Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As bases econômicas da política educacional no Brasil

A entrevista com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, no caderno Mercado (não por acaso) da Folha de S.Paulo de 28/11/2015 [disponível em http://goo.gl/P953do], revela algumas contradições, além de aspectos bastante sensíveis sobre o entendimento dos problemas que afetam a qualidade da educação no país, com a consequente limitação (segundo análises de economistas) a um crescimento econômico sustentável.

Não menos contundente (e chamativa), a frase do ministro pinçada para o lead acusa, à primeira vista, a má formação dos professores, uma vez que se o “Brasil formasse médicos como professores, pacientes morreriam” – como se a realidade da saúde pública não fosse dramática nem acontecesse, por exemplo, pacientes morrerem nas filas sem que o médico (quando há) consiga distinguir uma virose de um quadro agudo de apendicite. No entanto, o contexto da entrevista aponta uma demasiada teorização na formação do professor, faltando justamente o aporte da prática. O ministro ressalva que a reflexão teórica é importante, que foram dadas bolsas para 300 mil professores e professoras, mas há maior necessidade de uma prática de aprendizagem em sala de aula, de mais profissionalização.

E nesse ponto fala da importância de uma mudança na base nacional curricular a definir o que é o direito de aprendizagem de qualquer aluno no território (tema para uma boa discussão), até uma reorientação dos cursos de pedagogia que têm na rede privada “o grosso dessa formação” (como se não fosse o próprio governo o responsável pelo incremento desse setor). Destaca que há, todavia, instrumentos para ajudar nessa tarefa (a da formação dos professores), entre os quais o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) – também na mira dos cortes do proclamado ajuste fiscal – com 90 mil bolsistas que fariam frente para a melhoria das práticas docentes.

Entretanto, as contradições surgem nas entrelinhas e no que se pode deduzir do conjunto das respostas do ministro, sem deixar de ser sintomático o viés economicista, como não podia deixar de ser, que permeia as decisões e as diretrizes da política nessa área. Exemplar disso é o referido programa (Pibid), apontado como instrumento para possíveis melhorias (e há universidades que já constatam isso), que corre risco de ser inviabilizado ou mesmo extinto sob a justificativa, também segundo a fala do ministro, de que apenas 18% dos (90 mil) bolsistas “viram professores da rede”.

Pano de fundo é sempre econômico

Parece haver uma leitura um tanto enviesada ou pouco profunda do problema, pois a crítica recai sobre o aluno (do Pibid), que acabaria por dar mais atenção às exigências da faculdade em relação ao projeto que reverter seus benefícios à rede, ou por não se sentir atraído pela carreira (ou justamente por isso, por conhecê-la de perto). Se há distorções, todavia, cabe ao MEC corrigi-las, estabelecer redes de diálogo com as universidades, faculdades e envolvidos, criar mecanismos de averiguação e acompanhamento mais eficientes, e não simplesmente reduzir drasticamente uma experiência que pode dar bons resultados. Sem contar que se a docência não tem atraído os melhores alunos, não se pode responsabilizá-los por isso. Afinal, o sucateamento da educação, das condições materiais da escola pública, da degradação e desvalorização (principalmente salarial)·do trabalho dos docentes e dos profissionais da educação tem sido a “prática”, o modus operandi de sucessivos governos, a se repetir nas esferas federal, estadual e municipal.

Há sempre o risco de se aplicar soluções reducionistas a problemas complexos, como os da educação, que envolvem inúmeras variáveis – decerto, uma única entrevista não possa abarcá-las, mas não deixa de ser uma amostra importante do que se pensa a respeito –, principalmente se não se produzirem debates com a sociedade (ilustrativo disso são as ocupações dos jovens e adolescentes das escolas públicas paulistas diante da falta de diálogo e da imposição autoritária do governo tucano no episódio da reorganização escolar no estado), inclusive para se entender o contexto das escolhas sobre o que se pretende oferecer (a tal base curricular nacional e o ensino técnico profissionalizante) ao aluno, quais as políticas que norteiam tais escolhas, enfim, o receituário (bem ao gosto econômico) que se vai adotar, ainda que o ministro enfatize que “o projeto pedagógico é um projeto de país, um projeto público”.

De qualquer forma, um projeto “pedagógico” de país não se realiza sem a vertente econômica, sem financiamento e investimentos, tampouco sem a preocupação com o controle da aplicação eficaz de tais recursos (e de seus resultados). Há de se questionar, entretanto, a que consenso se pretende chegar, em que tipo de escola (pública) se irá apostar, até para ir além da universalização do acesso no entendimento das contradições mal resolvidas entre quantidade e qualidade, entre uma escola do conhecimento, assentada na aprendizagem, nas tecnologias ou numa que se volta ao acolhimento social, assistencialista, destinada a ofertar apenas um kit de aprendizagens mínimas – aspecto bem real que já vivenciamos, revelador de um dualismo perverso que impregna a educação brasileira.

