Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A ética em xeque

O jornalismo tem por condão básico a busca da verdade, isto é, abordar um acontecimento trazendo o maior número de elementos para a construção de uma narrativa fiel e confiável. Essa relação tácita do jornalista com seu público – uma procuração para ser os olhos e ouvidos onde as pessoas não podem estar – caminha, obrigatoriamente, na esteira da ética. Caso contrário, informação vira especulação; fato vira boato.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é o documento mais importante no que toca à lisura da imprensa no país. A atual versão, aprovada em 2007, se divide em cinco capítulos: Do direito à informação (I), Da conduta profissional do jornalista (II), Da responsabilidade profissional do jornalista (III), Das relações profissionais (IV) e Da aplicação do Código de Ética e disposições finais (V). A Carta preconiza princípios básicos que instituam um jornalismo independente e honesto, primando pela preservação das fontes e fidelidade do processo comunicacional.

Entretanto, nem tudo são flores. O Código é carente em alguns aspectos, especialmente na ausência de instrumentos efetivos que o cristalizem e na frágil abordagem sobre as novas formas de fazer jornalismo. Vejamos dois exemplos, entre vários observáveis, onde o documento se mostra incipiente no contexto da pós-modernidade.

Credibilidade em risco

1. Assessoria de imprensa: no Brasil, diferentemente de outros países, o assessor é visto também como jornalista. O inciso I do Art. 12 disciplina as peculiaridades tupiniquins: “Ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas.” O dispositivo, claramente, estabelece uma ética oscilante entre profissionais de veículos e assessores. Os primeiros têm por obrigação escutar todos os lados de uma história; os segundos, não.

2. Duplo emprego: O Art 7º, inciso VI, preconiza que o jornalista não pode “realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas”. Francamente, isso seria possível? Imagine um jornalista que atue em grande empresa de comunicação, como a Folha de S.Paulo ou a Zero Hora, e, por fora, complete a renda assessorando uma grande corporação. O profissional teria de explicar ao cliente que não poderia pautar dois dos maiores veículos de imprensa do Brasil, em razão do Código de Ética. O cliente ficaria satisfeito? Evidentemente que não. Aliás, não contrataria alguém que assim procedesse, pois conta com o poder de influência do repórter. A rotina diária – e a falta de fiscalização – pulveriza o inciso VI. Não há restrição ao duplo emprego.

O rol de discrepâncias não se esgota aqui; a prática tem criado outros. Em suma, estes foram apenas dois momentos em que o Código não garante a ética que sustenta. Isso se dá, muito em parte, pela baixa representatividade que as entidades de classe possuem – tanto em relação aos seus sócios quanto à consideração que lhes é atribuída pelas empresas de comunicação. Normalmente, o diálogo efetivo acontece nas salas dos tribunais, mediante provocação do Judiciário. Destarte, se alguns princípios do documento são carentes, a unidade é afetada. Caberia, portanto, uma revisão – mais uma! – por parte da Fenaj, pois sem sólidos valores regentes da profissão, o jornalismo perde em seu motivo de existir: a credibilidade.

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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo