Saturday, 14 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A reunião (do Copom) terá que ser televisionada!


…a dor da gente não sai no jornal‘ (Luiz Reis e Haroldo Barbosa)


Apesar de o presidente Lula pregar a redução dos juros praticamente todos os dias, apesar de o vice-presidente José Alencar reclamar diuturnamente que ‘o nosso discurso de campanha de 2002 ainda não chegou ao poder’, forças aparentemente misteriosas e supostamente sobrenaturais fazem com que o Brasil ainda tenha a mais elevada taxa de juros do mundo. O que acontece de fato? Inspirados no título do excelente documentário A revolução não será televisionada, reivindicamos aqui que o palco onde estão sendo tomadas todas as decisões para manter os juros nas alturas – a Reunião do Comitê de Política Monetária – precisa ser iluminado, precisa ser escancarado à opinião pública, precisa ser didaticamente televisionado.


É passada a hora de revelar com clareza e sem subterfúgios de um economês propositalmente indecifrável quais são estas forças que estão sabotando o presidente e o vice-presidente. É preciso um novo jornalismo capaz de revelar que forças são estas que estão sabotando os que trabalham, sabotando o pequeno empresário, sabotando o agricultor familiar, sabotando a aplicação criativa e produtiva de recursos empoçados, estagnados e esterilizados em títulos da dívida pública.


A república dos rentistas


É preciso que a televisão cumpra o seu objetivo social de esclarecer o papel anti-social e anti-nacional dos que sabotam e impedem a aplicação deste crédito empoçado na geração de empregos, seja construindo casas, estradas, hospitais, ferrovias, ou fabricando roupas sapatos, móveis e utensílios domésticos que as enxurradas levam a cada nova chuvarada. Enfim, quando será que esta maravilhosa tecnologia que é a televisão terá o uso didático e educativo para – televisionando a Reunião do Copom – revelar quais são os que defendem os juros altos, com o seu linguajar enrolado, sua insensibilidade de grande organizador das derrotas do mundo do trabalho, levando a pequena produção à falência, as cooperativas à paralisia, os assentamentos da reforma agrária ao desesperante beco sem saída e toda uma geração sem rumo para o crime? Quem é o maior criminoso? Uma juventude proibida de trabalhar e tangida para a prisão ou os que produzem as políticas que levam toda uma geração para o crime e a prisão?


Que estupendo efeito político teria sobre a sociedade brasileira a simples colocação na tela, e com explicações didáticas e compreensíveis sobre economia, de todos os que impedem que este país saia da crise pela via da produção de bens do consumo necessário, ao invés de criminosamente fazer rodar apenas a especulação estéril que tão somente cria uma república dos rentistas – a dos que enriquecem sem trabalhar – e a outra, a dos que trabalham e produzem escravizados pelos rentistas, ou gostariam de trabalhar e de produzir, se esta oportunidade não estivesse sendo criminosamente sabotada na cara de todos nós! Afinal, para que serve tanta televisão? Afinal, para que serve uma TV pública?


Técnico e político


Observa-se toda uma tentativa dos meios de comunicação capturados pela tirania vídeo-financeira privada de desmoralizar algumas das tímidas mas acertadas medidas de Lula para facilitar o acesso ao crédito, para baixar os juros, para estimular a produção. Durante seis anos de governo, apesar da chiadeira diuturna e militante do vice-presidente José Alencar denunciando os juros altos como sabotagem à produção e à geração de emprego, apenas muito suavemente se observa uma redução parcial nos juros. Mas, as resistências são gigantescas. Os comentaristas da tirania vídeo-financeira – os mesmos que recomendaram as políticas neoliberais de Estado mínimo e desregulamentação que levaram à crise do capitalismo atual – agora tentam esconder sua responsabilidade incontornável pela crise fugindo para a frente.


Um verdadeiro tom de campanha é que o que vemos no tratamento nada jornalístico sobre a recente demissão do presidente do Banco do Brasil, apresentada como se fosse uma temerária intervenção política de Lula numa instituição financeira que ‘está dando certo’. Ora, dando certo para quem, se o banco público, desafiando Lula e José Alencar, chegou a praticar os mais elevados juros do mercado? Dando certo para quem, cara pálida? Tenta-se passar a idéia de que baixar juros é voluntarismo político, ao mesmo tempo que indicam que juros altos é responsabilidade técnica. Seria esta a única alternativa que não merece qualquer crítica. Ora, por que elevar os juros às alturas não é também uma clara opção política pela especulação, pelo rentismo que enriquece ricos, uma clara escolha contra os que querem créditos para a produção? Isto é opção política, sim, e opção preferencial pelos ricos!


