Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quem são os beneficiários das concessões?

A edição de 15 de agosto de 2007 da revista CartaCapital traz reportagem sobre as rádios ‘comunitárias’. De acordo com ‘Rádios comunitárias – coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004) – as autorizações de emissoras como moeda de barganha política’, estudo de pesquisadores da Universidade de Brasília apoiado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, as concessões radiofônicas ‘comunitárias’ foram liberadas porque algum dos diretores das emissoras mantinha vínculo político e/ou religioso que aparentemente facilitou a transação ilegítima.

De acordo com os autores do estudo, Venício de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, quase todas as rádios ‘comunitárias’ listadas na pesquisa não atendem aos requisitos do interesse público: ‘É um caso típico de utilização do patrimônio público para atingir interesses privados.’

O trabalho analisa a situação de mais de mil rádios ‘comunitárias’ em todo o país. Os dados foram colhidos entre 1999 e 2004, durante parte da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do primeiro governo Lula (2003-2006).

A revista CartaCapital aborda os aspectos gerais do trabalho. Sobram-nos os resultados encontrados em nossa região. Entre outras, constam do estudo as rádios ‘comunitárias’ de Assis, Paraguaçu Paulista e Maracaí.

‘Moeda de barganha’

A concessão da Rádio Cidade de Assis FM, da cidade de Assis (SP), teria sido teoricamente liberada em razão da vinculação política de seu representante legal, Edivaldo Figueiredo, candidato a vereador (PSDB) derrotado nas eleições municipais de Assis em 2000 e em 2004. Os diretores da rádio – Selma de Freitas Figueiredo, Lígia Marques da Fonseca, Antônio Bernardo Furlan, Helena Maria Moraes Silva, Francisco Batista e Nilson Luis Gomes – sabiam da suposta liberação de concessão radiofônica em decorrência do vínculo político?

Em Paraguaçu Paulista (SP) ocorre caso semelhante: a rádio ‘comunitária’ Ebenezer, cujo representante legal é o pastor evangélico Almirante Brito de Almeida, conseguira a concessão por meio do vínculo religioso e político. Os diretores da rádio ‘comunitária’ – Paulo Sergio da Silva, Ricardo Cardoso dos Santos, Jairo Ferreira Pinto e João Arnaldo Ferreira (candidato a vereador [PT] derrotado nas eleições municipais de Paraguaçu Paulista em 2000) – explicariam como essa dupla vinculação supostamente facilitou a liberação da concessão da rádio?

Por fim, a Rádio Karisma FM, da cidade de Maracaí (SP), mantida pela Associação Monsenhor Marcílio Genoni de Maracaí, na qual figura como representante legal Walter Reynaldo. Assim como em Assis e em Paraguaçu Paulista, a rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí tinha entre seus diretores um candidato derrotado a vereador (PT) nas eleições de 2004. De acordo com o estudo, seu nome é Luciano Marcio de Souza que, juntamente com os demais diretores (Antonio Marcos Bruzon, Elza Esméria Leme Amstalden, Marciano Alves Ribeiro e Francisco G.P. da Silva), poderia explicar: os diretores desconheciam relações direcionadas à liberação ilegítima da concessão da rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí? A liberação da concessão seria supostamente uma ‘moeda de barganha política’ sugerida no título do trabalho?

Algo a esconder?

A questão, em nossa região, é grave!

Onde estão o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Ministério das Telecomunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações que, diante das informações publicadas por profissionais ligados a centros de excelência científica como a Universidade de Brasília e a Unicamp, não cobram imediatamente explicações de como as rádios ‘comunitárias’ se desviaram de sua finalidade?

Passa da hora do procurador da República em Assis, em Marília, em Presidente Prudente ou em qualquer outro lugar, cobrar esclarecimentos junto aos representantes legais e diretores das rádios ‘comunitárias’, investigando quanto dinheiro de prefeituras, de câmaras municipais, de órgãos públicos, de cidadãos, de colaboradores e de patrocinadores entrou nas rádios ‘comunitárias’ e, principalmente, quanto dinheiro foi para o bolso de eventuais beneficiários. Quem são esses eventuais beneficiários?

Em síntese: detectadas irregularidades legítimas, legais e financeiras, o sigilo fiscal e bancário dos diretores e representantes das rádios ‘comunitárias’ deve ser quebrado imediatamente para analisar a evolução patrimonial de cada integrante. Afinal, se as rádios são comunitárias, por que a liberação da concessão ocorreu em função da suposta vinculação política e/ou religiosa? Seria possível pessoas comprarem carros, casas, apartamentos, sítios, chácaras, abrirem mais uma porta no comércio e ampliarem o patrimônio depois de se ligarem às rádios ‘comunitárias’? Há algo a esconder nas contas e na administração das rádios ‘comunitárias’? Onde está a participação efetivamente popular e comunitária?

R$ 2.700 por um serviço gratuito

A opção por desmascarar a rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí se deu por quatro fatores: 1) constar do estudo da Universidade de Brasília; 2) receber dinheiro público; 3) ter sido representada na Procuradoria da República em Assis; 4) ser ilegítima.

De acordo com o estudo dos pesquisadores Venício de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, a concessão da rádio ‘comunitária’ Karisma FM teria sido supostamente facilitada pela vinculação ao Partido dos Trabalhadores (PT) de um de seus diretores, Luciano Marcio de Souza. O representante legal da rádio – Walter Reynaldo – e seus diretores listados no documento (Antonio Marcos Bruzon, Elza Esméria Leme Amstalden, Marciano Alves Ribeiro, Francisco G.P. da Silva) saberiam explicar o envolvimento na suposta ‘barganha política’ que dá título ao trabalho científico?

