisão é boa.


Aliás – Mas a população se queixa…


Antonio Claudio – Que população é esta?


Esther – Olha, existe uma audiência cativa que fica lá porque não tem opção.
Teria o que dizer se tivesse opção.


Antonio Claudio – Suposições. A população brasileira vê a televisão com bons
olhos. Se ela quer algumas mudanças? É natural que sim. Mas não estamos aqui
para falar de qualidade, mas de classificação. O manual que o governo propõe é
confuso, subjetivo e dirigista. Se programas tiverem objetivos nobres, no
entender dos iluminados que vão examinar, os menores podem ter acesso. Isso é
perigoso, depende da mão de quem está controlando.


Aliás – Não dá para pular o tema da qualidade. Você acha que a programação,
de modo geral, é de bom nível?


Antonio Claudio – Temos programas reconhecidos no mundo inteiro tanto pela
qualidade de produção quanto artística. A sociedade tem controle sobre essa
produção e a Abert é favorável a que se discutam controles adicionais. Mas a
discussão tem que ser pluralista. Não pode ficar presa a ONGs que representam
grupos, mas não a sociedade toda. O debate tem que acontecer no Congresso.


Aliás – Que controles a sociedade brasileira tem?


Antonio Claudio – Existem mecanismos de defesa da população contra eventuais
abusos ou inadequações de programação. O local onde isso deve ser decidido é o
Poder Judiciário. Quem se sentir ofendido pela programação pode ir à Justiça. O
MP também pode agir.


Aliás – A Abert considera a portaria uma tentativa de censura?


Antonio Claudio – Censura é você ter que submeter um programa a um terceiro
antes da exibição. A portaria diz que as emissoras podem fazer uma
autoclassificação, que é entregue ao Ministério antes da exibição. Se ele não
concordar, pode pedir para ver a obra, antes da exibição, para
classificá-la.


Eugênio – A lei já obrigava a entrega de conteúdos, sinopses e resumos.


Aliás – Eugênio, você concorda com o Gilson que o manual tem lá um quê
positivista?


Eugênio – Sim, mas temos energias sociais poderosas para reagir. De fato, é
possível notar hoje a aliança entre os descendentes das Senhoras de Santana e
forças que se dizem de esquerda. Existe hoje, como comentava a Maria Rita, até
um certo clamor por censura. O problema é que, com base nesse medo passado, não
saímos do lugar. O medo da censura nos faz muito mal até hoje. E fará ainda
durante algum tempo.


Antonio Claudio – Mas é bom lembrar dele.


Eugênio – Claro. Fico muito feliz que a Abert seja enfaticamente contra a
censura.


Maria Rita – Quando perguntamos por que o espectador não se manifesta
diretamente sobre a TV, o Antonio Claudio fala que basta apertar um botão. Ora,
fica reduzido a nenhuma expressão de qualidade. Isso é uma forma de
autoritarismo, não é? E grave. Porque não há dúvida de que, no Brasil, onde a
escola pública é fraca, a TV é o principal veículo formador.


Gilson – Mas não é preciso um órgão para orientar a constituição desse
espaço. Essa tentativa de tentar controlar a moral pública é mesmo das Senhoras
de Santana.


Maria Rita – A tentativa é colocar parâmetros. Concordo com a precariedade
desse instrumento (a classificação). Mas ele cria um compromisso para os
programadores. É o mínimo.


Gilson – Eu me bato por uma questão de princípio. Você pode construir esse
espaço público estimulando o que é bom. Ou pela atitude do século da escuridão,
de dizer ‘segura isso, segura aquilo, isso não pode’…


Maria Rita – Não é ‘segura’. É ‘indica’.


Gilson – Veja o caso do Ministério da Cultura. Através dos projetos de
inclusão digital, ele está estimulando a diversidade da oferta e a emergência de
novos talentos. Portanto, no mesmo governo, tem-se uma ação que é de fomento,
estímulo, financiamentos. E outra ação que é claramente defensiva.


Maria Rita – Em primeiro lugar, essas coisas não se opõem. Minha defesa tem
só a ver com a questão da criança. É uma tentativa de dizer que, quando se trata
da criança, não vale tudo. É evidente que o mais importante é o incentivo à
criação. Mas ele está disputando com interesses comerciais mais poderosos. E não
dá para discutir televisão sem discutir moral. Se a discussão fosse toda
moralista, seria péssimo. Mas não se pode deixar um vazio. O que a gente quer? A
volta das igrejas?


Gilson – Também não dá para tomar como pressuposto que tudo que é comercial é
ruim. Não é verdade. Essa perspectiva é ideologicamente contagiada e não se
comprova.


Esther – É difícil discutir uma partezinha, e não o todo. As coisas mudaram.
Hoje a criança que tem acesso à internet de banda larga baixa programas
japoneses a qualquer hora. E 180 milhões de brasileiros, quando tiverem acesso à
internet, também poderão fazer o mesmo.


Aliás – Será o fim da TV aberta?


Antonio Claudio – O fim da TV aberta está sendo previsto há mais de 10 anos e
ela está mais forte no mercado.


