Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Maturidade das redes sociais na eleição é uma incógnita’

Pesquisador da área de engenharia de software e tecnologia da informação, o cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), Silvio Meira, analisa como as redes sociais estão sendo utilizadas nas campanhas políticas. Na entrevista por telefone, manda um recado para todos os candidatos que tentam potencializar o desempenho nas urnas por meio da presença social na internet. “Todo mundo ainda tem muita coisa a aprender.”

Existe um padrão para definir o que é uma boa campanha eleitoral na internet?

Silvio Meira– Não existe um padrão. Existem contextos e dentro desses contextos existem práticas que são recomendáveis. Para você comparar rapidamente, posso dizer que um número significativamente grande do que as pessoas falam sobre os EUA não é aplicável ao Brasil. Nos EUA, a lista de votação é pública e eu consigo recuperar porque faz parte dos dados abertos do Estado. Eu posso minerar esses dados nos EUA e saber, em cada seção, por exemplo, quem foi que votou na última eleição. A partir desse dado e do local de onde ele vem, posso entrar no Facebook e saber quem são essas pessoas e quem são os amigos deles. Posso minerar os dados e saber se eles têm uma posição mais liberal ou mais conservadora e aí posso tentar influenciar as pessoas diretamente. A quantidade e qualidade de dados que existem para você fazer uma articulação em rede social a partir de informações publicamente disponíveis nos EUA é totalmente diferente do que nós temos no Brasil. É muito mais fácil você articular uma campanha eleitoral nas mídias sociais nos EUA do que no Brasil.

Como clarear essa trilha no Brasil?

S.M. – Não se trata de uma campanha na cega. De jeito nenhum. No Brasil, temos pesquisas eleitorais quantitativas e qualitativas fora da internet. Temos um número de ferramentas muito grande, várias delas brasileiras, que estão disponíveis na internet para você capturar o sentimento das pessoas. Como no Brasil você tem uma parcela significativa da população online no Facebook, que é a efetiva e verdadeira grande rede nacional porque você não tem robôs como no twitter e é uma rede de relacionamente mesmo, você pode interpretar comportamento das pessoas em relação a um número muito grande de aspectos. Isso já vem sendo usado. Para quem você faz uma campanha seja na rede social ou não? Se faz para os indecisos e para aqueles que não votaram. Se a gente tivesse na idade da pedra, quem dominasse polir pedra para fazer arma estava por cima da carne seca.

No Brasil, os candidatos apenas transportaram a linguagem tradicional de campanhas políticas para a plataforma digital. Podemos falar de uma linguagem de marketing político própria para a internet?

S.M. – Você tem razão. E vai demorar muito tempo. É um processo de aprendizado. De aprendizado para todo mundo. Não só estão aprendendo as pessoas que fazem marketing político na internet. Estão aprendendo as próprias pessoas que estão usando a rede. Esses comportamentos são muito novos. Pense no seguinte. Como é que foram as primeiras campanhas na televisão? As primeiras campanhas na televisão usavam a mesma linguagem do rádio. E as primeiras campanhas do rádio usavam a única linguagem que existia que era a linguagem dos jornais. Mas havia uma coisa em comum. Jornal, rádio e televisão são push. Eu escrevo para você que está aí no mundo. Você não volta. Você não emite opinião quando assiste à televisão. Quando você foi para a internet, primeiro, você muda o alcance. O efeito da internet é mudar o alcance pela diminuição de ordens de magnitude do custo de você alcançar mais gente. Mas quando a internet vira social, que leva 10 anos, aí você começa a motonivelar o ambiente. O custo de qualquer um falar alguma coisa. Deixa de existir a potência de mídia.

Então o risco é grande demais. É fácil errar numa campanha política nas redes sociais?

S.M. – É muito fácil errar porque poucos times estão estruturados. O time bom e bem estruturado é um time que entende profundamente de redes sociais, o que é diferente de entender de internet. Que entende de redes sociais como primeira linguagem. Que sabe o que se transaciona em redes sociais, que é um conjunto de infraestruturas para você transacionar conectividades. Conecta muito mais do que comunica. E onde conectividade cria e depende essencialmente de reputação. Na sociologia existe há décadas a noção científica de redes sociais. Os sociólogos, com o aparecimento das redes sociais na internet, eles simplesmente criaram uma sub-área chamada de redes sociais online. É preciso entender que redes sociais são um ambiente de conectividade e não de comunicação. Qualquer pessoa que olhar para uma rede social e dizer que estamos aqui num ambiente de comunicação social perdeu o bonde.

Que perfil as equipes dos candidatos nas redes sociais devem ter para não perder esse bonde?

S.M. – Primeiro de gente que entenda de gente e do que as pessoas pensam. Do que que elas falam, quais são os seus anseios e quais são suas expectativas. Não tem nada a ver com tecnologia. Depois, esse povo que entende de gente tem que saber que gente online é um pouquinho diferente de gente offline. Resumindo é o seguinte: gente que entende de gente sem ser ignorante em tecnologia e sabendo que está fazendo um negócio particular chamado campanha política.

