
(Foto: StockSnap/Pixabay)
A maioria dos principais jornais, revistas e telejornais brasileiros parece ignorar a nova realidade informativa da era digital ao cobrir guerras contemporâneas porque usa comportamentos e métodos editoriais vigentes antes da internet. Ao dividir o noticiário apenas entre os “bons e maus” em guerras como no Oriente Médio e na Ucrânia, bem como não praticar o jornalismo investigativo, a imprensa adota uma postura anacrônica e põe em risco o papel do jornalista como profissional especializado em separar o “joio do trigo” no caótico mundo das plataformas digitais.
De maneira geral, a imprensa continua segmentando a realidade política global em apenas dois campos, apesar da avalancha informativa na internet ter criado uma enorme diversidade de dados, fatos e opiniões sobre fatos que acontecem ao nosso redor. O argumento da simplificação dos fatos para facilitar a compreensão pelo público já não funciona mais diante do crescimento exponencial da oferta noticiosa num ambiente informativo cada vez mais complexo. O jornalismo não consegue mais promover uma síntese única dos fatos relevantes, especialmente numa guerra, e com isto corre o risco de produzir informações distorcidas.
A curadoria informativa
Ao ignorar as mudanças em curso no universo informativo das pessoas, a imprensa permite que velhas rotinas editoriais contaminem os fluxos noticiosos em curso no Oriente Médio e na Europa. No caso dos bombardeios israelenses ao Irã, o fato da imprensa se basear em declarações e boletins oficiais cria uma grande confusão na cabeça das pessoas porque não há explicações convincentes para a errática diplomacia norte-americana, a obstinação mortífera dos israelenses e o silêncio enigmático dos iranianos.
Os jornais e telejornais acabam citando uns aos outros o que gera uma uniformidade de abordagens responsável pela produção de visões equivocadas da realidade nas áreas de conflito. Cada jornalista e cada veículo de comunicação tem uma visão própria dos fatos e eventos. Uma reportagem feita por um jornalista americano é diferente da produzida por um alemão, japonês ou russo. Para reproduzi-la é fundamental contextualizar o veículo e o respectivo profissional para que o leitor, ouvinte ou telespectador possa ter uma noção do que está por trás da informação.
Obviamente tudo isto exige tempo e pesquisa, o que implica a mobilização de equipes de profissionais com diferentes especialidades, todas elas voltadas para a curadoria informativa (1). O problema é que a maioria dos jornais, revistas e telejornais reduziu drasticamente as suas redações como parte de cortes nos gastos operacionais para enfrentar a queda de receitas publicitarias. Isto nos leva à segunda grande falha da imprensa que é a baixa utilização das reportagens investigativas, como recurso para dar às pessoas condições de identificar o que é real e o que é marketing político e propagandístico de governos, movimentos políticos e comandantes militares.
A lacuna investigativa
A investigação é um método jornalístico por excelência, porque busca a maior objetividade e isenção possíveis com a preocupação de mostrar a leitores, ouvintes, telespectadores e internautas aquilo que os protagonistas de uma guerra querem ocultar, bem como os antecedentes, desenvolvimento e desdobramentos do que está sendo noticiado. É onde o jornalismo se diferencia da investigação criminal, judicial ou científica.
No caso das guerras atualmente em curso, a imprensa brasileira simplesmente ignorou o trabalho investigativo, preferindo usar material de outros veículos, com eventuais adaptações pontuais. As coberturas em Tel Aviv, Gaza, Teerã e Kiev usaram intensamente depoimentos de moradores e turistas para dar uma cor local ao noticiário. A TV Globo, por exemplo cobriu a tragédia de Gaza a partir de seus correspondentes em Londres, Nova Iorque, Londres e Roma. Chegou ao ponto de pôr no ar um correspondente falando sobre combates no Oriente Médio tendo ao fundo uma bucólica pracinha em Nova Iorque.
Jornalismo investigativo custa caro e é arriscado. Não só em termos de segurança pessoal dos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, como também em relação aos resultados, que podem ficar aquém do desejado. É um investimento sem retorno garantido e sua justificativa deveria estar mais na preocupação com a informação pública do que com os índices de audiência. O fator financeiro encontra-se novamente na origem das falhas e deficiências na cobertura da imprensa brasileira sobre a crise no Oriente Médio. É um desafio que o jornalismo precisa enfrentar para poder cumprir com a sua missão orientar o público em meio ao caos da desinformação e notícias falsas.
- A curadoria informativa se baseia na recomendação de notícias relevantes, confiáveis e relacionadas às preferencias, necessidades ou desejos de pessoas ou grupo de pessoas. Atualmente boa parte destas funções começa a ser desempenhada por algoritmos de inteligência artificial.is fatos, eventos e declarações que não passam de versões politicas produzidas por um dos lados em conflito.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.