Monday, 02 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A difícil e prazerosa missão de comunicar ciência

A linguagem é uma das maiores criações da humanidade. O fato de podermos nos expressar e transmitir nossos pensamentos, temores e ideias é sem dúvida um dos principais motores para o desenvolvimento da nossa civilização.

Nas eras mais primitivas da humanidade, as situações do cotidiano (caçadas, colheitas etc.) e os eventos astronômicos (como eclipses e estrelas cadentes), por exemplo, eram registrados em cavernas na forma de pinturas rupestres. Era uma maneira de deixar gravados fatos importantes para que outras pessoas pudessem conhecê-los. A tradição oral, ou seja, a preservação de histórias, lendas, usos e costumes por meio da fala, também era uma forma de passar conhecimentos.

Com a invenção da escrita, por volta do ano 4.000 a.C. na Mesopotâmia, região onde atualmente se encontra o Iraque, os saberes puderam ser mais bem registrados. O advento da imprensa no século 15 fez aumentar a produção de livros, o que levou à popularização de várias obras e à maior disseminação do conhecimento.

Nessa mesma época, apareceram também os jornais, veiculando notícias periodicamente. A fotografia e o cinema surgiram no século 19 como novas formas de nos expressarmos e comunicarmos.

Finalmente, com a invenção do rádio e da televisão, no começo do século 20, e com a criação da internet, nos anos 1980, o conhecimento assumiu um papel central na nossa sociedade. Nunca antes ele esteve tão acessível.

Contudo, comunicar e ser entendido nem sempre é fácil. A linguagem a ser utilizada para cada público ou audiência deve ser diferenciada. Em particular, falar sobre ciência, principalmente para um público que não é da área científica, é um empreendimento maior ainda. Além de ser necessário muitas vezes transmitir ideias complexas, nem sempre as pessoas entendem como a própria ciência funciona.

Recriação do conhecimento

Para falar sobre ciência para o público em geral, é preciso também recriar o conhecimento, pois, quando este é formatado dentro de determinada área, utiliza-se uma linguagem própria. Por exemplo, a física usa a matemática para expressar seus conceitos. Dependendo do ramo da física, essa matemática pode ser tão complexa que apenas os especialistas que trabalham com o tema são capazes de entender.

Uma das áreas da física em que talvez seja mais difícil fazer essa recriação do conhecimento é a física quântica, que começou a ser elaborada no início do século 20 por físicos como Albert Einstein, Neils Bohr, Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger, entre outros. A física quântica foi uma revolução científica, no sentido de que nossa visão da natureza teve que ser completamente reformulada para compreendermos os fenômenos que ocorrem na escala atômica.

Na física quântica, não somente foram criados novos conceitos, mas também foi preciso introduzir ferramentas matemáticas até então não usadas pelos físicos. Conceitos como a dualidade onda-partícula, incertezas nos valores das grandezas físicas, tunelamento quântico, emaranhado quântico, entre outros, são alguns de difícil compreensão até os dias de hoje. Equações diferenciais, matrizes e vetores de muitas dimensões, funções de ondas, bras e kets (usados para representar os estados quânticos) são algumas das ferramentas matemáticas empregadas na física quântica.

Essa teoria física não apenas nos levou a compreender novos fenômenos, mas também nos permitiu aplicá-los de inúmeras maneiras. Os dispositivos eletrônicos, indispensáveis no nosso cotidiano, são construídos com base em fenômenos quânticos, como o efeito transistor, que possibilitou o desenvolvimento de dispositivo de mesmo nome, e a magnetorresistência gigante, responsável pela leitura de informações nos discos rígidos dos computadores.

Mas como então falar de algo tão complexo, e ao mesmo tempo tão presente no nosso cotidiano?

Aliadas da divulgação

Entre as alternativas que normalmente uso, estão a analogia e a metáfora, ou seja, o emprego de palavras ou expressões em sentido literal ou figurado que resulta em comparação explícita ou implícita. Mas é preciso ressaltar que toda comparação tem um limite de validade.

Para exemplificar essa estratégia, podemos usar uma explicação do conceito de dualidade onda-partícula, introduzido pela física quântica. Existem determinados experimentos nos quais um elétron, partícula fundamental com carga elétrica negativa, se comporta como se fosse uma onda.

Nos antigos televisores de tubo (atualmente eles são feitos de cristal líquido, plasma ou LED), um filamento emitia elétrons e estes eram acelerados por um campo elétrico até atingirem a tela da TV. Nessa situação, os elétrons se comportam como pequenas esferas carregadas individuais (eis uma analogia), atingindo diferentes pontos da tela com intensidades variadas para produzir a imagem.

Por outro lado, nos chamados microscópios eletrônicos usados para produzir imagens com grande aumento (de até cerca de 100 mil vezes), os elétrons são também emitidos por um filamento, mas, ao se chocarem com a superfície dos materiais, eles se comportam como uma onda. De fato, nessa situação, os elétrons ‘iluminam’ (eis uma metáfora) a superfície do material, permitindo a formação de uma imagem.

Portanto, na física quântica, o elétron pode ser uma onda ou uma partícula, dependendo da forma como está agindo. Na verdade, ele não é uma coisa nem outra, mas apenas podemos imaginá-lo se ora o considerarmos onda, ora partícula.

Explicar a ciência para o grande público é um grande desafio, mas é também uma tarefa de grande prazer. Cada vez que eu recebo uma mensagem de algum leitor desta coluna dizendo que aprendeu um novo conceito, ou começou a apreciar a física, a astronomia, a química, entre outras áreas, eu sempre me emociono. Por meio dessa interação, tenho a esperança de aproximar cada vez mais a ciência do público, para que ela seja apreciada como parte da nossa cultura.

Afinal, perceber que é possível compartilhar com as outras pessoas conhecimentos que me fascinam e também estimulá-las a refletir sobre eles não tem preço. Essa sem dúvida é a maior recompensa que eu recebo por fazer esta coluna mensalmente.

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Adilson de Oliveira é professor do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos