Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por uma comunicação mais acessível

A acessibilidade das pessoas com deficiências não se resume a adaptação de prédios, vias e transporte. Ter uma comunicação acessível também é essencial para a inclusão de deficientes físicos e intelectuais na sociedade. A temática é defendida há mais de 20 anos pela jornalista e escritora Claudia Werneck.

“É tão absurdo. É tão fora do propósito você achar natural que as pessoas com deficiência fiquem sem conteúdo, fiquem sem saber do que está acontecendo”, diz ela. “As pessoas com deficiência, principalmente visual e auditiva, vão ficando numa situação de muita desvantagem, que faz com que elas fiquem com mais dificuldade de tomar decisões. E a falsa impressão que se tem é que apenas elas são prejudicadas, mas na verdade não. Uma parcela tão grande da população brasileira tem deficiência. Então, se essa parcela é prejudicada, toda a população é prejudicada”.

Idealizadora da Escola de Gente [instituição, reconhecida pela ONU, que atua na inclusão de deficientes por meio da comunicação e qualificação da mídia e formadores de opinião, e responsável pela campanha “Teatro Acessível. Arte, Prazer e Direitos] e autora de 14 livros sobre inclusão — com mais de 200 mil exemplares vendidos —, Claudia ressalta que é cada vez mais necessário usar tecnologias digitais, audiodescrição e intérprete de libras nos meios de comunicação, peças teatrais e, principalmente, em serviços básicos de organizações públicas e privadas.

“Um hospital público ou particular não pode escolher de que forma humana são as pessoas que ele vai atender. Então, ele tem que dar conta de todas as pessoas, com suas múltiplas formas de existir”, observa. “Imagine uma pessoa surda que chega com muita dor em um hospital e não há ninguém que possa se comunicar com ela. Mesmo que pague um plano de saúde, essa pessoa já chega em desvantagem porque não consegue se comunicar nem ser comunicada”.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) “assegura atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade” e informação adequada e acessível sobre sua condição de saúde (Art. 18. § 4º VIII).

A LBI também garante acessibilidade a ambientes diversos, inclusive nos sites “da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos do governo […] conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente (Art. 63)”; e nos serviços de radiodifusão de sons e imagem, que “devem permitir o uso de sub-titulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete de libras e audiodescrição (Art. 67)”. As regras estão postas. Mas raramente são cumpridas.

“Nas nossas TVs, eu gostaria de ter o direito de saber o telefone de contato do comercial que está passando. Mas não é possível, porque ele não é informado pelo locutor, é somente mostrado no rodapé”, reflete o deficiente visual Luiz Antônio sobre a falta de audiodescrição. “Se eu não sei o que está acontecendo visualmente, e não tenho quem me descreva, eu sou discriminado”.

O problema não se restringe aos medias. A falta de acessibilidade também se estende às universidades, inclusive públicas. Quase a totalidade das instituições de ensino do Brasil não possuem materiais para estudo em formatos diferentes do impresso.

“O livro é um meio genial para transmitir algum tipo de conteúdo do autor para o leitor. Mas o livro impresso foi pensado como uma técnica para pessoas que enxergam, porque o conteúdo didático é passado através da escrita que precisa ser lida. Ora, a pessoa com deficiência visual não pode ler, então é preciso achar uma linha alternativa”, analisa o professor e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Diego De Bernardim Stadoan, que tem deficiência visual. “Não há instituições em Campinas, e existe apenas uma no estado de São Paulo, que faça gravações de livros com viés científico (voltados para o estudo, inclusive de vestibulares). Dessa forma, a acessibilidade é desigual e reduzida, pois não há oportunidade de igualdade… e há dis
criminação da pessoa por deficiência”.

A professora de pedagogia, Fabia Ramalho concorda com Stadoan, pois no âmbito acadêmico ainda se depara “com muitas barreiras, não só de atitude ou arquitetura, sobretudo as de comunicação: a falta de acessibilidade, mesmo para os alunos de inclusão que precisam ter seus direitos respeitados”.

O Censo do IBGE, de 2010, revelou que 23,9% da população brasileira, ou seja 45,6 milhões, tinha, naquele período, algum tipo de deficiência: visual (18,8%), motora (7%), auditiva (5,1%) ou intelectual (1,4%). O acesso desses cidadãos aos meios comunicacionais é possível. Só depende da boa vontade. Claudia Werneck destaca: “Todo espaço público ou coletivo tem que dar conta de toda comunicação legitimamente humana, porque todas as pessoas são humanas de mesmo valor”.

**

Adailton Moura é jornalista. Escreve para o RAPresentando e TVOVR CREATIVE. E colabora com o Gospel Beat e Sounds and Colours.