Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A força da mídia na corrida pela Casa Branca

Barack Obama, caucus e Iowa: essas quatro palavras ocuparam o noticiário internacional de jornais e TVs na semana passada e acabaram se tornando estranhamente familiares aos leitores e espectadores médios brasileiros, mais preocupados com as conseqüências do fim da CPMF do que com o complicado processo eleitoral dos Estados Unidos. O que a imprensa esqueceu de comentar é que a vitória de Obama, no estado de Iowa, representa apenas três votos entre os 583 representantes do Colégio Eleitoral que – depois de apurados os votos populares em novembro – vão realmente decidir quem será o próximo presidente norte-americano.

Falou-se muito da surpreendente vitória de Barack Obama e do humilhante terceiro lugar de Hillary Clinton, a ex-primeira-dama que hoje faz campanha com apoio do marido, o ex-presidente que foi flagrado em adultério enquanto ocupava a Casa Branca.

Como muita água ainda vai rolar nessa eleição – que, com toda certeza, terá ampla cobertura na imprensa brasileira – talvez ainda dê tempo da mídia comentar dois aspectos esquecidos nessa primeira semana: o profético romance de Monteiro Lobato (O presidente Negro – Choque de Raças, de 1926) e o fato de Obama ter apelado para sua amiga Oprah Winfrey como arma para convencer os eleitores de que ele era o melhor.

A força de Oprah

O romance de Lobato se passa no ano de 2228 e fala da eleição nos Estados Unidos que tem como candidatos um negro, uma feminista e o presidente, candidato à reeleição. A divisão da sociedade branca em partido masculino e feminino acaba possibilitando a eleição do candidato negro.

O confronto romanceado por Lobato veio antes do esperado, o atual presidente não é candidato à reeleição e Hillary Clinton não pode ser chamada de feminista. Fora isso, tudo se encaixa. O que vamos ter que esperar para ver é se o candidato afro-americano vai conseguir, nas primárias que começam agora, vencer o casal Clinton.

Mas talvez o item que mereça uma análise mais aprofundada é o papel da própria mídia no processo eleitoral – lá, como cá. A imprensa brasileira mencionou que Oprah Winfrey apóia Obama, mas não explicou aos leitores a força que ela tem nos Estados Unidos. Considerada a mulher mais importante da América, sua presença no comício de Iowa foi noticiada exaustivamente pela TV norte-americana na semana anterior ao caucus. Seu discurso no comício – que durou 30 minutos – foi transmitido ao vivo pela CNN e mostrou uma personagem bem diferente da apresentadora que é o grande sucesso do horário vespertino da TV norte-americana (transmitido no Brasil pelo canal por assinatura GNT).

Vencendo a máquina Clinton

Oprah, Obama e a mulher eram os únicos afro-americanos mostrados pela TV durante o comício, para uma platéia de brancos norte-americanos, fascinados com a presença do grande ícone da TV. Foi um duro golpe para Hillary Clinton. Depois do comício, Obama saiu do terceiro lugar nas pesquisas para a vitória.

A apresentadora – que usa seu programa para vender sua milionária revista, milhões de exemplares do seu ‘Clube do Livro’ e promover os filmes que produz – sabe a força que tem e sabe que, se disser aos eleitores que Obama é o produto a ser adquirido – ou consumido – há grandes chances de ele ser um sucesso. Em entrevistas depois do comício, uma Oprah de rosto suado e voz tensa declarou aos repórteres que tinha ficado muito nervosa, pois era a sua primeira participação num comício.

A verdade é que bastou um show para convencer os democratas de Iowa que Obama era a melhor opção. Uma grande jogada de marketing para o começo da campanha que pode mudar os rumos da eleição de novembro. Uma jogada que mostra o papel fundamental da mídia no processo eleitoral.

A leitura de jornais e o noticiário da TV podem nos fazer acreditar que Obama será o próximo presidente. Isto porque, fascinada com a novidade, a imprensa não falou dos números, um dado essencial nesse processo: a vitória em Iowa significa apenas três votos no colégio eleitoral, mas é importante pela exposição que dá aos vencedores.

Como escreveu o articulista David Brooks, do New York Times (O Estado de S. Paulo, 6/1/2008), ‘Iowa não decide a corrida, mas o restante da temporada das primárias será matizado pelo brilho desse acontecimento. É preciso ter um coração de pedra para não se comover quando um afro-americano vence uma campanha equilibrada e bate dois adversários fortes, incluindo a poderosa máquina Clinton’.

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Jornalista