Esterilização no superávit primário


Se a televisão simplesmente colocasse este tema em debate – hoje, há nas telas apenas a defesa da tese subliminar de que juros altos é prova de responsabilidade técnica e que juros baixos é populismo e intervencionismo político – já seria uma enorme contribuição para elevar a compreensão na sociedade brasileira sobre quem são os que querem produzir e quais os que querem manter o dinheiro empoçado, esterilizado e rodando apenas a especulação financeira para enriquecer os já ricos.


Por exemplo, se a TV cumprisse sua função pública definida na Constituição e veiculasse todas as opiniões em torno da decisão governamental de reduzir o superávit primário, sobretudo aquelas que estão vedadas atualmente nas telinhas, como o argumento de que com uma maior aplicação de recursos na produção, em obras públicas, deverá trazer efeitos concretos e benéficos seja lá nos grotões mais isolados da sociedade brasileira e até ao mais simples pipoqueiro ou vendedor de bandeirolas nos estádios de futebol, já seria uma relevante contribuição prática para a democracia da informação. Superemos as discussões conceituais intermináveis, pratiquemos democracia informativa. Este argumento hoje não é veiculado, não circula, é sonegado pela TV privada.


Também é preciso divulgar que a redução do superávit primário permitirá, por exemplo, aumentar em 15 bilhões o volume de investimentos da Petrobrás no pré-sal, na construção de novas refinarias. Debatamos: que efeitos isto trará na indústria naval, no fortalecimento do poder aquisitivo dos trabalhadores, nos índices de emprego formal, na arrecadação da previdência, no comércio de bens da indústria leve? Esta é a missão pública da televisão. Antes desta decisão – sim, de verdade uma decisão política de Lula – estes recursos ficavam esterilizados no superávit primário.


Desperdício de oportunidades


Entrevistado pela TV Globo sobre o tema, um ‘especialista’, destes sempre convidados para defender redundantemente a mesma tese, definiu candidamente por que a redução do superávit primário não era medida recomendável: ‘Isso pode gerar intranqüilidade nos credores externos’. Quais credores externos ficariam intranqüilos? Os que estão indo à bancarrota nos EUA? Os que estão pregando novo calote no sistema financeiro internacional através da impressão (não emissão) de mais dólar furado, moeda sem lastro, papel pintado, mas com capacidade de comprar uma riqueza real, não fictícia, como a Vale do Rio Doce ou ações da Petrobrás?


É de se lamentar que não tenhamos uma televisão com a decisão suficiente para fazer cumprir o direito dos brasileiros à informação plural, diversificada, com caráter educativo como estabelece a Constituição. Na quarta-feira (15/4), reconstruída a bancada das ‘Meninas do Jô’, uma delas chegou a sentenciar ‘Este país acabou!’ Não se ouviu uma crítica sequer ao epicentro da crise, que está no coração do capitalismo, os EUA, país que estes ‘comentaristas’ têm como modelo. Aliás, ouvimos na quinta-feira (16/4) na CBN uma pérola analítica sobre a redução do superávit primário no Brasil: aqui, esta medida é temerária, dizem eles, porque aqui se dá calote (mas o Brasil não pagou a dívida com o FMI?), mas nos EUA é diferente porque, segundo os dois comentaristas, ‘lá, trata-se de um endividamento sério e responsável’.


Será que não viram o presidente chinês advertindo os EUA para que honrem sua monumental dívida financeira com a China? Endividamento sério e responsável com a impressão de papel moeda sem lastro que a economia mundial tem que aceitar? Por que o Brasil não poderia emitir moeda a partir de riqueza real, o petróleo pré-sal, o urânio, a maior jazida conhecida de nióbio do mundo? Aí seria populismo, intervencionismo político na economia! Nunca estes outros ângulos ganham espaço para a discussão democrática na televisão capturada pela ditadura do mercado, que impõe o seu ‘dirigismo editorial de pensamento único’.