O pano de fundo é sempre o econômico, bem porque a escola (pública) que temos hoje é resultado da adoção de políticas e diretrizes neoliberais absorvidas quase integralmente nos últimos 25 anos – que remontam, portanto, à chegada “oficial” do neoliberalismo ao Brasil, nos anos 1990, e coincidem com a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), ainda no governo de Itamar Franco, também em consonância com o movimento Educação para Todos, tendo por marco a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, em 1990), sob o patrocínio do Banco Mundial e o aval do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Uma educação para a sociabilidade capitalista”

No documento que se produziu (denominado Declaração Mundial da Conferência de Jomtien), são contemplados tópicos gerais, como a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, a universalização do acesso à educação básica (entendida como ensino fundamental) como base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, a ampliação dos meios e raios de ação da educação básica, o fortalecimento das alianças entre autoridades públicas, professores, órgãos educacionais, organizações governamentais, setor privado, comunidades locais, grupos religiosos, familiares etc., entre outras medidas.

A questão, todavia, é que nas conferências subsequentes, sob a visão estritamente economicista e pragmática do Banco Mundial, atendendo mais às demandas dos mercados, a proposta original foi encolhida, prevalecendo, com variações em cada país, aquilo que se converteu de educação para todos em educação dos mais pobres; de necessidades básicas em necessidades mínimas; da atenção à aprendizagem em melhoria e avaliação dos resultados do rendimento escolar; da melhoria das condições de aprendizagem em melhoria das condições internas da instituição escolar (LIBÂNEO, 2012), inclusive com a distorção do papel da escola e o esvaziamento do papel do professor.

De certo modo, garante-se um mínimo, que não significa mais que a manutenção do status quo, na elaboração das políticas sociais (principalmente da educação) para instrumentalizar a política econômica, vitimando sempre o lado mais fraco. E não é por acaso que agora os olhos se voltam para o ensino profissionalizante, também sob as demandas do mercado, num mundo cada vez mais tecnológico.

Daí a importância de se repercutir a entrevista do velho/novo ocupante da pasta da Educação, Aloizio Mercadante – e a necessidade de coberturas jornalísticas menos burocráticas ou parciais – a fim de se promover um amplo debate na sociedade sobre uma educação verdadeiramente libertadora, de autonomia na chamada era “do conhecimento”, para que não se perpetue o fosso social de desigualdades e exclusões. Há condições para tanto, resta saber se haverá empenho e coragem para arregimentar forças, propor, talvez, um pacto (e não apenas um slogan), permitindo e fomentando o diálogo e a troca de experiências bem-sucedidas, em todos os setores da sociedade, com as contribuições da universidade pública, do próprio Pibid e dos mestrados profissionais, por exemplo, que além da reflexão teórica, têm o compromisso de oferecer um produto de suporte prático a alunos e docentes.

Mas não deixa de ser irônico o fato de as críticas serem feitas por economistas (sempre prontos a escrever sobre educação) à falta de qualidade da educação brasileira, fator que realmente limita o crescimento de forma sustentada do país – tal como aparece nos documentos de organismos internacionais e nos discursos midiáticos, repetidos à exaustão, a exemplo do mau desempenho dos alunos brasileiros no Pisa, resultado ainda ruim, é verdade, embora não se diga que num cenário de estagnação entre os participantes, e entre aqueles que partiram de uma base igualmente ruim, foi o Brasil que mais melhorou de 2003 para 2012, nas palavras de Claudia Costin, diretora global de Educação do Banco Mundial, em entrevista na mesma Folha de S.Paulo quando são justamente os pressupostos econômicos que acabam por ditar as estratégias e políticas educacionais que, por um lado, refletem a burrice nacional e a mesquinhez dos políticos na relutância em investir seriamente e melhor na educação (traduzido em bons salários), e por outro, escondem, segundo pesquisadores mais críticos, o viés de “uma educação para a sociabilidade capitalista”, numa via de pensamento único, limitadora do desenvolvimento e participação plena da sociedade, no verdadeiro acesso aos bens culturais e saberes sistematizados pela humanidade e no exercício da cidadania, da liberdade e da democracia.

Referência

Libâneo, José Carlos. “O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres”. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, nº 1, p.13-28, 2012 [http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop323.pdf ]

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Afonso Caramano é funcionário público e escritor