Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A agitação mancheteira

Temas de manchetes coincidem com certa frequência nos principais jornais e telejornais do país não porque haja concertação entre os jornalistas que dirigem esses veículos, mas porque há convergência de percepções e reações a fatos que se tornam de domínio público. Às vezes, sobretudo em casos de denúncia de corrupção, esse tornar-se público se faz por vias tortuosas, o que não elimina os fatos.

Teorias conspiratórias não são bom método para a análise do comportamento da mídia. Como lembrou recentemente um leitor deste Observatório, ninguém acusou a grande imprensa de se articular para produzir o fartíssimo noticiário sobre o mensalão do DEM brasiliense, que levou à cadeia um governador e golpeou um setor oposicionista.

Há quem aluda a um tom udenista. A UDN, União Democrática Nacional, como se sabe, foi o partido que, em nome do combate à corrupção no segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), pregou, sobretudo nos pronunciamentos de Carlos Lacerda e nas páginas de seu jornal, Tribuna da Imprensa, o golpe de Estado que Vargas evitou com seu suicídio.

Não se trata apenas do velho denuncismo. Há um vício jornalístico aparentemente incurável que consiste em ‘esquentar’ leads de reportagens e, a partir daí, toda a estrutura de título e subtítulos. Alberto Dines, no programa de rádio de segunda-feira (13/9) deste Observatório, mencionou o contorcionismo de uma manchete da Folha: ‘Filho do braço direito de Dilma atua como lobista’.

Nem tudo é udenismo

O tom udenista existe, mas é preciso separar o que é agitação mancheteira de legítimas preocupações com as instituições. Isso não está ausente do noticiário e das análises e comentários, frequentemente adornados, nos últimos tempos, pelo superlativo ‘gravíssimo’ – uma espécie de salvo-conduto para tratar de assuntos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva qualificou de ‘baixaria’.

Lula, entretanto, deveria ser o primeiro a defender instituições – como a imprensa livre – que lhe permitiram chegar ao poder e fazer governos avaliados positivamente por uma grande maioria da população, aí incluídos adversários políticos ou simplesmente não-correligionários.

O aquecimento da campanha eleitoral em torno de denúncias – e não de propostas políticas – obscurece o esforço feito pela mídia para tratar de assuntos que estão em primeiro lugar entre as preocupações da população, como educação, saúde, segurança, e mesmo de assuntos de que se ocupam cidadãos que pertencem a uma elite econômica ou intelectual, como política externa e reforma política.

Pautas negligenciadas

No calor do tiroteio – sintetizado por Marina Silva no debate Folha/Rede TV! ao exortar que se discutissem os problemas, ao invés de ‘vê-los como uma oportunidade de ganhar votos em cima do concorrente’ –, muitas pautas relevantes são negligenciadas.

A título de ilustração, pode-se citar que nos casos do mensalão brasiliense e das recentes prisões no Amapá, a secretaria de Educação aparece com destaque entre as acusações de corrupção.

A deputada distrital Eurides Brito, que figurou num vídeo pondo dinheiro na bolsa, é professora e exerceu os seguintes cargos: secretária de Educação e Cultura do Distrito Federal (1979 a 1985), secretária de Educação do Distrito Federal (1991 a 1992 e 1999 a 2002) e gerente do Programa de Erradicação do Analfabetismo do Governo do Distrito Federal, GDF, de janeiro a agosto de 2007. Um currículo que dá o que pensar.

Na Folha de S.Paulo de segunda-feira (13/9), a suíte das matérias sobre o Amapá põe em destaque acusações a um dos presos na operação da Polícia Federal, Adauto Bitencourt, ex-secretário da Educação do estado.

Será que só nessas duas unidades da Federação a educação é prejudicada por desvios de verbas e outras mazelas? Não seria o caso de se fazer uma apuração ampla sobre algo que é generalizado no país e explica em parte as deficiências do sistema educacional? E não vale a mesma preocupação em relação à saúde?

Para o cidadão comum, roubalheira na educação e na saúde é uma loucura. Mas cabe à mídia, quando menos, mostrar que há método nessa loucura.