Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

A desconstrução das utopias digitais

A internet é mesmo a grande revolução prevista por certos teóricos? Em seu novo livro, Informar não comunicar (96 pp., Editora Sulina, Porto Alegre, 2010) o sociólogo francês Dominique Wolton joga um balde de água fria nas utopias digitais, que cravaram que as novas tecnologias iriam resolver todos os problemas da comunicação. Para o prestigiado pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em português), fundador e diretor da revista Hermès, confundiu-se os – indiscutíveis – avanços técnicos de transmissão da informação com a nossa capacidade de absorvê-los e nos adaptarmos às mudanças. O resultado é paradoxal: mais rápido avançam as tecnologias, mais lento é o nosso progresso na comunicação.


Wolton não nega a importância das novas ferramentas, mas desconstrói a ilusão de que a internet possibilitará um conhecimento sem intermediários. Ao contrário do espaço de integração e pluralidade idealizado por alguns, vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.


Antes que o acusem de conservadorismo, vale lembrar que o pensador defende, na verdade, uma visão mais humanista da comunicação, que coloque o indivíduo acima das tecnologias. Pede com urgência que a comunicação seja vista como um projeto político e cultural, para que possa enfim produzir um melhor entendimento entre os homens num mundo cada vez mais multipolar.


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Os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar?


Dominique Wolton – Há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de se comunicar. As informações avançam rápido, já a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum. O desafio é tomar consciência que a comunicação deve conviver pacificamente com as novas tecnologias da mesma maneira que a ecologia. O mundo finalmente deu atenção à ecologia, agora é preciso também ficar atento às ciências sociais da comunicação.


Quais são os maiores perigos da visão tecnicista da comunicação?


D.W. – É uma visão que contém riscos porque cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação. Não apenas releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, mas também a sua resistência a uma visão diferente do mundo. É preciso aceitar a ideia de que a comunicação também possui uma dimensão política e cultural. Se aceitamos que a ecologia deve ser um assunto político, por que não a comunicação?


Os ideólogos da revolução digital defendem que a internet pode produzir uma democracia mais direta, emancipada das instituições, e que se autorregulamentaria sem a necessidade de intermediários. É uma ideia populista?


D.W. – É uma ideia democrática apenas na aparência. A internet ressuscitou a utopia da democracia direta. É ingênuo, porque se você não tem intermediários, é o dinheiro e as minorias que dominam. Não existe democracia sem intermediários: políticos, jornalistas, professores, médicos… A televisão comunitária existe há pelo menos 20 anos e não resultou na democracia direta. A mídia está cada vez mais interativa, mas não melhorou em nada. Para que haja democracia, é preciso haver eleições. Aliás, eleições servem para eliminar aquilo com o que não concordamos.


A internet é defendida como um agente do pluralismo. Mas o senhor vê um risco de conformismo, submissão ao receptor e às modas. Até agora, o digital contribuiu mais para uma homogeneização da mídia?


D.W. – A internet pode se transformar em um espaço onde todo mundo pensa a mesma coisa, pois cada um se fecha em sua comunidade. Mas se for regulamentada, poderá refletir o pluralismo da sociedade. Aconteceu o mesmo na história da política, da ciência ou da arte. A comunicação é um projeto político. Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças.


Em resposta à utopia de integração, o senhor aponta as ‘solidões interativas’…


D.W. – Não podemos negar que a internet trouxe uma abertura formidável. Mas depois de um tempo, pode virar prisões individuais: as pessoas se trancam e não se comunicam com valores diferentes dos seus. A web é um sistema de informação baseado na demanda, enquanto as mídias clássicas se baseiam na oferta. A web não ultrapassa a demanda, e com isso produz uma segmentação. Por outro lado, as mídias clássicas enriquecem a demanda com a oferta.


Qual foi a verdadeira influência da internet nas últimas eleições presidenciais americanas?


D.W. – Já se disse muita besteira sobre a campanha de Obama. Na verdade, ele percebeu a importância das redes sociais e se serviu delas. Mas era algo que já existia muito antes, pelos meios clássicos. Não foi a internet que deu a largada para o militantismo, ela simplesmente acelerou um sentimento que já existia na população.


O senhor afirma que o jornalismo é uma profissão, exige formação. Como vê a decisão da Justiça brasileira de anular a necessidade de diploma para praticar o jornalismo no país?