Enquanto na Globo se recompõe a bancada das ‘Meninas do Jô’, permitindo prever o que vem por aí – uma espécie de reedição da campanha do mensalão, que tentou em vão impedir a reeleição de Lula – a TV Brasil, no mesmo horário, parecia estar em outro país: estava exibindo o Sem Censura reprisado, com uma dupla caipira e um apresentador do Fantástico falando de suas viagens pelo mundo. Convenhamos, é um desperdício de oportunidades. Por que não realizar com a freqüência gritantemente necessária mesas de debate ao vivo, com a participação do público, convidando todas as vozes normalmente proscritas nas emissoras da tirania vídeo-financeira? Quem proíbe? Quem não se anima? Os mesmo que sabotam o discurso de Lula e de José Alencar a pregar no deserto, por mais de 6 anos, a queda dos juros?


A função pública constitucional


É hora de audácia. A mesma audácia presente na determinação do presidente Lula em retirar o Banco do Brasil do esquema de sabotagem aos que querem produzir e trabalhar, mudando seu presidente e sua orientação, deveria estar presente também na TV Brasil, que pode muito bem inaugurar um novo jornalismo. Um jornalismo que faça o contraponto democrático a este que predomina nas emissoras prisioneiras da tirania vídeo-financeira, repetindo no plano comunicacional a mesma concepção que rege a fraude monetária especulativa que levou o mundo à crise econômica atual.


Moeda sem lastro, moeda falsa, moeda fictícia, acompanhada de informação que não revela o potencial do mundo do trabalho, do mundo da produção e constrói uma realidade falsa, normalizando a especulação, na qual qualquer outra visão que proponha uma revolução produtiva é liminarmente excluída de divulgação, é sonegada e, sem direito de defesa, taxada de intervencionismo político no mundo financeiro, de populismo. A partir daí, resta apenas a sacrossanta opção, igualmente política, de que responsabilidade fiscal e financeira só e somente só é possível com os juros altos. Paralela à fraude monetária, ocorre uma fraude midiática. Elas se realimentam.


Que tal colocarmos tudo isto em debate? Afinal já estamos há 45 anos do golpe militar de 1964. Que tal revelarmos as forças nada sobrenaturais ou misteriosas que na Reunião do Copom, protegidas pelo linguajar economês impenetrável, continuam a defender, apesar do colapso do capitalismo, os indecentes privilégios dos banqueiros que recusam a aplicação dos recursos na produção e geração de emprego e renda? Que tal inaugurarmos o debate sobre a função dos bancos públicos que poderiam seguir de fato a orientação do presidente da República e do seu incansável vice-presidente e terem, finalmente, audácia de colocar em prática o discurso da campanha de 2002? Que tal ampliarmos mais ainda o debate sobre o papel da televisão, sobretudo sobre a obrigação das emissoras de cumprirem a função pública inscrita na Constituição?


Diálogos de descerebrados


Por que a reunião do Copom não pode ser televisionada se ali são tomadas decisões que levam milhões e milhões de pequenos empresários e pequenos agricultores à falência e à ruína e se ali são inviabilizados, com uma simples canetada baseada em pesquisas encomendadas pelos próprios bancos (pesquisa Focus) inúmeros projetos de emancipação nacional? Não será um direito constitucional do povo brasileiro saber de cor e salteado quem são os que sabotam a desesperante e inadiável necessidade de reduzir os juros? Não será uma obrigação da TV pública mostrar, revelar, explicar o que acontece nestas reuniões onde se decide ou a tragédia dos que são impedidos de produzir ou a cadeia da indecente felicidade dos que enriquecem sem trabalhar e produzir?


Se televisionam um sujeito animalizado surrando um outro até sangrar, se há canais televisionando leilões de gado, tapetes ou jóias, ou oferecendo o sexo-mercadoria, se são televisionados os mais indigentes diálogos de grupos de descerebrados a debater a edificante questão do sexo anal por satélite nos Big Brother, se somos obrigados a ver mais de mil horas de TV estimulando o consumo de cerveja quando se deveria educar no amor aos livros, no amor às bibliotecas, ou educar para a solidariedade por meio da difusão de informações sobre nossa trágica liderança mundial em hanseníase, a pergunta é clara e direta: por que a reunião do Copom não pode ser televisionada?

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Presidente da TV Comunitária de Brasília