Esther – Por isso ela é tão importante. O País tem todos os recursos: uma
televisão potente, bons realizadores, uma economia que suporta e um público
expressivo. E os programas de qualidade têm resposta de público, o Ibope mostra.
Portanto, não dá para entender que a televisão vá se deteriorando nos horários
mais importantes.


Antonio Claudio – Eu gostaria de enfatizar que a qualidade da programação
brasileira é boa, inclusive no horário nobre.


Esther – Você tem que falar isso.


Antonio Claudio – Tenho. Mas acredito, também. Muitos países do mundo
consomem nossa produção e pedem mais.


Aliás – Tem coisa boa e coisa ruim, senão essa discussão nem existiria.


Antonio Claudio – Não vou defender a qualidade de tudo. A televisão se
esforça para resistir à tendência de só dar aquilo que o público quer muito.


Aliás – Como se sabe o que o público quer?


Antonio Claudio – Pelos índices de audiência.


Aliás – O governo Lula tem sido acusado, desde a lei do Audiovisual e da
idéia do Conselho de Jornalismo, de controlismo. A crítica caberia também ao
manual?


Eugênio – Considero essa trajetória da discussão sobre o sistema de
classificação indicativa um dos melhores exemplos de democracia ao longo deste
governo. Tudo que nós estamos debatendo aqui foi posto a público, não houve
agenda oculta. Além disso, sempre há recurso para as decisões.


Antonio Claudio – Recurso ao próprio Ministério. Na prática, não há recurso.
A decisão do Ministério é definitiva porque o Judiciário não quer se imiscuir em
uma questão administrativa.


Eugênio – A portaria atual prossegue o que está em debate na anterior. Se ela
não fizesse isso, a discussão ficaria truncada. Não defendo que a melhor forma
de controle seja a faixa horária. Alguns países usam esse instrumento, outros
não.


Antonio Claudio – Há um ponto que ainda não foi discutido aqui que é o pátrio
poder. Acreditar que tem que se impor horários é subestimar a capacidade que os
pais têm de decidir o que é bom para seus filhos.


Eugênio – Levemos em conta que o hábito do telespectador brasileiro
incorporou a definição dos programas por horário. É comum que os pais determinem
que, a partir de tal hora, os filhos não possam assistir à TV.


Antonio Claudio – Claro. Essa mesma razoabilidade guia as emissoras a
produzir conteúdos mais amenos de acordo com o horário. Mas elas jamais
reconheceram legitimidade para imposição de horários. É inconstitucional.


Aliás – Por quê?


Antonio Claudio – A Constituição é obsessivamente repetitiva na questão da
liberdade de expressão. No artigo 21, fala que cabe ao Poder Público
classificar, para efeito indicativo, programas. Indicar jamais poderá ser
confundido com impor.


Aliás – Isso o STF irá decidir. Agora, existe alguma dificuldade técnica para
adequar os horários de exibição aos fusos do País?


Antonio Claudio – Técnica, não. Agora, a TV fideliza a audiência. Temos
programas com episódios diários e ficaríamos à mercê de um classificador que
possa impor um novo horário, assim repentinamente.


Aliás – Um capítulo de novela pode exibir uma cena forte e outro não ter
nada. Isso mudaria os horários…


Eugênio – Esta discussão está prejudicada por artifícios. Tradicionalmente as
novelas são pensadas por horário no Brasil. A novela que iria às dez da noite,
que agora é uma minissérie, lida com possibilidades que a novela que vai ao ar
às sete da noite não lida.


Aliás – Este manual pode abrir uma infinidade de questões pontuais, gerando
mais confusão.


Eugênio – É difícil, sim. A nudez, o grau de violência, como se mede isso? O
que é uma cena bruta num País que tem vivenciado as coisas que estamos
vivenciando? Você não pode tirar o parâmetro de um texto burocrático, frio. É
evidente que existe nudez casta e uma possibilidade de vestimenta obscena. Mas a
classificação está saindo das salas escuras de Brasília justamente para que
estas decisões não fiquem a cargo de burocratas. O manual traz, com
transparência, critérios e divergências.


Aliás – Mas é um manual com uma lista de 400 tópicos a considerar.


Eugênio – Mas também é preciso dizer que o manual foi retirado da portaria
porque não se chegou a um critério de julgamento. A discussão prossegue.


Aliás – A forma como tais critérios possam ser empregados pode variar de
acordo com o governo. Isso não representa um risco?


Eugênio – O Ministério Público estará sempre presente.


Antonio Claudio – O Ministério Público não é representante da sociedade, é o
fiscal da lei. Muito menos em questões morais como as que estão colocadas
aí.


Eugênio – Representantes da sociedade também estarão presentes.


Antonio Claudio – É o Congresso Nacional que representa a sociedade. A
classificação indicativa vai ser balizada por este manual, sim. Dependendo de
quem está lá, se tem boas ou más intenções, propósitos ideológicos, o manual
pode levar, sim, a uma forma de censura. Nós temos que ter uma legislação que
nos proteja dos administradores.