A internet pode definir a eleição?

S.M. – Faça a seguinte conta. Há 100 milhões de pessoas na internet brasileira no momento. Metade disso tem smartphones. Vamos imaginar que, nesses 50%, está distribuído homogeneamente os 20% de abstenção líquida da última eleição. Então, 10 milhões não foram votar. Para cada pessoa que vota na situação, três votam na oposição. Em algum tipo de oposição. Isso é o dado histórico. Se você convencer metade desse pessoal a ir votar, você tem, na situação atual, a garantia de um segundo turno. Então, a internet muda e muda mesmo. A campanha da reeleição de Obama foi decidida na internet. Totalmente decidida na internet. Você pode ler dezenas de textos que estão disponíveis na rede. Foi decidida não na internet, mas pela internet. A articulação para mobilização, as batidas em portas de pessoas, de onde vieram os dados que mostravam o perfil do eleitor. Isso foi computado a partir da presença do eleitor na internet, se chegou nesse cara pela internet e se mudou a opinião dele por meio da internet.

Mas a gente pode transportar isso para o Brasil? São realidades diferentes.

S.M. – Nesta campanha, eu não sei. O nível de maturidade da internet e das redes sociais na eleição brasileira ainda é uma incógnita. Na última campanha presidencial, em 2010, onde tinha uma penetração muito menor de internet móvel no Brasil, com o Facebook e Twitter sem a importância que têm hoje, a gente viu a internet servir como mola de articulação de uma campanha de Marina Silva que mudou a política brasileira da época. De lá para cá, como você tem revoluções permanentes no ambiente online móvel, a gente pode dizer que a estrutura, arquitetura e conjuntura da internet brasileira mudou completamente. Ela basicamente saiu do fixo, em 2010, para o móvel hoje. Por causa disso, as mesmas práticas que foram usadas em 2010, dificilmente darão certo hoje. Tendo mudado essa arquitetura e conjuntura da rede, você tem que fazer um reentendimento de como ela está funcionando.

Mas, então, só vamos saber isso depois da eleição.

S.M. – Exatamente. Só podemos saber depois da eleição. Mas uma coisa é patente. Sem uma presença social competente é muito improvável que uma campanha consiga ter sucesso no Brasil nesta eleição, qualquer que seja ela.

Havia uma expectativa de que a internet possibilitaria um debate de propostas, um debate mais aprofundado justamente por causa da interação. Mas estamos assistindo a internet virar um pântano de baixaria e se transformando simplesmente numa plataforma de ataque.

S.M. – Esse grau de expectativa que a gente deposita na tecnologia é sempre infundado. É a mesma coisa que você chegar e falar assim: vamos pegar um país qualquer que fala inglês, vamos distribuir lápis e papel e vai aparecer um milhão de James Joyce. Não é assim que acontece. O que possibilita um debate político mais amplo, menos baixo e mais sofisticado, é educação. O fato de colocarmos mais internet na mão de mais gente não significa que todo mundo se educou e que tá pronto para debater suas preferências ou seus preconceitos sem entrar numa briga.

O que a gente tem que fazer no Brasil?

S.M. – Precisamos criar no Brasil as condições, neste ambiente, de promover discussões desapaixonadas sobre temas apaixonantes. Se a gente não conseguir fazer isso, a gente vai tá sempre brigando. Basicamente, aqui no Brasil, você transforma o opositor num inimigo.

Os candidatos a presidente estão utilizando bem as redes sociais?

S.M. – Todo mundo ainda tem muita coisa a aprender.

E os exércitos de fakes nas campanhas políticas? Como isso funciona?

S.M. – Essa coisa de fakes e ataques têm um papel na estrutura da internet e das redes que é o seguinte. Vamos imaginar que você monte mil blogs falsos. Não são mil blogs falsos. São mil blogs zumbis. Se você criou, eles não são falsos. Esses mil blogs zumbis espalham informações falsas. Para que eles são criados desta forma? São criados para serem indexados pelo google. Aí você faz o seguinte. Você utiliza contas robóticas no twitter e utiliza essas contas para apontarem para esses blogs zumbis. Assuma que esses blogs têm a mesma informação e são linkados entre eles. Aí você utiliza ativistas reais para fazer com que essas informações desses robôs sejam replicadas. O que acontece? Você acabou de criar uma máquina mágica de promoção de informação que vai entrar no radar de google por exemplo. Você tem um candidato X qualquer e começou a espalhar informação qualquer sobre ele. Por exemplo: fulando de tal desistiu e não é mais candidato. Na hora que você fizer a busca no google pelo nome do candidato, lembre-se que o google responde por mais de 95% das buscas realizadas na internet no Brasil. O cara vai colocar o nome do candidato e vai aparecer que ele não é mais candidato. Então, a criação desse ruído contextual, num ambiente pouco educado, isso não funcionaria na Inglaterra, esse negócio tem um impacto muito maior. Mas para que que você utiliza essa combinaçãode fakes? Na verdade é para você convencer os algoritmos automáticos das máquinas de buscas a promover essa informação para a primeira página dela, que é a única página que você olha. Na segunda página, estará tudo lá como é a realidade. Tem uma briga inteira na internet no momento que é pela primeira página de google. Essa guerrilha é totalmente baseada na ideia de que as pessoas não vão ter discernimento para saber se aquele negócio é razoável. Ela funciona nesses ambientes pouco educados.

