Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Por uma cobertura acurada e responsável

A convite deste Observatório, estive em Brasília na segunda-feira (18/11). Fui substituir um colega em um seminário promovido pela Fiocruz Brasília, “As relações da saúde pública com a imprensa: o SUS na mídia” (ver aqui). O seminário constou de uma palestra e três mesas-redondas, uma pela manhã (três convidados, mais um mediador) e duas à tarde (dois e quatro convidados, além dos respectivos mediadores). A programação ainda contou com um discurso de boas-vindas do diretor da Fiocruz Brasília, Gerson Penna, e apresentações de música e dança.

Em seu discurso, Penna ressaltou o papel e a importância que a mídia tem no âmbito da saúde pública. Ele mencionou três episódios mais ou menos recentes, envolvendo três epidemias, duas reais (gripe e dengue) e uma imaginária (febre amarela). Este último caso, “ocorrido” em Goiânia e arredores, no verão 2007/2008, ganhou destaque durante as férias parlamentares.

Na época, Penna era secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Segundo ele, assim que as férias dos parlamentares terminaram, as notícias sobre a “epidemia” de febre amarela desapareceram – a pauta, ao que parece, serviu apenas para prender a atenção do público. A desinformação, alimentada pelo sensacionalismo, levou a uma situação de histeria, fazendo com que muitos brasileiros se vacinassem desnecessariamente (ver, por exemplo, as matérias “Não há surto epidêmico de febre amarela no Brasil, garante ministro“, publicada no portal G1, em 9/1/2008; e “Secretaria de Saúde de GO diz que corrida por vacina é desnecessária“, publicada na Folha de S. Paulo, em 12/1/2008).

Estereótipo negativo

A palestra de abertura, ministrada pelo jornalista Marcelo Canellas (TV Globo), começou com uma confissão: o repórter disse esperar que o motivo de receber convites para proferir palestras ou participar de discussões públicas tenha a ver com o tipo de trabalho que faz, e não apenas com o lugar onde trabalha. Revelou que uma de suas preocupações permanentes é a questão da relevância: o que deve ou não ser reportado como notícia? Ilustrou sua palestra exibindo trechos de uma matéria que foi ao ar em novembro de 2010 (para detalhes, ver “Pacientes com mal de chagas não conseguem remédio para o coração“), parte de uma série especial de reportagens sobre doenças. Comentou ainda a respeito de um trabalho semelhante sobre fome que havia feito alguns anos antes. Veiculada em junho de 2001, no principal telejornal da emissora, o Jornal Nacional, a série “Fome no Brasil” (ver aqui) teve uma ampla e profunda repercussão.

Em seguida, tivemos a primeira mesa-redonda. A jornalista e pesquisadora Izamara Bastos (Fiocruz RJ) apresentou resultados de uma pesquisa recente (amostra: 900 matérias, publicadas em fevereiro e março de 2013) sobre o modo como dois importantes jornais brasileiros (O Globo e Folha) reportam o assunto “saúde”. Com relação especificamente às matérias sobre o SUS, a jornalista chamou a atenção para dois resultados curiosos: as matérias de cunho mais negativo tendem a ser associadas ao governo federal, enquanto as de cunho positivo tendem a ser creditadas aos governos locais (estaduais ou municipais).

A professora e pesquisadora Valéria Mendonça (UnB), acompanhada da enfermeira e pesquisadora Iedda Carolina, comentou os resultados de uma pesquisa semelhante envolvendo o jornal Correio Braziliense. A amostra analisada (180 matérias, publicadas entre junho e agosto de 2012) foi arranjada em quatro categorias temáticas: matérias sobre doenças (sobretudo doenças infectocontagiosas), sobre novidades científicas (sobretudo aquelas derivadas de pesquisas conduzidas fora do país) e dois grupos de matérias sobre o SUS, as que ressaltavam aspectos positivos e as que ressaltavam aspectos negativos.