Eugênio – Qualquer instrumento, se mal utilizado, pode servir de ameaça para
a liberdade de expressão. A própria televisão, se mal utilizada, pode ser uma
ferramenta para manipulação social, calúnia, e a lei tem dispositivos para
proteger direitos.


Gilson – Das obrigações que o governo tem na área das comunicações, esta não
é a mais urgente nem a mais produtiva. É bom que o debate esteja se ampliando,
mas quanto mais se discute, mais a classificação indicativa se demonstra uma
idéia infeliz. Estamos indo já para o terceiro governo em que não se discute,
por exemplo, o destino dos R$ 5 bilhões congelados do Fundo para Universalização
dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Cultura, mesmo como política pública,
funciona mais estimulando do que reprimindo. Quanto mais se debate a questão da
classificação, mais o governo vai recuando – é o que vejo. A democratização dos
meios de comunicação passa pelo Ministério da Cultura, da Ciência e Tecnologia,
da Educação. Não pelo da Justiça.


Eugênio – O grupo do qual eu participei no Ministério da Justiça é autor,
sim, de um recuo. Mas em relação à ditadura. Produzimos esta mesa de diálogo.
Não estamos abrindo mão de princípios. Ao contrário, estamos defendendo
princípios. A liberdade de expressão é inegociável.’


BUSH NA TV
Jim Rutenberg


Na TV, Bush diz ao pai: ‘Estou indo bem’


‘Foi um momento de sentimentalismo público que quase nem parecia coisa dos
Bushes. Falando na C-Span (rede de televisão a cabo que cobre assuntos do
governo) na segunda-feira, o presidente George W. Bush disse sobre seu pai:
‘Estou realmente mais preocupado com ele do que já estive em toda minha vida,
porque ele está dando atenção demais aos noticiários.’ E prosseguiu: ‘Entendo
como é difícil para uma pessoa que ama alguém vê-la no processo político e sendo
alvo de críticas. Minha resposta a ele é, ‘Olhe, não ligue para isso. Estou indo
muito bem’.’ Seus comentários foram uma rara janela para uma complicada relação
de pai e filho que tem sido fonte de grande fascínio em Washington e promete
continuar fascinando os historiadores futuros. Bush tem falado muitas vezes com
orgulho de seu pai, e em 2002 chegou a defender a invasão do Iraque dizendo,
certa vez, sobre Saddam Hussein: ‘Afinal, esse é o cara que tentou matar meu
pai.’


Mas Bush, que é mais comparado a sua mãe enérgica do que a seu pai mais
sentimental, às vezes pareceu conduzir seu governo com base no que ele e seus
assessores vêem como erros de seu pai. Bush se referiu regularmente à promessa
quebrada do pai de não criar novos impostos quando enfatizou que ele próprio não
tinha planos para mudar de curso sobre impostos; seus assessores falaram muitas
vezes sobre o que vêem como o erro de seu pai em não depor Saddam na primeira
Guerra do Golfo. Sua crítica à política americana anterior para o Oriente Médio
de buscar ‘estabilidade’ à custa da democracia foi freqüentemente tomada como
uma censura parcial ao pai. A tensão entre seus campos pareceu especialmente
grande nos últimos meses, com alguns assessores e aliados políticos de Bush
escarnecendo da abordagem para o Iraque sugerida em parte por James Baker, um
velho aliado de seu pai. Baker foi co-presidente do Grupo de Estudos para o
Iraque e é considerado uma espécie de emissário das pessoas ligadas à
presidência de Bush pai. Mas surgem novos sinais de que George W. Bush, que um
dia precisou estabelecer uma identidade política distinta da de seu pai, parece
mais disposto agora a abraçar o legado político de Bush pai.


Solicitado pela C-Span a nomear presidentes que o inspiram, Bush, que com
freqüência citou Harry Truman e Abraham Lincoln, disse: ‘Bem, o primeiro de
todos é o óbvio e este seria meu pai.’ Solicitado a dizer os nomes dos
presidentes mais subestimados, ele de novo nomeou o pai, dizendo: ‘Ele sucedeu
ao presidente (Ronald) Reagan, que foi um presidente de fato tão forte que as
pessoas ainda não atentaram direito para meu pai.’ Nunca ficou claro quantos
conselhos Bush recebe, de fato, do pai, ou com que freqüência eles trocam
idéias. Mas os dois compartilham a experiência de intenso escrutínio e críticas
que somente um presidente pode conhecer. O ex-presidente já falou sobre isso.


Em entrevista a Larry King na CNN, em outubro, Bush pai, de 82 anos, disse
que agora deu de gritar com a televisão quando os críticos de seu filho se
manifestam, embora, admita: ‘Isso não ajuda.’ ‘Com alguns críticos previsíveis,
eu fico lá sentado e respondo para a TV’, disse Bush. ‘Olhe aí esse sujeito
estúpido de novo dizendo coisas feias sobre o meu filho.’ Rich Bond, um ex-chefe
de Estado-Maior do ex-presidente, disse que a preocupação mais manifestada de
Bush pai com seu filho resulta de ‘uma combinação de coração grande, idade e a
cobertura inacreditavelmente ruim que George (o presidente) está recebendo.’
Durante um fórum de líderes políticos realizado por seu filho Jeb nos últimos
dias como governador da Flórida, em dezembro, Bush pai soluçou ao lembrar a
campanha fracassada do filho para governador em 1994, dizendo: ‘A verdadeira
medida de um homem é como ele lida com a vitória e como ele lida com a derrota.’
Peggy Noonan, responsável por vários discursos de Ronald Reagan e Bush pai,
escreveu em The Wall Street Journal, ‘Ninguém que conheça George H. W. Bush pode
achar que aquele momento dizia respeito apenas a Jeb.’ Em vez disso, afirmou
ela, ‘seria mais provável que ele estivesse falando sobre várias outras coisas,
e sobre o outro filho.’


*Jim Rutenberg é articulista do ‘New York Times’’


TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Ethevaldo Siqueira


Reflexões sobre um evento mundial de CAD-3D


‘O lado mais gratificante do trabalho jornalístico, para mim, é poder
acompanhar a fronteira do conhecimento e da tecnologia, no Brasil e no mundo.
Nesse sentido, há eventos que superam nossa expectativa, seja pela diversidade
de conteúdos e de aspectos humanos inusitados, seja pelas personalidades com as
quais nos relacionamos.


Acabo de participar de um desses eventos de impacto, o SolidWorks World 2007,
realizado em New Orleans, e que deu a 3.500 pessoas de mais de 100 países o
panorama mundial dos softwares para projetos tridimensionais apoiados em
computador (CAD-3D). Mais do que isso: trouxe para o palco figuras como Steve
Wozniak, o co-fundador da Apple e inventor do computador pessoal, um dos
ministros responsáveis pelo projeto educacional de Ruanda, o coronel encarregado
da reconstrução de New Orleans e Mr. Spock (o ator Leonard Nimoy), figura
popularizada pela série de TV Jornada nas Estrelas.


Spock bateu um grande papo com a platéia e, depois, deu entrevista coletiva.
Contou que até seus amigos mais próximos lá pelos anos 1980 achavam que ele era
um extraterrestre. ‘Cheguei a escrever um livro, com o título: Não sou Spock.
Mas não adiantou nada.’


A FACE HUMANA


Para John McEleney, executivo-chefe da SolidWorks, empresa da região de
Boston e com presença no Brasil, uma das razões do sucesso de eventos como o de
New Orleans é seu conteúdo humano. ‘Vir para cá nos possibilita, entre outras
coisas, conhecer de perto o drama de New Orleans, encontrar figuras
extraordinárias como Wozniak, ouvir experiências incríveis e oferecer soluções
que, acima de tudo, tornam muito mais simples, agradável e humano o trabalho
criador dos projetistas.’


Na tela dos PCs, esses softwares avançados funcionam como mágica, dando forma
a montagens complexas, criando desenhos de peças mecânicas ou a tubulação
completa de uma refinaria de petróleo, com animação, rotação tridimensional,
deslocamentos em todas as direções, zoom, ampliação, cortes, mensuração virtual
e testes de funcionalidade.


Há mais de 30 anos, surgiam os primeiros projetos apoiados em computador
(Computer-Aided Design ou CAD). No passado, tudo era feito em duas dimensões
(2D). A partir dos anos 1990, surgiram os softwares com simulação tridimensional
(3D).


Com a evolução da computação, os softwares de CAD-3D se transformaram em
ferramentas tão surpreendentes que chegam a arrancar aplausos das platéias mais
especializadas diante das demonstrações de novos recursos, como ocorreu nas
sessões do evento de New Orleans.


Há cerca de 50 anos, trabalhei em projetos de peças mecânicas no Senai. Que
diferença entre as facilidades de hoje e o trabalho de paciência que consumia
horas, para elaborar os desenhos técnicos manuais – apenas com lápis, régua e
compasso – no final dos anos 1950, para peças que seriam produzidas por meus
alunos, futuros fresadores, torneiros e ajustadores mecânicos. Lula era um dos
estudantes daqueles tempos, do Senai em São Paulo. Mas não foi meu aluno.


GRANDES INOVAÇÕES


A primeira coisa que o SolidWorks 2007 me proporcionou numa das sessões do
grande auditório foi a discussão do conceito de bom produto ou inovação.


Responda, leitor: em sua opinião, o que é um grande produto? A melhor
resposta que ouvi foi a seguinte: um grande produto é aquele que nos permite
resolver grandes problemas ou necessidades. Como a lâmpada elétrica
incandescente, de Edison. O telefone, de Graham Bell. A penicilina, de Fleming.
O avião, de Santos Dumont.


Mas a tecnologia e a indústria estão produzindo milhares de produtos – alguns
realmente extraordinários, com a utilização das novas ferramentas de projetos
3D. Uma dessas inovações de maior sucesso no evento SolidWorks 2007 foi a serra
circular SawStop, que não corta o dedo de nenhum operador.