Então funciona no Brasil.

S.M. – Entre os radicais, aquela turma do vamos ganhar a qualquer preço, que olha o opositor como inimigo, acho que faz sentido isso. Aquele negócio de que para ganhar o jogo vale tudo, até comprar o juiz. Mas entre as pessoas que querem alguma coisa um pouquinho mais sofisticada, e o número dessas pessoas crescem a cada eleição no Brasil, não pega. As pessoas pensam. Eu vou votar nele e esse candidato precisa fazer isso para ganhar? Talvez deixe de votar nele.

As campanhas políticas na internet falam para a sua própria torcida. Isso não é um erro?

S.M. – Não se pode confundir a campanha eleitoral feita na internet para os seus e para os outros. Uma campanha inteira é feita para convencer um pessoal que ainda não foi convencido nem por um lado e nem pelo outro. Não adianta você rezar o pai nosso para o vigário. Não adianta. Isso não se transforma em voto. O que decide uma eleição, em última análise, é o nível de satisfação da população com o incumbente. O que decide qualquer eleição. O ponto é o seguinte. Se você tiver um alto nível de insatisfação com o status quo, vai ter uma mudança. Para onde vai apontar essa mudança ninguém sabe. Pode até ser que o status quo, e estou falando de uma maneira abstrata, mude rápido suficiente para dizer que a mudança sou eu. O fato é que hoje, no Brasil, o que decide a eleição é o nível de satisfação ou insatisfação com status quo que é o que sempre decidiu eleição em qualquer lugar no mundo. Você precisa falar para quem não foi votar na última eleição e para quem votou branco e nulo. É esse pessoal, em última análise, que vai decidir a eleição.

Hoje, no Brasil, os candidatos têm uma estrutura confiável de monitoramento das redes sociais com qualidade para permitir reforçar acertos e corrigir possíveis erros?

S.M. – Uma estratégia social de qualquer coisa envolve presença online, monitoramento, expressão e retorno online, que é a resposta digital. Uma estratégia digital precisa fazer com que você saiba o que as pessoas estão falando sobre você. O monitoramento é parte da estratégia. Existem centenas de ferramentas para fazer monitoramento. Não é difícil, a partir de uma ferramenta que já existe, você escrever ainda outras coisas para capturar uma coisa que uma ferramenta ou outra não pega. Acho que as equipes todas dos candidatos têm ferramentas de monitoramento que devem ser boas e competentes se utilizadas como tal. Uma coisa que ninguém pode esquecer do ponto de vista de presença efetiva em rede social é que rede social não é televisão. Você fala uma coisa, o cara fala de volta e ele fica esperando que você fale de volta com ele. Não é aquele negócio assim: eu digo um troço, vou embora e azar de vocês. Redes sociais são ambientes de conectividades e interação para construção de relacionamentos. Saber o que estão falando de você é muito importante. É a mesma coisa da rádio corredor nas empresas. O importante é lembrar que redes sociais online são, aspas, só a migração e magnificação das redes sociais que já existiam. Conexões para estabelecer interações que viram relacionamentos. E isso não é trivial de fazer. É difícil eu me relacionar com muita gente. Se sou um candidato, coloco um post no meu Facebook que tem 30 mil comentários, como vou interagir com um cara desses? Elas esperam, pelo menos, que você responda para grupos homogêneos. 

Os candidatos devem escrever em primeira pessoa nas redes sociais?

S.M. – Se o cara disser eu fiz isso quem deveria tá escrevendo era ele. Se ele disser fulano fez tal coisa tem que ficar claro que foi a equipe dele. Há formas de fazer isso. Mas no caso dos candidatos fica explícito que tem uma equipe que cuida da presença social dos três principais. Acho que a comunidade entende que não são os candidatos que estão tocando suas próprias operações porque eles não fariam mais nada. Eu acho que os candidatos todos deveriam ter uma coisa, vez por outra, aqui e ali, ter uma pontuação mais pessoal. Atuar mais como eles mesmos. Eu fiz isso, eu fiz aquilo. Claro que eles precisam ser preparados.

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João Valadares, do Correio Braziliense