Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Projeto pode ajudar em vez de atrapalhar

A radiodifusão clandestina passou a ser uma das preocupações da Câmara dos Deputados nesta legislatura. Diversos projetos de lei foram apresentados nos últimos tempos a respeito deste assunto. A grande maioria visa barrar o aumento de rádios sem concessão no país. Um deles é o do deputado Carlos Nader (PL-RJ), autor do projeto de lei número 4.169/04. Sua idéia é prender e multar aqueles que financiam rádios piratas por meio de anúncios na programação. Se for analisada sob a perspectiva histórica das emissoras clandestinas no Brasil, tal proposta poderá ajudar em vez de atrapalhar.

O perfil das rádios piratas no país é bem diferente de há 20 ou 30 anos. Se naquelas épocas havia um caráter político, hoje várias emissoras clandestinas pertencem a pessoas que encontraram nas rádios clandestinas uma maneira fácil de ganhar dinheiro. O investimento não é muito alto. Basta adquirir um transmissor, uma antena e um equipamento de som para começar a transmitir localmente. O retorno financeiro é garantido por médios e pequenos anunciantes.

Com essa vantagem financeira, muitas rádios acabam ampliando seu raio de alcance. O sinal fica não mais restrito a uma determinada região, mas pode atingir a toda uma cidade, ocasionando uma hegemonia na ocupação da freqüência e deixando rádios de menor porte para trás.

Exemplo disso ocorreu em 1995. Na cidade de São Paulo a freqüência dos 98,9Mhz estava livre. A Rádio Onze, rádio livre ligada ao Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito-USP, transmitia para a região do centro da cidade (que abrange os bairros de Santa Efigênia, Santa Cecília, Campos Elíseos, entre outros) através de um transmissor de 50 watts. Naquela época, havia um acordo de cavalheiros fechado no Fórum Democracia na Comunicação (entidade que deveria defender os interesses das rádios livres) para que nenhuma emissora pudesse ter potência maior. Um outro associado, a Rádio Nova Visão, que se situava na zona oeste (atingindo Pirituba, Jaraguá, entre outros), desrespeitou o pacto e passou a transmitir com potência muito maior. Resultado: seu sinal ‘brigava’ com o da Onze, causando desconforto aos ouvintes do centro, que não tinham certeza de qual rádio estavam ouvindo.

Sem risco de atropelo

Esse foi um dos motivos para que a emissora dos estudantes parasse de transmitir. Mesmo saindo vitoriosa nesse episódio, a Nova Visão acabou fechada pela Anatel pouco tempo depois. Mas casos como esse existem aos montes, espalhados pelo Brasil. Projetos interessantes de rádios ligadas a estudantes ou entidades sociais que têm dificuldades de levantar dinheiro sucumbem frente a emissoras mais bem organizadas, graças aos recursos obtidos de patrocínio.

Embora seja ilegal no Brasil, a pirataria no rádio poderia servir para o teste de novas fórmulas radiofônicas, para o lançamento de novos artistas, para a discussão de temas que não são comuns na grande mídia. Vale lembrar que, na Inglaterra, a pirata Rádio Caroline causou grande impacto na juventude das décadas de 50 e 60 ao começar a tocar o rock n’roll norte-americano. Para conquistar essa fatia de público, a rede estatal BBC teve de criar a BBC One, no ar até hoje, e que tinha como grande astro o apresentador John Peel, que morreu recentemente.

Se for aprovado, o projeto do deputado Carlos Nader poderá criar, numa visão otimista, uma ‘seleção natural’ entre as estações clandestinas. A última coisa que um comerciante gostaria na vida é de ser preso ou multado por anunciar em rádio pirata. Isso geraria uma reação em cadeia na qual o último evento seria o fechamento da emissora. Com menor poluição no dial, rádios de estudantes universitários e outras entidades culturais poderiam colocar suas emissoras no ar, em horários alternativos (noite ou madrugada), com programação diferenciada e sem o risco de serem atropeladas.

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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Bacana, Papo de Bola e Rádio Brasil 2000 FM-SP; blog pessoal: http://onzenet.blogspot.com