A SawStop é uma serra que detecta a presença e a proximidade de nosso dedo ou
outro material orgânico e pára imediatamente. Acesse o link e veja como
funciona. Lembrei outra vez de Lula, que perdeu o dedo mínimo esquerdo, acho que
numa prensa da Villares, em São Bernardo do Campo.


Outro exemplo de inovação criativa é a da máquina de fazer sorvetes Moo
Bella, projetada para quem gosta de tomar sorvete feito na hora, normal ou
light, com ingredientes frescos, sem conservantes, em lugar dos sorvetes
industrializados, que têm, em geral, meses de idade.


HÉLIO COSTA


Em seu artigo de domingo passado, o ministro das Comunicações não responde a
nenhuma das questões centrais de minha coluna do último dia 4. Dou o debate por
encerrado, e reitero os seguintes pontos : 1) a vergonhosa barganha política na
escolha dos ministros, por Lula e seus antecessores; 2) a incompetência de
muitos ministros, não importa sua origem profissional; 3) os problemas de
qualidade da tecnologia Iboc de rádio digital; 4) a atitude questionável do
ministro ao se pronunciar a favor de um dos padrões do sistema de TV digital; 5)
a questão do Banco Postal (em que Hélio Costa recuou, dias depois); 6) a perda
definitiva dos R$ 5 bilhões do Fust não utilizados desde o ano
2000.’


TELEVISÃO
Renato Cruz


Teles têm modelo híbrido de televisão


‘Há dois anos, parecia que a chamada IPTV, televisão sobre protocolo de
internet, era a saída para as operadoras de telecomunicações completarem sua
oferta de telefonia, vídeo e internet. A tecnologia permite ligar uma conexão de
banda larga direto a um conversor, para assistir ao conteúdo na televisão. Por
causa de impedimentos regulatórios, no entanto, precisaram buscar outras
alternativas, como parcerias com empresas de satélite e a compra de companhias
de TV a cabo.


A regulamentação não deixa as operadoras oferecerem canais de televisão por
IPTV, usando sua rede telefônica, de fios de cobre, somente vídeos avulsos, sem
programação. Isso fez com que as companhias optassem por um modelo híbrido. A
Telefônica fechou um acordo de TV via satélite com a DTHi e a Brasil Telecom e a
Telemar com a Sky+DirecTV. A Telefônica espera a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) se manifestar sobre a compra da TVA e a Telemar sobre
a compra da WayTV, de Minas Gerais. Enquanto isso, todas tocam seus pilotos de
IPTV.


‘Em seis meses, tecnicamente, poderemos ter caixas híbridas, com satélite e
IPTV, por exemplo’, afirmou Pedro Ripper, presidente da Cisco do Brasil,
fabricante de equipamentos. Neste caso, os canais de televisão poderiam vir por
satélite e o vídeo sob demanda, que o espectador escolhe a hora em que quer
assistir, por IPTV.


Nos Estados Unidos, a AT&T lançou um serviço chamado Home Zone, que
mistura televisão por satélite e vídeo por banda larga direto na televisão. O
conversor tem um disco rígido de 250 gigabytes e dois controles remotos com
teclado alfanumérico.


MÉDIO PRAZO


Semana passada, na entrevista em que anunciaram a parceria com a Sky+DirecTV,
os presidentes da Telemar, Luiz Eduardo Falco, e da Brasil Telecom, Ricardo
Knoepfelmacher, disseram que o IPTV não é para já. ‘A IPTV vai demorar alguns
anos para se tornar realidade’, disse Ricardo K., como é conhecido o presidente
da Brasil Telecom. ‘O sistema precisa de 6 megabits por segundo de alta
qualidade e sempre. Aqui as velocidades são muito reduzidas.’ Ainda são comuns
conexões de 500 quilobits (meio megabit) por segundo na banda larga brasileira.
A Brasil Telecom tem um piloto com 300 pessoas em Brasília.


Dependendo do sistema de compressão, a IPTV precisa de uma conexão de 1,5 a 3
megabits por segundo (Mbps) para vídeos com definição padrão (como a da
televisão convencional) e de 6 a 10 Mbps para vídeos em alta definição (com
qualidade de imagem melhor que a do DVD). ‘O Brasil não tem necessidade tão
grande para lançar o serviço em massa agora’, destacou Falco, da Telemar. ‘A
gente pode esperar a tecnologia amadurecer um pouquinho. Ela pode ser de nicho
ou complementar.’ A Telemar também tem um teste de IPTV.


O IPTV é uma tecnologia nova, que ainda não se provou em larga escala. As
operadoras precisariam fazer grandes investimentos em rede para garantir o seu
funcionamento. A maior barreira, no entanto, é regulatória. Como elas só
poderiam oferecer vídeo sob demanda, o modelo de negócios não se sustenta. O
consumidor dificilmente assinaria um serviço de programas à la carte das teles e
outro com grade de canais de uma segunda empresa. Uma caixa híbrida, como a da
AT&T, ajudaria a resolver o nó regulatório, que inclui, além de impedimentos
por escrito, a demora da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em
aprovar ou rejeitar a compra de empresas de TV paga por teles.


TRIPLE PLAY


A busca das operadoras pelo triple play (oferta de pacotes que unem
telefonia, banda larga e televisão) tem sido até agora uma estratégia de defesa.
A Net tem a Embratel como sócia e oferece os seus combos, com descontos para
quem compra os serviços juntos. Apesar de os números ainda serem pequenos (no
fim do terceiro trimestre de 2006, eram 115,4 mil assinantes de telefonia), a
Net ataca os clientes mais valiosos das operadoras, que gastam mais com
telecomunicações.


Do lado do consumidor, a expectativa é de aumento de competição e preços
menores, nos três serviços. O mercado de TV paga se prepara para a expansão.
Existem somente 4,6 milhões de assinantes de televisão no Brasil, menos do que
os 5 milhões de clientes de banda larga, segundo o site Teleco. Isso apesar de
91,4% das residências no País ter televisão e somente 18,6%,
computador.’


***


Vídeo na rede cria desafio para infra-estrutura


‘Com o crescimento do vídeo na internet, já tem gente dizendo que a rede não
vai agüentar. A infra-estrutura das operadoras de telecomunicações, que sustenta
o tráfego da rede mundial, foi construída para transportar chamadas de voz, que
ocupam muito menos capacidade que o vídeo. Muitos já anunciaram catástrofes que
não vieram. Em 1996, Bob Metcalfe, inventor do padrão Ethernet de redes locais,
previu um colapso para a internet naquele ano, não aconteceu. Mesmo assim, os
fabricantes esperam uma nova onda de investimentos em infra-estrutura, enquanto
a internet se aproxima da TV.


‘O crescimento incansável do tráfego da internet em 2007 pode sobrecarregar a
espinha dorsal da internet; os cabos com terabits de capacidade que ligam os
continentes vão chegar ao limite de sua capacidade e os provedores não estarão
preparados para pagar por capacidade extra, porque os consumidores não vão
querer assumir os custos maiores’, apontou um relatório da Deloitte &
Touche, com previsões para o ano.’


Bruna Fioreti


Assim é se lhe parece


‘Enquanto a maioria dos atores sonha em ficar conhecida por um papel de
destaque na televisão, outros lutam para se livrar de rótulos adquiridos há anos
e até décadas. Do tempo de Beto Rockfeller (final dos anos 60) ao recente
Jamanta, que voltou em 2006 às novelas, o público não apenas identifica, mas
freqüentemente confunde ator e personagem. Todo mundo já ouviu falar na Buba, a
hermafrodita da novela Renascer (1993), mas do nome da atriz Maria Luísa
Mendonça pouca gente se lembra. E se há algum culpado nisso tudo, não é o
telespectador. Muitas vezes, a trajetória do artista reforça a confusão.


Essa ‘síndrome’ é a marca do ator Luís Gustavo, segundo ele próprio. Mais
conhecido como Beto Rockfeller, ele também é lembrado como Léo (Te Contei?,
1978), Mário Fofoca (Elas por Elas, 1982), Juca Pirama (O Salvador da Pátria,
1989) e Vavá (Sai de Baixo, 1996 a 2002). ‘Todos os personagens que eu fiz
ganharam de mim, ficaram mais famosos que eu’, diverte-se. ‘Tanto é que muita
gente na rua já está me chamando de Piragibe (seu personagem em O Profeta).’


Para o ator, qualquer reconhecimento é melhor do que ser chamado de ‘psiu’ na
rua. Mas o que explicaria o fato de o personagem se sobrepor ao artista apenas
em alguns casos? ‘Precisaria de um estudo para entender isso’, diz Luís Gustavo.
‘Com colegas como Tarcísio Meira, Tony Ramos, José Wilker e tantos outros, de
cujo nome as pessoas se lembram, foi diferente do que comigo.’


Não é somente a fama do ator e do personagem que leva à confusão popular. Mas
se o papel for caricato, aumentam as chances de o telespectador trocar os nomes.
Sinhozinho Malta (Roque Santeiro, 1985) ainda vem à mente quando se fala do ator
Lima Duarte, o que é reforçado a cada atuação, avalia a coordenadora do Núcleo
de Estudos em Telenovela da Universidade de São Paulo (USP) Maria Aparecida
Baccega. ‘De Sassá Mutema (O Salvador da Pátria, 1989) ao turco Murat
(Belíssima, 2006), Lima sempre retoma traços muito peculiares que acabam por
interligar seus personagens.’


A pesquisadora salienta que a confusão é comum, mas ela só perdura com papéis
interpretados em novelas de sucesso. ‘Conjuga-se boa atuação, boa equipe,
geralmente num núcleo de apelo com o público, com um texto bem costurado’,
explica.


O personagem de Luís Gustavo não teria alcançado tanta repercussão não fosse
o sucesso das tramas Beto Rockfeller (1968) e A Volta de Beto Rockfeller (1973).
‘Foi uma revolução na teledramaturgia brasileira, com um elenco de primeira, por
isso não apenas o personagem ficou muito popular’, diz o ator.