No cômputo final, as pesquisadoras concluíram que a abordagem adotada pelo Correio favoreceria a construção de um estereótipo negativo do Sistema Único de Saúde. (Mais detalhes sobre as pesquisas envolvendo O Globo, Folha e Correio podem ser encontrados aqui.)

Importância do rádio

Ao lado da jornalista Johanna Nublat (Folha de S.Paulo), participei da primeira mesa-redonda após o intervalo para o almoço. Nublat iniciou sua apresentação falando um pouco de sua própria experiência como repórter. Diante das dificuldades iniciais, disse que chegou a pensar em abandonar a editoria de Saúde. Generalizando, falou um pouco das dificuldades que cercam os profissionais da comunicação, incluindo as deficiências na formação acadêmica e as restrições que os repórteres encontram no dia a dia, como o acesso parcial a informações ou as informações desatualizadas.

De minha parte, fiz uns poucos comentários sobre o SUS, a mídia e os observadores. Aproveitei para enfatizar determinados pontos que me chamaram a atenção nas falas anteriores, como a importância dada à formação teórica e a crítica ao senso comum. Também ressaltei certos aspectos que até então não haviam sido discutidos, como o tratamento privilegiado e nada crítico que a mídia brasileira habitualmente dá aos profissionais de saúde (notadamente aos médicos), uma rotina que recentemente foi abalada pelas reações estapafúrdias que as associações médicas tiveram diante do programa “Mais Médicos”.

Na segunda metade da tarde, foi a vez da terceira e última mesa-redonda. A jornalista Márcia Turcato (Anvisa) fez um breve balanço do universo noticioso que prospera em torno da agência (mais de 20 mil matérias por ano) e das demandas, dificuldades e desafios que isso representa para os profissionais de comunicação. (A apresentação de Turcato foi a única a que eu não consegui assistir na íntegra.) A radialista e militante feminista Mara Régia (EBC) falou, entre outras coisas, sobre a importância do rádio para as populações que vivem em certas regiões amazônicas. Mencionou sua experiência na luta feminista e, mais recentemente, o trabalho junto a grupos de mulheres escalpeladas (sobre o problema, ver a matéria “‘Prevenção poderia ter evitado acidente’, diz vítima de escalpelamento“, de John Pacheco, publicada no portal G1, em 2/9/2013).

Programa “Mais Médicos”

Lúcio Mello (Sindicato dos Jornalistas do DF) chamou a atenção, entre outras coisas, para o progressivo enxugamento que tem ocorrido nas redações, tanto em jornais como em emissoras de TV. Levantou diversas questões para reflexão, incluindo perguntas sobre a situação presente e futura do SUS. Tanto Mello como Rúbia mencionaram a greve dos funcionários da EBC.

Por fim, o jornalista Leonardo Cavalcanti (Correio Braziliense) analisou a trajetória do programa “Mais Médicos”, do Ministério da Saúde. Segundo ele, apesar das fragilidades, o programa já se constitui na principal marca do governo Dilma Rousseff e como tal deverá ser explorado nas próximas eleições, tanto no plano federal como no plano estadual – e.g., o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, é um potencial candidato a governador do estado de São Paulo (ver, por exemplo, a matéria “Em São Paulo, Lula lança candidatura de Padilha ao governo do estado“, de Gustavo Uribe, publicada em O Globo, em 27/9/2013). Ainda no âmbito das discussões a respeito de ações do governo federal na área de saúde, o jornalista transcreveu trechos de uma recente entrevista que ele e uma colega (Tereza Cruvinel) fizeram com o ex-presidente Lula (a entrevista pode ser lida aqui). Chamou atenção para algumas frases ditas durante a entrevista, como aquelas em que o ex-presidente disse que para levar a bom termo um programa como o “Mais Médicos”, não basta ter bons gestores, é necessário, sobretudo, “[ter] dinheiro”.

Ao final, o jornalista Wagner Vasconcelos (Fiocruz Brasília), um dos responsáveis pela organização do seminário, fez um breve discurso de encerramento, agradecendo a todos os presentes e à sua equipe de colaboradores.

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Felipe A. P. L. Costa é biólogo e escritor, autor, entre outros, de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003)