O orçamento de Maracaí de 2006 destinou R$ 12.000,00 para a rádio ‘comunitária’ Karisma FM: R$ 1.000,00 mensais. O mesmo orçamento transferiu R$ 7.500,00 (R$ 625,00 por mês) ao Grupo Civil de Orientação e Prevenção à Aids de Maracaí (Gopam) e ao Centro de Recuperação do Alcoólatra (CEREA). Por que a prefeitura repassou mais dinheiro à rádio do que às entidades de luta contra a Aids e contra o alcoolismo?

A Câmara Municipal de Maracaí contratou a rádio ‘comunitária’ Karisma FM para transmitir suas sessões em 2005. Valor do contrato: R$ 2.700,00. Por que a Câmara pagou por um serviço que deveria ser prestado gratuitamente?

Contas rejeitadas

A rádio ‘comunitária’ fez campanha para comprar equipamentos obrigatórios. O Gopam colaborou. Em seguida, enviou ofício a Walter Reynaldo, responsável pela rádio ‘comunitária’, solicitando a prestação de contas dos valores doados. Não houve resposta. A entidade representou contra a rádio ‘comunitária’ Karisma FM na Promotoria de Justiça em Maracaí, a qual, após análise dos fatos, indicou o Ministério Público Federal. Quanto foi arrecadado para comprar os equipamentos? Onde as doações foram depositadas? Quem são os beneficiários das doações financeiras?

Em julho, a União Maracaiense de Associações Comunitárias (UMAC) enviou ofício ao Supermercado França – casa comercial de médio porte com instalações em Maracaí e Assis – indagando quanto o estabelecimento empresarial pagava à rádio para veicular propaganda na emissora, que é ‘comunitária’. O supermercado não respondeu. Os indícios apontariam à mixórdia entre público e privado em elevado patamar sistêmico e estrutural na sociedade maracaiense?

Falta legitimidade à rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí, que se recusa veementemente em admitir entidades legalmente constituídas como a UMAC, o Gopam e as Associações de Moradores no Conselho Comunitário. Quando o Conselho Comunitário da rádio ‘comunitária’, previsto em lei, foi criado? Essas entidades recorreram à Procuradoria da República para assegurarem seu direito de participação efetivamente comunitária. Que espécie de interesses defende a rádio ‘comunitária’ Karisma FM que não permite a entrada das entidades?

Por que um locutor que faz o circo da ética e da honestidade na política, critica a roubalheira e a ‘gente que se vende’, não comunicou à população de Maracaí que as contas do ex-prefeito Antônio Silva Cavalheiro referentes ao ano de 2004, rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), estão disponíveis na Câmara Municipal para consulta pública? Além disso, por que não informou que Marcos Maciel e Alfredo Behlau, dois dos três vereadores da Comissão de Finanças, Orçamento e Contabilidade confirmaram o parecer do TCE reforçando a rejeição?

Prática antidemocrática e parcial

Se os fatos são divulgados de forma ‘doa a quem doer’, por que não os divulgou? Se por acaso convidar o ex-prefeito, a partir da publicação desta informação, o que vai fazer: perguntas sérias sobre as contas rejeitadas ou continuar publicamente em cima do muro? Onde estão a ética e a honestidade? Por que a omissão e o silêncio? O papel da rádio comunitária é acusar uns e defender outros?

A rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí recusa-se a fornecer cópias de seus programas, que tiveram de ser requeridos na Procuradoria da República em Assis. O que teme a emissora ‘comunitária’? A rádio teria medo de se complicar com suas supostas informações manipuladas, invertidas, inventadas?

Quebrar o sigilo bancário e fiscal dos envolvidos é o procedimento necessário na apuração dos casos que comprometem o dinheiro público e coletivo. É indispensável analisar a evolução patrimonial da diretoria, conferir livros contábeis e verificar eventuais e supostos aluguéis de horários de uma rádio que deveria ser comunitária, mostrando cristalinamente o destino do dinheiro aos que a favorecem – seja dinheiro proveniente de Prefeitura, de Câmara de vereadores, de anúncios de patrocinadores ou de colaboradores individuais. Quanto dinheiro entra mensalmente na rádio ‘comunitária’ Karisma FM? Quem se beneficia de todo esse dinheiro?

Não se acusa ninguém, mas são imprescindíveis os esclarecimentos sobre a espécie de relações que estão por trás da rádio ‘comunitária’ Karisma FM de Maracaí, a qual, ressalte-se, se recusa a dar explicações sobre sua conduta, sobre sua composição – que não é legitimamente comunitária – e sobre o dinheiro que gerencia, demonstrando, na prática, as teorias desenvolvidas no trabalho acadêmico mencionado.

Onde estão o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, as Receitas Federal e Estadual, os Tribunais de Contas do Estado e da União para darem as respostas omitidas pela rádio ‘comunitária’ Karisma FM?

Por fim, transcrevo mais uma vez um fragmento do documento da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO): ‘A ABRAÇO solicitará às autoridades competentes a imediata democratização da Rádio Comunitária Karisma que, pela prática antidemocrática e parcial de suas ações, não pode ser denominada de Comunitária, apesar de possuir permissão para este serviço.’

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Tradutor e mestrando em História Política pela Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, SP