D.W. – O jornalismo é uma profissão que exige responsabilidade, uma maneira de ver o mundo. É importante que ela mantenha as portas abertas para os mais jovens. Mas acreditar que ela pode acolher todo mundo, mesmo aqueles que não conhecem as dificuldades do métier, é uma visão demagógica, que pode vulgarizar o ofício. Quanto mais surgem novas mídias, mais é preciso reafirmar a importância dos intermediários e de seu profissionalismo.


O jornalismo impresso vai acabar?


D.W. – Cada um tem seu lugar. A internet tem como aspecto positivo a sua capacidade de ser um instrumento de contrapoder e, como negativo, a sua segmentação. Já as mídias clássicas são positivas por se abrir a todos, mas negativas por serem generalistas demais. Precisamos de cada um dos dois em suas visões positivas. Cada mídia tem sua cultura e competência.


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Bom de polêmica


Juremir Machado da Silva (*) # reproduzido do Correio do Povo (Porto Alegre, RS), 5/4/2010


Traduzi recentemente um pequeno livro do sociólogo francês Dominique Wolton. Chama-se Informar não é comunicar (Sulina). É pau puro. Um chute no balde atrás do outro. Às vezes, com elegância. Outras, sem a menor cerimônia. Quando acha necessário, ele bate no fígado dos adversários e sai assobiando. Wolton adora andar na contramão. Para começo de conversa, diz que precisamos mais de comunicação do que de informação atualmente. Considera idiotas todos os que acreditam numa democracia virtual simplesmente pela força das virtudes das novas tecnologias. Desanca os entusiastas desmesurados da Internet. Bate também naqueles que veem a televisão aberta como um instrumento de manipulação de telespectadores indefesos. Ninguém escapa das bordoadas.


Aqui vai uma mostra:




‘O mais importante na vida privada ou pública passa cada vez menos pela internet. Ontem, receber e-mails era um privilégio, quase um símbolo de poder. Hoje, é um fardo. Todo mundo passa o tempo enviando e-mails e perde um tempo louco baixando-os, fazendo a triagem e respondendo. A informação acessível tornou-se uma tirania. Para trabalhar seriamente, é preciso se desligar dessa facilidade tecnológica. O sonho, às vezes, vira pesadelo, ainda mais que, como todos sabem, as informações mais importantes do poder jamais são difundidas pela internet, mas pelo telefone ou de viva voz’.


Não sei se ele está certo. Sei que é uma provocação e tanto. Questiona a essência da utopia tecnológica em vigor. Defende a primazia do presencial.


Sensação de poder


A tecnologia, segundo Wolton, cumpre um papel relevante na comunicação. Possibilita a distribuição rápida de dados. O decisivo, no entanto, no entender dele, é outra coisa:




‘Quanto mais a tecnologia racionaliza e reúne voz, imagem, texto e som, mais as diferenças de ordem cultural dizem respeito à natureza da atividade, ou seja, ao que é mais importante. Esse será o combate do depois de amanhã. Hoje, a batalha técnica fascina com sua multiplicidade de aplicações. Amanhã, a disputa será pela diversificação dos conteúdos’.


Wolton não acredita que tudo possa ser gratuito na internet. Produzir informação custa dinheiro. Alguém tem de pagar a conta. Também não crê que todos possam ser jornalistas graças ao Twitter e aos blogs. A população sempre precisa de bons mediadores especializados e críticos.


Wolton é favorável ao controle da internet:




‘Por enquanto, o faroeste seduz mais do que a ideia de regulamentação política, que acabará por se impor como aconteceu em relação à imprensa, ao rádio e à televisão. Quando os escândalos se tornarem fortes demais, a internet não poderá continuar fora da lei e deverá sair da ideologia da desregulamentação, esse clone da ideológica tecnicista. Curiosamente, mesmo com a crise atual do capitalismo financeiro, ainda não se fala da indispensável necessidade de regulamentar a Internet. A `traçabilidade´ generalizada, encoberta pela sensação de liberdade e de poder total, pode abalar os fundamentos das liberdades privadas e públicas conquistadas com dificuldade em três séculos de batalhas políticas’.


(*) Jornalista, sociólogo, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-RS