Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma profissão de morte

A Associação Mundial de Jornais e outras entidades representativas da imprensa e de jornalistas estão chamando a atenção da sociedade para o grande número de assassinatos, atentados e prisões arbitrárias cometidos contra profissionais da mídia em todos os continentes. Em 2004, segundo dados coletados para uma campanha que será iniciada no dia 3 de maio, pelo menos 70 assassinatos de jornalistas foram relatados em todo o mundo.

Um aspecto que preocupa especialmente a direção da Associação Mundial de Jornais é que as mortes não estão ocorrendo apenas em regiões conflagradas, como o Iraque, onde 23 jornalistas perderam a vida no ano passado, mas em países que não estão em guerra. Descontadas as vítimas da guerra e do pós-guerra no Iraque, o Oriente Médio e o norte da África, cronicamente considerados lugares perigosos para ocidentais em geral, foram palco de poucos incidentes: 26 no total, ou apenas 3 mortos fora das zonas de combate.

Na Ásia concentra-se o maior número de vítimas depois do Oriente Médio, com grande concentração nas Filipinas, onde 11 jornalistas foram assassinados, a maioria deles quando investigava a ação de traficantes ou quando buscava informações sobre denúncias de corrupção. Na Europa e Ásia Central, a Rússia apresenta três casos, um deles tendo como vítima o autor de um livro sobre o polêmico empresário Boris Berezovski, Paul Klebnikov, que era cidadão americano e editor da versão russa da revista Forbes.

Assassino confesso

Nas Américas, o México lidera a desonrosa estatística, com quatro jornalistas assassinados em 2004, mas o Brasil, com Peru e Nicarágua, vem em seguida, com dois casos. Nossos mortos de 2004, José Carlos Araújo e José Lourenço dos Santos, eram nordestinos e foram baleados por pessoas acusadas de crimes em suas cidades. A lista completa e o perfil dos profissionais assassinados podem ser vistos clicando aqui .

Na maioria dos casos, as autoridades não demonstram muito empenho na investigação, quando não produzem peças bizarras de interpretação dos fatos, como no caso de Veronika Cherkasova, editora do jornal Solidariedade, na Bielo-Rússia. A Associação Mundial de Jornais teve de intervir junto ao governo do presidente Alexsander Lukashenko para que o filho, de 15 anos, e o pai da vítima, acusados pela polícia e presos pelo assassinato de Veronika, tivessem direito a advogado e deixassem de ser submetidos a torturas.

Nunca é demais lembrar que o indivíduo conhecido como Elias ‘Maluco’, assassino confesso do repórter da Rede Globo Tim Lopes, em 2002, era conhecido como traficante de drogas e já era apontado como responsável por pelo menos 60 assassinatos antes de cometer o crime que faria a polícia se mover para prendê-lo. Além disso, era acusado de promover a prostituição de menores nos chamados bailes funk, tema da reportagem que teria motivado a morte de Lopes.

Banalidade perigosa

Os assassinatos de jornalistas em países contaminados pelo terrorismo revelam, segundo a Associação Mundial de Jornais, que os profissionais da imprensa são confundidos com os agentes públicos destacados para manter a ordem ou para a prevenção de atentados. Com muitas sociedades conflagradas pela disputa entre a tradição e as mudanças políticas trazidas pelo processo de globalização, o exercício da liberdade de imprensa pode ser percebido como perigo, por grupos de poder pouco afeitos ao convívio democrático.

De certa forma, pode-se dizer que o exercício do jornalismo pode ser recebido como ameaça por traficantes de drogas em seus domínios nos morros do Rio, ou por contrabandistas de madeira e de animais silvestres na Amazônia, tanto quanto uma câmera de televisão pode intimidar o fanático religioso cuja mulher não tem permissão para mostrar o rosto fora de casa.

A diferença entre a hostilidade – que em muitas circunstâncias marca a relação do repórter com comunidades onde precisa fazer seu trabalho – e um ato de violência é, com certeza, a possibilidade de cumprimento da lei. Quando um indivíduo comete uma série de crimes e continua passeando por sua cidade sem ser incomodado pelas autoridades, ele se sente autorizado a cometer mais um assassinato para continuar tendo o direito ao sossego.

Jornais de todo o mundo já estão recebendo os anúncios que devem ser veiculados em 3 de maio, como parte da campanha pela liberdade de imprensa e em defesa da integridade dos jornalistas. A adesão dos jornais e revistas mais influentes pode ter um peso importante na atenção que as autoridades darão a denúncias de ameaças e agressões intimidatórias, que continuam a se repetir por toda parte.

A violência contra jornalistas precisa ser noticiada antes que o jornalista acabe virando notícia.

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Jornalista