Jamanta morreu


Desde então, o retorno de personagens mais famosos que seus intérpretes
tornou-se um artifício cada vez mais usado para cativar o público fiel às
novelas. A Dona Armênia, interpretada por Aracy Balabanian nas novelas Rainha da
Sucata (1990) e Deus nos Acuda (1992), e Jamanta, feito por Cacá Carvalho nas
tramas Torre de Babel (1999) e Belíssima (2006) são bastante lembrados, até em
função da dupla jornada.


Em ambos os casos, o sucesso esteve associado a ‘bordões’. A confusão de
gêneros em suas falas fez de Dona Armênia unanimidade nacional com a expressão
‘pôr a prédio na chon’. Frases desconectas e o chavão ‘Jamanta não morreu’
também corroboraram para a fama do louco e de seu retorno à oficina de Paschoal
(Reynaldo Gianecchini), na novela de Silvio de Abreu, no ano passado.


Apesar de reconhecer o valor do personagem em sua carreira, Cacá dá todos os
sinais de que para ele, sim, Jamanta morreu. ‘Não aceitaria fazer Jamanta uma
terceira vez. Ele não deve ser anulado, mas quero novos trabalhos’, diz o ator.
‘Meu objetivo não é obter reconhecimento, mas trabalhar, como fiz na Itália, no
teatro e acabo de fazer em A Pedra do Reino (microssérie prevista para ir ao ar
em junho, na Globo).’


O ator afirma encarar a constante referência a Jamanta com ‘algum bom humor’.
Mas nem todo mundo tem essa paciência. Às vezes, a popularidade de um personagem
se converte num verdadeiro tormento para o artista.


No caso da atriz Beatriz Segall, a confusão com sua vilã em Vale Tudo (1988),
Odete Roitman, chegou ao limite. ‘Eu me irrito com o fato de as pessoas
transformarem um ator em um papel só’, já disse ela em algumas ocasiões,
inclusive na sua última entrevista ao Estado, em abril passado.


Uma hipótese para o vínculo tão duradouro entre Odete e sua intérprete,
segundo outra pesquisadora de teledramaturgia da USP, Renata Pallottini, é o
sucesso da novela aliado ao fato de a atriz não ter feito outros papéis de peso.
‘O telespectador se lembra da Odete, afinal conviveu com ela por um longo
período e não com a Beatriz , por isso é natural que não saiba seu nome.’


A primeira vez ninguém esquece


Para Renata, um ator só se desvincula de um personagem marcante se tiver a
oportunidade de fazer novos papéis tão bons quanto o anterior. Isso ocorreu com
o ator Marcos Frota. Durante anos, ele ficou marcado como Tonho da Lua, de
Mulheres de Areia (1993), e só recentemente ganhou popularidade em outra novela,
América (2005), na qual vivia o cego Jatobá.


Renata Pallottini destaca o caso de quem sobrevive pelo talento: ‘Renata
Sorrah, por exemplo, fez a vilã Nazaré Tedesco, em Senhora do Destino (2005), e
agora retornou num papel mais fraco em Páginas da Vida, o que, no caso dela, só
mostra sua versatilidade como atriz.’ De todo modo, o diagnóstico da
pesquisadora faz todo sentido se for lembrado que Nazaré Tedesco ofuscou o
rótulo de Heleninha Roitman que perseguia Renata Sorrah desde Vale Tudo.


Quem não teve a mesma sorte fica à espera de um papel bombástico. Ou
caricato. O ator Floriano Peixoto (que grava a novela Luz do Sol, prevista para
estrear em março, na Record) ficou conhecido com sua primeira personagem na TV,
a transformista Sarita Vitti, em Explode Coração (1995).


Depois disso, Floriano jamais interpretou um personagem tão forte, sustenta a
pesquisadora. Mesmo assim, o ator acredita que Sarita não o estigmatizou, mas
lhe deu a fama que ainda não tinha, por ter vindo do teatro. ‘Sarita era um
‘tipo’ com apelo muito popular, me divertia fazendo e ganhei visibilidade com
este papel’, afirma.


Longe da telinha desde 2005, quando atuou em Malhação, a atriz Cristiana
Oliveira é outra que não consegue – e, segundo ela, nem quer – se livrar do
rótulo de Juma Marruá, personagem que interpretou na novela Pantanal (1990), da
extinta TV Manchete. ‘A Juma é minha persona, como Catherine Deneuve em La Belle
de Jour e tantos outros que conhecemos. Se perguntarem se conhece a Cristiana
vão perguntar: ‘a Juma?’, admite a atriz.


Para as pesquisadoras da USP, a dificuldade desses atores em marcar seu nome
mais que o dos personagens nada tem a ver com falta de talento. ‘Eles fizeram
excelentes trabalhos, mas a popularidade não vai ficar para resto da vida, eles
serão cobrados para fazer atuações diferentes’, diz Maria Aparecida Baccega.


