Tuesday, 07 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Após a eleição, especulação

Os jornais de terça-feira (2/11) fazem aquilo que os repórteres de política mais adoram na profissão: especulações sobre o futuro governo. Quem ganha, quem perde, quem entra, quem sai, que forças políticas vão predominar, as intrigas e os bastidores.


Nesse contexto, qualquer conversa em mesa de restaurante, principalmente nos restaurantes prediletos dos políticos em Brasília, se transforma em núcleo de conspirações e negociações. Cada um escolhe suas fontes, e o resultado está semeado pelas páginas dos diários.


Também é interessante analisar a edição especial da revista Veja com uma ampla reportagem sobre a eleição de Dilma Rousseff.


O leitor atento pode perceber em todas essas manifestações da chamada grande imprensa uma tentativa de apagar o passado recente e aceitar a mão estendida pela presidente eleita, que reafirmou seu respeito à liberdade de informação.


Ponto de partida


Mas há sempre um rançozinho a azedar as relações entre imprensa e poder, e ele não deriva apenas do essencial e necessário senso crítico que deve orientar o jornalismo. Há sempre uma gota de veneno a pontilhar, aqui e ali, as escolhas dos editores, como se a imprensa fosse incapaz de abandonar os pressupostos, justificados ou não, que marcaram seu partidarismo explícito durante a recente disputa eleitoral.


Veja, por exemplo, tenta isolar Dilma Rousseff de seu partido, e define o terreno em que provavelmente irá atuar a partir de janeiro: a revista reconhece os méritos da candidata vitoriosa, apesar de creditar o resultado, quase exclusivamente, à popularidade de seu padrinho político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para justificar tamanha popularidade, recorre à análise do chamado ‘efeito bem-estar’, já bastante explorado por outros comentaristas.


Na opinião de Veja, Dilma venceu porque aparece como sucessora de um governo que aumentou o salário mínimo nominal se comparado ao dólar, reduziu o desemprego, fez crescer o emprego formal, aumentou o crédito e o financiamento, e, claro, expandiu os programas sociais de transferência de renda.


Parece pouco?


A revista desconhece ou omite que o chamado ‘efeito bem-estar’ não pode ser usado seriamente para análises de comportamento social de longo prazo. É fator mais apropriado para observações de curto prazo, como nos estudos de marketing e de movimentos do consumo.


Mas a imprensa brasileira ainda vai levar décadas para assumir que a popularidade do atual governo deriva do fato de que ele produziu, pela primeira vez na História brasileira, um amplo fenômeno de mobilidade social que beneficia mais de trinta milhões de pessoas. Isso significa a inserção, na sociedade brasileira, de um contingente de cidadãos do tamanho da população argentina.


O Brasil que será entregue ao comando de Dilma Rousseff é um país muito diferente e muito melhor do que aquele que foi entregue a Lula da Silva em seu primeiro mandato. Esse deveria ser o ponto de partida para qualquer análise política sobre este momento da nossa democracia.


A hora das mudanças


O reconhecimento dos méritos reais do governo que se encerra em 31 de dezembro e recomeça com novo comando no dia seguinte deveria ser o passo inicial da recondução da imprensa ao seu papel de crítica do poder. Só assim a imprensa terá legitimidade para seguir cumprindo sua função de confrontar as decisões do poder público com o interesse público, abrindo espaço para os debates sobre as reformas de que o Brasil precisa.




Alberto Dines:


Foi a mais virulenta campanha eleitoral desde a redemocratização. Neste tópico não há divergências, mas proclamados os resultados e cumprido o protocolo de reconhecimento da candidata Dilma Rousseff, começam os planos para a transição e, junto com eles, algo mais complicado e mais profundo: iniciar o longo processo de reconciliação nacional.


Na agenda da aproximação e da convergência, a mídia ocupa papel destacado porque ela foi pivô de inúmeros incidentes e confrontos. A questão religiosa, que apareceu na reta final, compromete a própria democracia brasileira e precisará ser encarada com serenidade. A reforma política, apontada há décadas como o pivô dos nossos impasses, pode garantir um processo eleitoral mais justo e, sobretudo, menos vulnerável à corrupção.


A eleição acabou, mas as mudanças começam agora. Participe. Hoje à noite, no Observatório da Imprensa, pela TV Brasil, às 22h, ao vivo, em rede nacional. Em São Paulo, pelo canal 4 da NET e 181 da TVA.