Enquanto essa chance não vem, eles podem se inspirar em Luís Gustavo, que
assume tranqüilamente uma nova identidade a cada novela. ‘No meu condomínio,
Luis Gustavo é uma outra pessoa. Aqui eu sou o Vavá.’


Na ponta da língua


Um breve passeio da reportagem pelas ruas de São Paulo indicou que poucos
sabem o verdadeiro nome de atores que interpretaram alguns dos personagens mais
conhecidos da teledramaturgia brasileira. Quase todos responderam com
interrogação, principalmente no quesito ‘Jamanta’.


‘Se fosse para identificar por foto eu não erraria’, disse o operador de
máquinas Valdir de Sá, de 21 anos. De fato, dos papéis as pessoas se lembravam.
Sarita Vitti, Juma Marruá e Tonho da Lua estão na memória até dos mais
jovens.


Mas foi uma aposentada, Júlia de Godoy Bueno, de 61 anos, que se saiu melhor
no levantamento. Ela conhecia os intérpretes de todos os personagens
perguntados. O mesmo ocorreu com a operadora de telemarketing Marta Valéria
Santana, de 39 anos, que recordava o nome real de Perpétua, (Tieta, 1989), Joana
Fomm. Os nomes mais reconhecidos foram os de Letícia Spiller como Babalu (Quatro
por Quatro, 1994), Marcos Frota como Tonho da Lua, e Lima Duarte, o Sinhozinho
Malta.


Mas, para muita gente saber os nomes ‘reais’ é um despropósito. O estudante
Daniel José Rezende Júnior, de 27 anos, nem arriscou: ‘É muito difícil. Por que
vocês não perguntam da personagem da Débora Secco, da Juliana Paes?’.’


Leila Reis


Carnaval macabro


‘A crueldade humana não tem limites. O assassinato do menino João Hélio
Fernandes, arrastado até a morte por um carro no Rio de Janeiro, é o emblema
dessa premissa. O crime cometido por jovens delinqüentes contra aquela criança
foi gratuito e brutal, por isso mesmo chocante.


Era natural que a mídia desse ampla cobertura ao fato e a seus
desdobramentos, afinal uma tragédia dessa monta não pode ficar impune de maneira
alguma. Crimes como o cometido no Rio tocam profundamente o brasileiro, aumenta
sua perplexidade diante dos rumos que toma a violência urbana e a preocupação
com o futuro.


O que não é natural é a exploração sensacionalista em que a TV mergulhou. Os
telejornais trabalharam para prolongar o máximo possível o estado de comoção
nacional sem o menor constrangimento.


A imagem do automóvel – respingado com o sangue da pobre vítima – continuou
sendo exibida pelas emissoras mais de uma semana depois da tragédia a pretexto
de ilustração das reportagens. A dor dos pais de João Hélio foi escancarada
várias vezes em quase todos os canais sem o menor pudor.


Insensível e desnecessária a entrevista de 14 minutos (uma eternidade em
termos de televisão e de Globo) de Fátima Bernardes com os pais de João Hélio no
Fantástico. Na entrevista – disponibilizada no site da Rede Globo na íntegra,
como quase duas horas (!) – a jornalista pede para Rosa Cristina, a mãe,
rememorar todos os detalhes do crime que lhe tirou o filho. O que é feito em
meio a muitas lágrimas. Pede para mostrar fotos da criança, lê a carta escrita
pela irmã de João Hélio agradecendo o Brasil pela solidariedade e puxa o assunto
da impunidade como que para dar um caráter mais sério à reportagem.


Ao estimular o casal a falar sobre violência e impunidade, a repórter dá a
entender que não está ali naquele lugar só para cutucar a ferida e provocar as
lágrimas que vão segurar o público. Institucionaliza seu papel como debatedora
de questões nacionais como a violência urbana, a maioridade penal, as falhas na
legislação etc. Faz uma tortura pública de pais destroçados pela dor em nome de
uma causa.


Foi justamente essa ‘causa’, a da mudança da maioridade penal no Código
Civil, que serviu de pretexto aos telejornais de todas as emissoras – Globo,
Record, SBT, Rede TV!, Bandeirantes – para continuar no assunto, a focalizar a
família de João, fotos, o desenho escolar, o carro marcado… As discussões no
Congresso, as manifestações dos cariocas contra a violência, as opiniões de
autoridades foram acessórias no desdobramento da cobertura.


O comportamento foi muito parecido com o adotado na cobertura da cratera do
Metrô de Pinheiros. Para permanecer falando do desastre – a imagem do grande
buraco com carros e caminhões no interior era mesmo impressionante – a TV deu à
cobertura o caráter de prestação de serviço de utilidade pública e teve de
encher muita lingüiça.


No caso do assassinato do pequeno João, o principal objetivo da TV foi
capitalizar a comoção nacional e transformá-la em ibope. Em outras palavras,
atrair e manter o brasileiro diante da TV. Nem toda a consternação demonstrada
pelos profissionais no vídeo – legítima, sem dúvida – exime a TV da
insensibilidade de ter feito um carnaval macabro em cima da dor de uma família e
do horror do crime.’


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